Dois pequenos textos sobre o teatro de Arthur Miller. Por Maria Sílvia Betti


Dois pequenos textos sobre o teatro de Arthur Miller.
Por Maria Sílvia Betti


Arthur Miller

1)    BREVE RESUMO
Nascido em Nova Iorque em 1915 e falecido em 2005, Miller documentou, ao longo de mais de seis décadas de trabalho, a crise ética inerente ao capitalismo estadunidense. No reconhecimento conquistado por seu teatro junto à crítica dominante, este aspecto foi frequentemente negligenciado pela crítica, que tendeu a ressaltar ora as “dimensões universais” dos temas, ora o tratamento psicologizante das personagens.
O teatro de Miller trata do cidadão comum, desprovido de traços que o elevem acima de seus semelhantes. Seus protagonistas tendem a identificar-se com as palavras de ordem do sistema, que pregam a competição como norma e o sucesso como objetivo. O que interessa a Miller não é examinar a suposta vitimização do indivíduo, mas investigar os meios pelos quais ele rende tributo incondicional aos próprios mecanismos que o alienam e exploram.
Dentre todos os intelectuais que manifestaram publicamente seu repúdio ao macartismo e à política persecutória dos anos 1940 e 1950, Miller foi a figura de maior notoriedade.Nas décadas de 1960 e 1970 ele teve participação ativa no movimento de luta pelos direitos civis e na campanha de protesto contra a guerra do Vietnã, e em 2003 manifestou sua crítica irrestrita à política externa de George W. Bush e à invasão do Iraque pelos Estados Unidos. A história do engajamento político de Miller mescla-se à sua própria vida como dramaturgo.


2)    IMPORTÂNCIA NA DRAMATURGIA CONTEMPORÂNEA
As peças de Arthur Miller peças registram o impacto produzido na esfera ética pelas grandes crises históricas de sua época: a Depressão econômica que se seguiu ao “crack” da bolsa de 1929, a ascensão do nazismo, a experiência aterradora do Holocausto, o macartismo, a política de delações instituída pelo governo federal norte-americano durante a guerra fria, e a ideologia inerente ao chamado “Sonho Americano” de sucesso pessoal e financeiro.
Representar dramaturgicamente toda essa gama de assuntos foi para ele um desafio constante, e envolveu o uso de diferentes recursos expressivos, além de uma crítica contínua do pensamento dominante, engendrado pela máquina estatal e pela indústria do consumo.
O teatro de Miller transmite ao seu espectador e leitor a convicção de que há uma verdade a ser investigada e descoberta, e de que isto só é possível mediante o mergulho analítico nas experiências históricas e coletivas do passado. Formalmente, trata-se de uma opção que o aproxima da técnica dramatúrgica de Ibsen e que o afasta deliberada e conscientemente da estrutura dramática convencional.
Dentro da dramaturgia contemporânea, o trabalho de Miller se caracteriza pela procura constante da coerência e da integridade, opção que o colocou, como cidadão e como artista, na contracorrente da ideologia estadunidense dominante. Em Timebends, sua autobiografia, ele observa que a guerra do Vietnã o havia feito questionar se seria possível outra vez escrever-se uma peça que revelasse criticamente um tema submerso. Em alguma medida essa foi sempre a procura que o norteou em tudo o que escreveu, e é ela que o faz tão perturbadoramente atual.


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Conheça também:

de Maria Sílvia Betti (organizadora da coleção Oduvaldo Vianna Filho pela Editora Temporal)

Dramaturgia Comparada Estados Unidos / Brasil: Três estudos
Autora: Maria Sílvia Betti
Editora: Cia. Fagulha
ISBN 13:       978-85-68844-03-8
Páginas:       360




Dramaturgia Comparada Estados Unidos / Brasil: Três estudos – Maria Sílvia Betti




Tel.: (011) 3492-3797


Sobre A invasão dos bárbaros e Papa Highirte dirigidos por Tin Urbinatti. Por Maria Sílvia Betti




Sobre A invasão dos bárbaros e Papa Highirte
dirigidos por Tin Urbinatti.
Por Maria Sílvia Betti



Dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho




Sobre A invasão dos bárbaros, encenação pioneira com o Grupo de Teatro de Ciências Sociais dirigido por Tin Urbinatti em 1976.
Por Maria Sílvia Betti


Dramaturga Consuelo de Castro

Em 1976 vigorava no país, sob a ditadura implantada em 1964, a supressão dos direitos civis e das liberdades de expressão e pensamento. Os integrantes do Grupo de Teatro de Ciências Sociais da USP, dirigido por Tin Urbinatti, desejavam que seu trabalho colaborasse ativamente com a luta do movimento estudantil contra o regime e em prol da formação de um pensamento crítico. Com esse objetivo, os integrantes pensaram em encenar Rasga Coração, última peça de Oduvaldo Vianna Filho, concluída em 1974, o mesmo ano de sua morte. Rasga Coração tinha sido classificada em primeiro lugar no Concurso de Dramaturgia do Serviço Nacional de Teatro nesse mesmo ano, e foi unanimemente aclamada como obra prima do teatro brasileiro. Os trabalhos de Vianna eram referência para o Grupo, mas a peça, logo após a premiação, havia sido proibida pela Censura tanto para montagem como para publicação, o que tornou impossível que naquele momento os integrantes tivessem acesso a uma cópia dela.

Com esse impedimento, pensaram em montar A invasão dos bárbaros, que Consuelo de Castro havia escrito em 1968 com o título de À prova de fogo, e que em 1974 tinha sido inscrita no Concurso de Dramaturgia do Serviço Nacional de Teatro com o título Invasão dos bárbaros ou À prova de fogo e classificada em segundo lugar.

A peça tinha sido criada por ocasião do ataque sofrido por estudantes da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, que haviam ocupado o prédio da Faculdade e que nele se encontravam mobilizados. O ataque foi iniciativa de grupos paramilitares de direita, e acarretou a morte de um secundarista, a prisão de dezenas de estudantes, a dilapidação e incêndio do prédio da Faculdade, a sua desocupação e a transferência dos cursos nele sediados para instalações improvisadas no campus da Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, no bairro do Butantã.

A famosa “Faculdade de Filosofia”, localizada na Rua Maria Antônia 294, tinha sido, desde o golpe, um polo de resistência e crítica ao regime militar, e Consuelo de Castro, ainda estudante em 1968, havia participado do movimento estudantil e dos debates políticos realizados. Sua peça era um documento vivo escrito no calor da luta do movimento estudantil contra as forças da ditadura. Não poderia haver escolha mais significativa para o Grupo de Teatro de Ciências Sociais.

Como também a peça de Consuelo tivesse sido proibida para encenação e publicação, Tin Urbinatti procurou a dramaturga e recebeu dela o texto para que fosse montado pelo Grupo de Teatro das Ciências Sociais. Tin relata as palavras da autora nesse momento: “Depois que vocês montarem a minha peça, deem uma lida nessa aqui, que é de um parceiro nosso, o Vianinha.” A peça era Papa Highirte.” A peça de Vianna seria encenada pelo Grupo logo após A invasão dos bárbaros.

Com a destruição do prédio da Rua Maria Antônia em 1968, os cursos de Filosofia, Ciências Sociais e Letras, que ali haviam funcionado até então, deveriam ter sido transferidos para o campus, mas as obras de construção do prédio que lhes havia sido destinado tinham sido paralisadas ainda em estágio inicial, o que acarretou a instalação provisória deles em outros locais da Cidade Universitária: os barracões de concreto, em que permaneceram até 1972, e depois as chamadas Colmeias, conjuntos hexagonais modulados, também de concreto e sem caráter definitivo. Em 1976, oito anos depois da destruição do prédio da Rua Maria Antônia, as instalações da futura Faculdade eram um ainda incipiente esqueleto de vigas sem instalações elétricas ou hidráulicas.

Com o início dos ensaios, Tin Urbinatti propôs ao grupo que o espetáculo ocupasse o arcabouço do prédio abandonado, da mesma forma que as personagens da peça de Consuelo e os estudantes em 1968 haviam ocupado a “Faculdade de Filosofia”. Tratava-se, ao mesmo tempo, de assumir o caráter clandestino do espetáculo, uma vez que o Grupo não tinha autorização da Reitoria da USP para realizá-lo. A proposta foi debatida pelos integrantes e aceita, e as leituras, ensaios e discussões internas de estudo se iniciaram.

A invasão dos bárbaros colocava em pauta a necessidade de se encontrar uma resposta consequente diante do momento político vivido e do movimento estudantil em sua militância contra a ditadura. Vinha daí a sua pertinência: as questões de 1968 representavam para o Grupo de Teatro uma forma de lançar atenção crítica para os problemas e contradições da luta política daquele momento. Era necessário estabelecer um paralelo entre as questões do contexto da peça (1968) e as do “aqui e agora” de 1975-76. Os desafios não eram poucos, pois além do receio da exposição do grupo às forças da repressão, constatava-se também, entre as tendências presentes, a existência de setores muito diferentes em suas posições: havia os excessivamente moderados, que ficavam muito aquém da energia de luta dos estudantes, e havia os que simplesmente entendiam que a ditadura estava com seus dias contados, e que era urgente a realização ostensiva de passeatas e atos públicos.

A peça de Consuelo de Castro inicia-se com uma assembleia em que uma questão crucial é colocada: os estudantes, que em sua luta contra a ditadura tinham ocupado o prédio da Faculdade de Filosofia, acabam de receber uma ordem de desocupação a ser cumprida em 24 horas sob pena de prisão por parte das forças policiais.

Para uma das facções estudantis presentes, a desocupação é necessária, pois a resistência poderá resultar num massacre puro e simples. Para a outra facção, por sua vez, um massacre, caso aconteça, contribuirá para desmascarar a ditadura e poderá levantar a adesão de outros setores da sociedade. Poucas peças dentro da história do teatro brasileiro, anteriores e posteriores à peça de Consuelo, colocam em pauta questões tão urgentes, tão imediatas, e de tão grande envergadura em relação à matéria política representada dramaturgicamente.

A concentração de A invasão dos bárbaros no espaço (os quatro andares do prédio da Faculdade) e no tempo (o prazo dado para a desocupação) torna mais agudos e urgentes os embates travados entre as diferentes facções. A polarização das posições defendidas na peça é crescente: para uns as condições não estão maduras para um enfrentamento de tão grande porte, e a sociedade dificilmente se levantará caso a invasão ocorra, pois tem outras prioridades de organização e de sobrevivência. Para outros, a perspectiva revolucionária apontada pela Revolução Cubana fulgurava intensamente como modelo, assim como a Ofensiva Tet, na Guerra do Vietnã, e a luta dos estudantes no Maio de 68 francês, praticamente contemporânea aos acontecimentos retratados na peça.

No contexto de 1975/76, momento da encenação da peça de Consuelo pelo Grupo dirigido por Tin, era igualmente intenso e acalorado o debate das lideranças políticas do movimento estudantil. Entendia-se que era necessário reconstruir os DCEs, as UEEs (União Estadual dos Estudantes), fortalecer as entidades estudantis e lutar pela reconstrução da UNE, que tinha tido sua sede no Rio de Janeiro bombardeada e incendiada pelas forças da ditadura, em 1964, e que logo a seguir tinha sido posta na clandestinidade. Ao mesmo tempo, constatava-se que estudantes e militantes mais jovens, que não tinham tido contato com o movimento de 1968 e que estavam se iniciando na luta e na universidade nesse contexto de 1976, ficavam alheios a qualquer discussão política ocorrida anteriormente.

Para o Grupo de Teatro de Ciências Sociais essa percepção ajudou a confirmar na prática a relevância do papel que a encenação de A invasão dos bárbaros teria dentro desse contexto. Havia entre os integrantes e militantes estudantis o projeto de elaboração do plano curricular de uma universidade voltada para os interesses populares, ou seja, para as classes trabalhadoras. A peça colocava elementos fundamentais para que esses projetos fossem aprofundados, pois envolvia um questionamento e um chamamento à participação assim resumidos nas palavras de Tin Urbinatti: “De repente, o estudante entra na faculdade e se depara com toda aquela movimentação, aquela peça teatral, que questionava e cobrava a sua participação na luta política do país. As pessoas ficaram muito a fim de participar, de fazer alguma coisa. Muita gente, inclusive secundaristas, calouros, vieram dizer que se sentiram cobrados na sua passividade diante da realidade.”

Para o Grupo de Teatro de Ciências Sociais o texto de Consuelo dialogava diretamente com essas questões, e o fazia por meio de uma estética dramatúrgica voltada ao “realismo crítico”, e que abrangia o estudo dos escritos de Lúkacs, das ideias estéticas de Marx e Engels, de Brecht e de Fisher entre outros. As encenações eram seguidas por longos e acalorados debates com o público e com os líderes das diversas tendências políticas que atuavam na USP. O momento era de intensa agitação e mobilização: os estudantes estavam se organizando para a construção do DCE - LIVRE (Diretório Central dos Estudantes Alexandre Vannucchi Leme), e paralelamente havia intensa articulação também em torno da reconstrução da UEE (União Estadual dos Estudantes).

Vários outros grupos de teatro universitário nesse mesmo período interessaram-se em montar A invasão dos bárbaros, mas acabaram não levando o projeto adiante por receio de entrar em rota de colisão com as tendências políticas do movimento estudantil desse momento histórico. A encenação da peça pelo Grupo de Teatro de Ciências Sociais foi, nesse contexto, um ato de ousadia tanto política como estética.

Na prática, a preparação do espetáculo acabou envolvendo a participação de outro grupo de teatro de estudantes para que a estrutura dramatúrgica e o número de personagens pudessem ser atendidos. Tin Urbinatti, pouco antes, havia ajudado na encenação de Os físicos, de Dürrenmatt, pelo Grupo de Teatro de Biologia, também na USP. Nenhum dos membros desse grupo havia tido antes qualquer contato com o teatro, e o trabalho de Tin como diretor foi fundamental. A montagem da peça de Dürrenmatt e na sequência o começo dos ensaios de A invasão dos bárbaros acabou aproximando os dois grupos colaborativamente.

Como o espaço em que ia acontecer a encenação de nada dispunha além de vigas de concreto em torno de áreas vazias, e como o espetáculo precisasse de energia elétrica para sua iluminação, foi preciso fazer aquilo que em linguagem popular é chamado de “gato”, estendendo fiação elétrica conectada diretamente no quadro de luz do prédio vizinho, de Geografia e História, até a área em a peça seria apresentada no prédio abandonado.

Miroel Silveira, diretor da ECA (Escola de Comunicação e Artes da USP) na época, emprestou spots de iluminação que pertenciam a seu departamento. Os cartazes de divulgação, dispostos em locais estratégicos do campus, faziam referência a essa estrutura cênica improvisada, aproveitando-a para guiar os espectadores em seu trajeto até o local do espetáculo. Assim, no Centro Acadêmico de Geografia e História podia-se ver um cartaz enorme que dizia: “À prova de fogo. Você veio assistir? Siga o fio.” O trajeto devia seguir a fiação elétrica estendida por aproximadamente cento e cinquenta metros até o local da encenação, num trajeto acidentado e que obrigava os espectadores a passarem sob uma cerca e a trilharem um trecho de terra.

A montagem de A invasão dos bárbaros representou uma iniciativa inédita na história do teatro em sua relação com o debate político de sua época. Não poderia ter havido destinação mais coerente e fiel ao trabalho de Consuelo de Castro do que essa. Nas palavras de Tin Urbinatti, ao assistirem à peça, os espectadores de 1976 “percebiam que aqueles jovens de 68 enfrentavam a repressão de forma corajosa, altiva. Estavam ali enfrentando a repressão, na rua, levando cacetada, tomando tiro, mas fazendo passeata. Não paravam, não deixavam a ‘peteca cair’. Isso era um exemplo verdadeiro e que impulsionava o estudante, calouro ou não, para lutar, para fazer alguma coisa”.

Em 1993, após a devolução do prédio da Rua Maria Antônia à USP e antes de sua reforma, a peça de Consuelo de Castro foi montada nele sob a direção de Aimar Labaki.




Sobre Papa Highirte, de Oduvaldo Vianna Filho, na encenação pioneira com o Grupo de Teatro de Ciências Sociais dirigido por Tin Urbinatti em 1976. 
Por Maria Sílvia Betti


Diretor Tin Urbinatti

Uma das preocupações principais dos integrantes do Grupo de Teatro dirigido por Tin Urbinatti era como tratar, dentro dos trabalhos encenados, das questões e conflitos que aconteciam na sociedade à sua volta. As discussões do Grupo eram bastante voltadas à estética teatral e ao papel do teatro diante de seu tempo, e assuntos da pauta política nacional e internacional reverberavam intensamente nos debates.

Com a censura e a sistemática proibição de trabalhos ligados ao pensamento político de esquerda, as peças vetadas passaram a encontrar nos grupos amadores, militantes e alternativos, um novo caminho para chegar ao público.

Esse foi o caso de Papa Highirte, de Oduvaldo Vianna Filho. A peça estava proibida desde sua premiação no Concurso do Serviço Nacional de Teatro em 1968, e foi pela recomendação de Consuelo de Castro que os integrantes do Grupo tomaram conhecimento do texto e tiveram acesso a ele.

Uma das principais expectativas dos integrantes era a de encontrar trabalhos em que as questões abordadas fossem tratadas com um grau de elaboração estética capaz de transcender o registro documental puro e simples. Os debates internos indicavam que essa era uma preocupação crescente nessa fase formativa em que todos estavam.

O movimento estudantil procurava se reorganizar para lutar contra as arbitrariedades do sistema, mas tinha inevitavelmente que lidar com a eclosão de divergências internas inerentes à luta política de modo geral. A grande maioria dos estudantes sentia-se tocada pelas questões sociais e políticas da sociedade, mas se sentia distante dos debates teóricos das lideranças, cujo teor abstrato não parecia ter conexões com a ação política propriamente dita.

Diante desse contexto, o Grupo realiza uma primeira leitura do texto de Papa Highirte. A reação imediata foi, nas palavras de Tin Urbinatti, “acachapante”: o texto tratava de temas centrais da pauta de estudo dos integrantes, e abordava assuntos que recolocavam pontos importantes para o debate do movimento estudantil. Ao mesmo tempo, aspectos centrais de A invasão dos bárbaros apresentavam-se de forma também na peça de Vianna, como, por exemplo, o chamado foquismo (teoria do foco revolucionário, inspirada na luta de Che Guevara) e a ação direta (perspectiva da luta armada).

Papa Highirte é a alcunha de Juan Maria Guzamon Highirte, ditador deposto do poder em Alhambra, pequena república fictícia latino-americana, e exilado na também fictícia Montalva. A peça apresenta-o em suas confabulações conspiratórias com o intuito de voltar ao poder. Paralelamente, apresenta a preparação de um atentado contra a sua vida planejado por Diego Mariz, jovem militante de uma organização de luta armada que deseja vingar a morte do companheiro Manito, assassinado em tortura sob o governo Highirte.

Manito e Mariz, na peça, companheiros na luta militante no passado, representam as duas perspectivas opostas de ação política intensamente discutidas no movimento estudantil nesse momento. Para Manito o exemplo heroico de um revolucionário disposto a morrer na luta se necessário era essencial para desencadear a insurgência do povo. Para Mariz as revoluções não careciam de heróis, e sim de lideranças dispostas a organizar a luta por etapas. Tratavam-se de perspectivas que reverberavam intensamente questões debatidas nessa época dentro do movimento estudantil e das organizações de esquerda no Brasil e na América Latina.

A encenação de Papa Highirte dirigida por Tin Urbinatti desencadeou acalorados debates dada a grande afinidade entre seus temas e as questões que se apresentavam para o movimento estudantil daquele momento. O espetáculo teve plateias lotadas durante toda a sua temporada, e foi assistido também por dois nomes consagrados do teatro profissional: a atriz Lélia Abramo, e o ator Sérgio Britto, que viria a montá-la no Rio de Janeiro, no Teatro dos Quatro, logo após sua liberação em 1979.



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SERVIÇO:

Papa Highirte
Autor: Oduvaldo Vianna Filho - Vianinha
Editora: Temporal
ISBN 13:       978-85-53092-02-4

Páginas:       120
Papa Highirte – Oduvaldo Vianna Filho - Vianinha


Tel.: (011) 3492-3797




Conheça também:

de Maria Sílvia Betti (organizadora da edição de Rasga Coração)

Dramaturgia Comparada Estados Unidos / Brasil: Três estudos
Autora: Maria Sílvia Betti
Editora: Cia. Fagulha
ISBN 13:       978-85-68844-03-8
Páginas:       360




de Maria Sílvia Betti (organizadora da coleção Oduvaldo Vianna Filho pela Editora Temporal)




Tel.: (011) 3492-3797


Dona Maria e a felicidade alheia ou como Sílvio Santos faz a gente feliz. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho


Dona Maria e a felicidade alheia ou
como Sílvio Santos faz a gente feliz.
Por Agenor Bevilacqua Sobrinho



Topa tudo por dinheiro:
Sílvio Santos faz propaganda para a reforma da Previdência de Bolsonaro.

Spoiler: Dona Maria ainda não sabe, mas ela não conseguirá se aposentar com a "nova Previdência" de Bolsonaro.




Dona Maria e a felicidade alheia ou como Sílvio Santos faz a gente feliz.

Dona Maria paga religiosamente o carnê do “Baú da Felicidade”.

No mês passado, quando esteve adoentada, ela preferiu pagar a prestação a comprar o remédio que lhe fora recomendado pelo médico do Posto de Saúde. Foi parar na UTI.

Seu estado ainda é grave e inspira cuidados. No entanto, a peça publicitária veiculada na emissora de Sílvio Santos afirma que “basta adquirir a Telesena” para solucionar os problemas econômicos. Dona Maria compra há 25 anos os “atalhos para a riqueza” prometidos pelo proprietário do SBT.


Indique quais conceitos são utilizados no texto acima.

a) Consciência, credulidade, certeza.
b) Reflexão, consciência de classe e manipulação.
c) Responsabilidade, reflexão e clareza.
d) Alienação, desejo de mobilidade social, manipulação.
e) Nenhum dos anteriores.


PS. Dona Maria está preocupada com as dificuldades financeiras de Sílvio Santos. “Como pode o banco PanAmericano trazer esse desgosto para esse santo homem, que só faz a gente feliz? Ainda bem que o Bolsonaro está pagando uma propaganda da Previdência para o Seu Sílvio ter um alívio, coitadinho.

Ela pensa em escrever uma carta a ele perguntando qual é a melhor forma de ajudá-lo: “comprando a Telesena ou os produtos de beleza Jequiti?”.




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Serviço: Conheça do mesmo autor


A Guerra de Yuan
Autor: Agenor Bevilacqua Sobrinho
(Prefácio: Mayumi Denise Senoi Ilari )
Editora: Fagulha
ISBN 13:       978-85-68844-00-7
Páginas:       136
R$ 40,00






Tel.: (011) 3492-3797




Oduvaldo Vianna Filho e a tragédia. Por Maria Sílvia Betti


Oduvaldo Vianna Filho e a tragédia. Por Maria Sílvia Betti


“Gota d’água” é uma adaptação do caso especial “Medeia”, escrito por Oduvaldo Vianna Filho para a TV Globo, em 1972, protagonizado por Fernanda Montenegro.

Em 1973 Oduvaldo Vianna Filho escreveu “Medeia”, texto teledramatúrgico criado para o programa “Caso Especial”, da Rede Globo de Televisão. Nele Vianna contextualizava a tragédia de Eurípides nos morros cariocas e na contemporaneidade do país sob a ditadura. Sua morte prematura não lhe permitiu transpor esse trabalho para o teatro, o que acabou sendo feito por Paulo Pontes, seu ex-companheiro do grupo Opinião, em parceria com o compositor Chico Buarque de Hollanda. Do trabalho televisivo deixado por Vianna nasceria o musical “Gota d´Água”, um dos marcos do teatro brasileiro da década de 1970.
Em uma de suas últimas entrevistas, concedida ao jornalista Ivo Cardoso para a revista Visão, Vianna falou com ênfase sobre o papel político da tragédia. Para ele, nessa terrível fase do país sob a ditadura, a tragédia, por estimular a análise, propiciava uma percepção dos impasses do presente e o enfrentamento deles, passo indispensável para que fossem superados. Olhar nos olhos da tragédia era encará-la de frente para superá-la. Tão incisivas e instigantes foram as suas considerações sobre o assunto, que a matéria sobre a entrevista foi publicada na revista com o título de “Os olhos da tragédia”[1], enfatizando a relevância que o assunto havia assumido em seu trabalho.
Outro texto em que Vianna apresenta considerações importantes indiretamente relacionadas à tragédia viria a ser publicado apenas vários anos após sua morte: tratava-se de um documento inacabado composto por dois esboços originalmente pensados como partes de um Prólogo para “Rasga Coração”, seu último trabalho. Vianna não os utilizou na versão final da peça, mas o documento foi incluído com o título de “Prólogo Inédito para Rasga Coração” na antologia organizada por Fernando Peixoto em 1983.[2]
Texto instigante e denso, repleto de truncamentos e repetições de cunho claramente experimental, esse Prólogo define, logo no início, coordenadas para a relação entre teatro e público, e assim faz remissão à Grécia antiga, contexto de origem da tragédia. [3]
 A ideia de destino, inerente à concepção trágica, é evocada logo no início[4] assim como a própria natureza constitutiva do teatro[5]. Longe de corroborar uma visão universalizante e essencialista, Vianna ressalta seu caráter contingente e determinado: o destino depende da forma como o entendemos, e o entendimento é fruto da contemplação e da gratuidade[6], que permitem flagrar no corriqueiro e no habitual outros significados reveladores.[7] Contemplar desencadeia percepções críticas no que diz respeito ao público, e envolve uma definição de princípios por parte dos artistas[8]. As formas tidas como definitivas, são, na verdade, transitórias e resultantes da ação humana, e não de formulações perenes e inelutáveis.
Sem que a tragédia esteja nominalmente referida, o desvendamento analítico associado a ela está implícito naquilo que Vianna considera o objetivo principal a ser perseguido[9]. O processo artístico visado tem caráter dialético por excelência pois não se legitima por meio de metas predefinidas, e sim por meio do que Vianna denomina gratuidade[10], que poderia ser entendida como uma abertura integral e autoconsciente de espectadores e de artistas à observação do fluxo de circunstâncias do real.[11]
Dentro dessa perspectiva, a ideia de uma condição trágica e aprisionante do ser humano é vista por Vianna como resultado do entendimento comumente aceito de que a assim chamada psicologia de cada indivíduo seria fruto de suas escolhas pessoais, e não de todo um conjunto de determinações históricas e de imposições ideológicas que lhe vão sendo impostas ao longo da vida[12]. Para Vianna, essa psicologia tem o caráter coercitivo e determinante contido na ideia de destino criticada[13]. Enxergá-la de forma crítica é tarefa necessária para a sua superação, processo sintetizado quando ele observa que “olhar nos olhos da tragédia” é fazer que ela seja dominada Pode-se, assim, perceber claramente o quanto a concepção de tragédia inerente ao pensamento de Vianna, por seu cunho dialético e por sua perspectiva historicizada, distingue-se da postulada pela maioria de seu contemporâneos.




[1] Entrevista a Ivo Cardoso. In PEIXOTO, Fernando. Vianinha. Teatro. Televisão. Política. São
Paulo: Brasiliense, 1984.

[2] “Prólogo inédito para Rasga Coração”. In PEIXOTO, Fernando. Vianinha. Teatro. Televisão. Política. Op. cit.

[3] Esperamos que os senhores não se inquietem
com um início de espetáculo tão desavisado
garantimos que não se trata de novidade
os gregos inventaram esses prolegômenos
talvez porque necessitassem prender a atenção
de seu público que vinha das ruas sujas de Atenas,
temendo os deuses e seus obscuros desígnios
perturbados com seus feridos de guerras constantes
com os levantes dos escravos. “Prólogo Inédito”. In VIANNA FILHO, Oduvaldo. Rasga coração. São Paulo: Temporal, 2018, p. 163.

[4] os prólogos geralmente lembravam que só escapa do furor
cego do destino
quem não procura fugir dele. In VIANNA FILHO, Oduvaldo. Rasga coração. Loc. cit. p. 163.

[5] Um teatro é o único lugar em que estamos presentes não
estando
em que participamos dos acontecimentos que entretanto
só acontecem
porque não estamos neles
É uma sensação doce demais, descoberta dos gregos
quando descobriram
que o destino depende da maneira como o entendemos. In VIANNA FILHO, Oduvaldo. Op. cit. p. 164.

[6] É uma sensação que não queremos transgredir
inclusive, porque achamos que só nesse estado
desavisado, descontraído, blandicioso
poderemos deixar alguns talantes em sua alma
que sirvam para medir os tamanhos reais da vida
Esperamos que essa doce sensação de gratuidade
à saída do teatro, amanhã nas ruas, as coisas corriqueiras
ganhem outro significado para os senhores
apareçam fora dos seus gestos habituais. In VIANNA FILHO, Oduvaldo. Loc. cit.

[7] Se isso acontecer, se de alguma forma tivermos aberto a
sua segurança
para sentir que as definitivas formas da vida são transitórias
formas que nós criamos. In VIANNA FILHO, Oduvaldo. Loc. cit.

[8] De qualquer forma, não pretendemos inquietá-lo
aqui é um lugar de repouso e contemplação
Não queremos a sua participação
os únicos profissionais neste teatro estão no palco
Talvez à saída do teatro, amanhã nas ruas,
a sua participação possa se tornar mais firme, mais dominada,
mais imperiosa. In VIANNA FILHO, Oduvaldo. Loc. cit.

[9] viemos para compreender
obstinados procuradores da compreensão
a compreensão parece que é uma forma de debilitamento
da ação
um enfraquecedor da luta
ao contrário, achamos que é o seu deflagrador. In VIANNA FILHO, Oduvaldo. p. 165.

[10] nosso objetivo é a gratuidade
a gratuidade é a máxima aspiração do homem
a gratuidade não é a ignorância da realidade
é o seu controle. In VIANNA FILHO, Oduvaldo. p. 166.

[11] o voo do pássaro não refuta a lei da gravidade, confirma-a
não queremos a sua energia física
queremos a energia psíquica
esperamos que ela corcoveie dentro de você.
enlambuzem-se aí por dentro os seus sentimentos de mundo
e os desse espetáculo
que briguem, odeiem, encontrem-se e se repilam. In VIANNA FILHO, Oduvaldo. Loc. cit.

[12] não queremos portanto exortá-lo
a deixar de ser como é
queremos provar que você tem que ser como é
que a sua psicologia não é a sua escolha,
é o seu destino, é o seu fardo,
a sua raiz. In VIANNA FILHO, Oduvaldo. p. 167.

[13] estamos aqui para nos contemplar a nós mesmos
alegre e ferozmente
porque temos certeza que o homem é o único ser capaz de
suportar a sua divisão
interior
e desfazer-se do homem dentro de si que não o deixa ser
humano. In VIANNA FILHO, Oduvaldo. Loc. cit.





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Confira:

de Maria Sílvia Betti (organizadora da edição de Rasga Coração)

Dramaturgia Comparada Estados Unidos / Brasil: Três estudos
Autora: Maria Sílvia Betti
Editora: Cia. Fagulha
ISBN 13:       978-85-68844-03-8
Páginas:       360




Dramaturgia Comparada Estados Unidos / Brasil: Três estudos – Maria Sílvia Betti





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O desafio - 1965

O desafio  - 1965   O desafio -1965   Filme discutido no Módulo II do curso - ODUVALDO VIANNA FILHO: teatro, política, cinema e música...

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