Dois
ausentes dominaram o Fórum Econômico Mundial em 2024:
Trump e Putin. Por Flávio
Aguiar
Entre os
objetivos da ONG está o de promover iniciativas de governança global baseadas
em princípios do liberalismo econômico. Para tanto reúne anualmente cerca de
3.000 empresários, governantes, acadêmicos, lideranças globais, jornalistas e
demais “influenciadores” (para usar uma palavra da moda) que durante cinco dias
debatem temas da atualidade em centenas de mesas.
Com a queda
do muro de Berlim em 1989 e a dissolução da União Soviética em 1991, o Fórum de
Davos tornou-se uma "menina dos olhos" do capitalismo triunfante na
Guerra Fria. Naquele momento, o cientista político norte-americano Francis
Fukuyama chegou a proclamar o “fim da história”, afirmando que o capitalismo
liberal do Ocidente e sua forma de democracia eram o estado social definitivo
da humanidade.
Ao lado dos
entusiastas do Fórum Econômico Mundial cresceram também seus críticos, vendo
nele a formação de uma elite “desnacionalizada” sem compromissos sociais que
não os de natureza apenas retórica. Fruto destas críticas nasceu seu
contraponto, o Fórum Social Mundial, criado em 2001 em Porto Alegre, no
Brasil. O FSM reuniu desde sempre um número expressivo de ONGs, sindicalistas,
militantes de movimentos sociais e políticos em geral de esquerda. Já na sua
primeira edição o FSM reuniu cerca de 20.000 participantes.
Em alguns
momentos em que as datas de realização dos dois fóruns coincidiram, chegou a
acontecer um diálogo virtual entre os participantes de cada um. Neste ano o FSM
se reunirá no Nepal, na Ásia, entre 15 e 19 de fevereiro. Aliás, o presidente
brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, é dos poucos líderes mundiais com
presença marcante em ambos os Fóruns, embora estivesse ausente nesta edição do
de Davos em 2024.
Inteligência Artificial
Desta vez,
vários comentaristas concordaram que a grande estrela dos debates foi a Inteligência Artificial,
suas vantagens, conquistas e também seus problemas. Ressaltou-se a sua
capacidade relâmpago de criar “fake news” e mundos imaginários num ano em que
processos eleitorais de grande alcance envolvem 40% da humanidade, em todos os
continentes regularmente habitados.
Também
foram marcantes as presenças do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, como
sempre passando seu chapéu em busca de financiamento e mais armas para a guerra
de seu país contra a Rússia, e a do recém-empossado presidente da Argentina, o
ultra-liberal Javier Milei, propagandeando seu anarco-capitalismo e chegando ao ponto de
afirmar que o próprio Fórum de Davos se apresentava contaminado por algo que
chamou de “coletivismo” e “socialismo” - coisa que provocou aplausos e risos ao
mesmo tempo.
Mas houve
duas outras "presenças marcantes" nas mesas, nos corredores e nos
encontros sociais do Fórum: os ausentes Donald Trump e Vladimir Putin.
Trump foi
uma espécie de aparição fantasmagórica, com o risco de seu retorno à Casa
Branca e seus princípios de “America First” e desprezo por fóruns
internacionais - o que, de certo modo, inclui Davos.
Por outro
lado, Putin - que já foi convidado ao Fórum e dirigiu-lhe a palavra em 2009 -
foi eleito pelos comentários gerais como o inimigo n* 1 dos princípios de
Davos.
Foi tal a
hostilidade em relação ao presidente russo que circulou nos corredores, de modo
insistente, a proposta de expropriar os 350 bilhões de dólares das reservas
internacionais da Rússia para aplicá-los na guerra e na recuperação da Ucrânia.
Uma ideia
semelhante já ocorrera antes em relação às reservas em ouro da Venezuela no
Banco da Inglaterra, para entregá-las ao então líder oposicionista Juan Guaidó,
hoje desacreditado por seus próprios ex-seguidores.
Tais
propostas contêm um paradoxo. Aparentemente a expropriação de
capitais, uma prática antes defendida por organizações revolucionárias de
esquerda, passou a ser uma bandeira seletiva de lideranças do Ocidente
capitalista, para ser aplicada contra quem considerem um inimigo.
Flávio Aguiar, jornalista e escritor, é professor
aposentado de literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros,
de Crônicas do mundo ao revés (Boitempo).
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