A respeito de Ensaios sobre Brecht, de Walter Benjamin. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho


A respeito de Ensaios sobre Brecht, de Walter Benjamin.
Por Agenor Bevilacqua Sobrinho [1]

Orcid: orcid.org/0000-0003-4528-8776.

Publicado originalmente na Revista:

Dramaturgia em foco, Petrolina-PE, v. 2, n. 2, p. 151-156, 2018. 



FORMA DE CITAÇÃO:

BEVILACQUA SOBRINHO, Agenor. A respeito de Ensaios sobre Brecht, de Walter Benjamin. Dramaturgia em foco, América do Norte, 2, dec. 2018. ISSN – 2594-7796. Disponível em: <https://www.periodicos.univasf.edu.br/index.php/dramaturgiaemfoco/article/view/410/291>. Acesso em: dia mês. ano.



Convite excelente para o exercício da dialética e
das reflexões necessárias para a transformação da realidade.


A respeito de Ensaios sobre Brecht, de Walter Benjamin.
Por Agenor Bevilacqua Sobrinho.

Há 125 anos do nascimento do filósofo Walter Benjamin [1892-1940], a edição do livro Ensaios sobre Brecht, contendo a primeira versão integral em português de seus escritos conhecidos [1930-1939] a respeito do escritor, dramaturgo e poeta Bertolt Brecht [1898-1956], é uma excelente iniciativa editorial da Boitempo, cuja parceria com o Goethe-Institut (tradução de Claudia Abeling) possibilita aos interessados na obra brechtiana o acesso a reflexões que iluminam a compreensão de nosso presente histórico brasileiro de Estado de Exceção.
Provavelmente, Brecht gostaria muito que sua obra cênica perdesse a vigência. Todavia, compreendendo que a superação do capitalismo é um trabalho de largo fôlego histórico, procurou conhecer profundamente as engrenagens capitalistas e suas principais características, dotando sua obra poética, ensaística e teatral de densidades múltiplas para suportar com vigor as transformações operadas em contextos e momentos distintos.
Em “O que é o teatro épico? Um estudo sobre Brecht” (1ª versão, 1931; 2ª versão, 1939), Benjamin reflete sobre a questão do teatro de sua época e, citando Brecht, examina como o teatro épico representa uma tentativa de libertar o aparato cênico do controle que exerce sobre músicos, autores e críticos. O objetivo é devolver a estes produtores a posse do aparato e, consequentemente, sua modificação nas diversas relações entre palco e público. Assim, a peça didática e o teatro épico são uma tentativa de ocupar essa tribuna [o palco].
Benjamin menciona o despreparo da crítica de seu tempo para abordar a mudança proposta e seus desdobramentos. Entretanto, em muitos casos, perdura até hoje a inadaptabilidade e a idiossincrasia de “especialistas” insatisfeitos por não serem requeridos em um processo no qual o público ativo tomaria para si a cadeira antes cativa reservada para aqueles.
O teatro épico revela situações por meio da interrupção de processos. Para isso, lança mão de técnicas de distanciamento. Entendendo que o ser humano não se exaure com facilidade, abrigando e ocultando dentro de si muitas possibilidades, de onde vem sua capacidade de desenvolvimento, as contradições são expostas para livre exame do público.
Estudos para a teoria do teatro épico” mostra ser este teatro gestual. O teatro épico toma seus gestus da realidade atual. Ações e afirmações das pessoas estão mais sujeitas à falsificação do que o gesto. Quanto mais interrompemos alguém em sua ação, mais gestos obtemos. Entre outras, a função do texto no teatro épico, em determinados casos, é interromper a ação.
Relação dialética entre conhecimento e educação no teatro épico: o conhecimento alcançado tem efeito educativo imediato; ao mesmo tempo, o efeito educativo do teatro épico se transforma em conhecimento para o ator e o público.
“Trecho de ‘comentário sobre Brecht’” constata que “entre todos os autores alemães, ele [Brecht] é o único que se pergunta onde empregar o seu talento e o único que só o emprega se estiver convencido da necessidade de fazê-lo, abstendo-se sempre que a ocasião não o exija”.
Nota que as palavras são percebidas; depois, compreendidas. “Seu primeiro efeito é pedagógico; em seguida, político; bem por último, poético.” Portanto, a prerrogativa é sobre a educação, o processo de ensino-aprendizagem.
“Um drama familiar no teatro épico” pergunta: qual é a função social da família e a relação entre seus membros? A mãe produz a descendência. Essa função social pode tornar-se revolucionária? Benjamin faz uma análise perspicaz de A mãe, agitprop de Brecht baseado na peça homônima de Máximo Gorki. A exploração da mulher e a dupla jornada, as relações entre as carências domésticas e o sistema econômico que as produz, o questionamento e a modificação de papéis tradicionalmente atribuídos à mulher.
Benjamin adverte para não se perder tempo com relações entre forma e conteúdo, por não serem dialéticas. Oposição dialética há entre teoria e prática.
“O país em que o proletariado não pode ser mencionado” relata as dificuldades impostas pela perseguição e censura (que insiste em 2017, 18, 19... em revisitar-nos pelas mãos de juízes-padres-pastores). Teatro da emigração: palco e dramaturgia. A propósito de Terror e miséria do Terceiro Reich, de Brecht, Benjamin mostra a precisão das cenas curtas e de que modo o distanciamento contribuiria para a exposição analítica das situações do cotidiano enfrentadas no período nazista.
Fenômenos das décadas de 1930 [e de 1940] são reproduzidos com nuances em pleno século XXI. No mundo, o pensamento único neoliberal repõe a necessidade de deslocamentos colossais de populações que se arriscam para fugir da precariedade absoluta de condições locais devastadas em direção a supostos “idílicos” espaços de abundância nos países centrais, que os rejeitam e criam estigmas diversos para afastar/eliminar os visitantes indesejáveis.
“Comentários sobre poema de Brecht” faz a distinção entre comentário e crítica e traz exemplos das abordagens interpretativas refinadas de Benjamin, ensejando exercícios de tentativas do(a) leitor(a) para explorar as possibilidades da rica veia poética de Brecht.
Em “Sobre ‘Guia para o habitante das cidades’”, por exemplo, Benjamin observa ser Brecht “o primeiro poeta lírico importante que tem algo a dizer do homem urbano”. Acrescenta que aquele que luta pela classe explorada é um emigrante em seu próprio país. O Guia oferece lições na clandestinidade e na emigração. O comentário pretende iluminar conteúdos políticos em partes puramente líricas.
Segundo Benjamin, o “Romance dos três vinténs, de Brecht”, dá a oportunidade de comparar a evolução do romance policial: “Brecht observa que Dostoiévski estava interessado na psicologia; ele revelava a parte criminosa intrínseca ao ser humano. Brecht se interessa por política; ele revela a parte criminosa intrínseca ao negócio.” Entendemos que este deslocamento da perspectiva permite compreender a complexidade e os desdobramentos de fenômenos socioeconômicos, evitando limitações e caricaturas psicologizantes.
Em “O autor como produtor”, a preocupação está em investigar e incentivar na atividade intelectual o que é útil aos trabalhadores na luta de classes. O lugar do intelectual na luta de classes só pode ser escolhido por sua posição no processo produtivo.
De acordo com Benjamin, Brecht foi o primeiro a dirigir aos intelectuais a exigência abrangente de não abastecer o aparelho de produção sem simultaneamente, na medida do possível, o modificar no sentido do socialismo.
Brecht criou o conceito de “mudança de função” (Umfunktionierung). Refuncionalizar para a transformação de formas e instrumentos de produção no sentido de uma inteligência mais progressista, ou seja, interessada na libertação dos meios de produção e atuante na luta de classes.
Daí decorre averiguar e implementar as sugestões de mudanças de função do romance, do drama, do poema etc.
Em “Conversas com Brecht. Anotações de Svendborg”, apontamentos de diálogos esclarecedores entre os dois amigos alemães no exílio dinamarquês de Brecht, em forma de diário, sobre o “autor como produtor”, Kafka, a crítica ao personalismo na Rússia e do regime dirigido por Stálin, as desavenças com Lukács, a leitura de As afinidades eletivas, de Goethe; da esperança de superar o fascismo etc.
Sem que paire dúvidas sobre a postura quanto ao stalinismo, as anotações, datadas de agosto de 1939, registram a análise de Brecht sem meias-palavras: Existe na Rússia uma ditadura sobre o proletariado.
O “Posfácio da edição alemã”, de Rolf Tiedemann (da 1ª edição de Versuche über Brecht, de 1966), é incluído também nesta edição.
Com o adorno da arrogância, Rolf Tiedemann tripudia das posições marxistas de Benjamin e Brecht, tidas como encobertas por uma camada de pátina, ou seja, envelhecidas. Considera um amontoado inatual e, como coveiro, se oferece para o serviço de sepultar o que considera perecimento da perspectiva defendida pelos marxistas Benjamin e Brecht
Ironicamente, nos dias de hoje, a ascensão de movimentos fascistas ao redor do mundo e a prática remodelada de antigos golpes de Estado demonstram que a História não acabou e a hiperconcentração da renda nas mãos de 1% da população são dados que prenunciam não o fim, mas o recrudescimento da luta de classes.
Tiedemann afirma que Benjamin, por ser acrítico, não é confiável a Brecht. Do mesmo modo, poderíamos repetir o jogo de palavras e dizer que Tiedemann também não merecia confiança de Adorno, por iguais razões.
Há, ainda, dois outros textos findando o livro. Em “Aspectos da representação brechtiana”, Sérgio de Carvalho observa pontos de vista da representação brechtiana e assinala algumas de suas influências históricas. Alude sobre a importância do distanciamento como pré-requisito à compreensão crítica e aduz que, dos modos de representação do autor, a representação crítica é a que procura evidenciar as relações entre os homens.
Por sua vez, “Brecht/Brasil/1997 (Vinte anos depois)”, de José Antonio Pasta, repõe a questão da atualidade de Brecht e nota que a mesma está instalada no núcleo da obra brechtiana. Ressalta, inicialmente, a constante campanha de difamação sofrida pelo autor alemão, e refere-se concretamente ao desonesto livro de John Fuegi (1994).
Identifica uma dificuldade do leitor brasileiro (em função da moda da “metalinguagem” e de seus estragos; e o vezo de sideração do receptor) em reconhecer e valorizar a radicalidade autocrítica de Brecht. Esse “pânico insuperável da alteridade”, “base equívoca tanto das suspeitas doçuras quanto do entranhado fascismo nacional”, portanto, contrastando com Brecht que “faz da liberdade do receptor seu critério de excelência”.
Daí a insistência em encenações em nossos palcos do Brecht “apocalíptico”, da juventude, raramente alcançando suas qualidades; as peças da maturidade, em geral, sofrem uma erosão de seu caráter racionalista.
O autoquestionamento e a perspectiva “clássica”, voltada para a duração, pode ser vista também como efeito de distanciamento.
Como Brecht entende que o combate contra o capitalismo é de longo prazo, conferir longa duração às obras é dotá-las de alento tanto para as lutas imediatas quanto as vindouras.
Em Brecht, a autonomia da obra de arte é apenas um de seus recursos, por isso não há porque sacralizá-la. Seu interesse reside no valor crítico diante da alienação e da heteronomia. Daí a discrepância nas cobranças ferozes de “atualidade” de obras engajadas; enquanto nas ditas “autônomas”, gentilmente dispensadas das mesmas exigências, permite-se que vivam apartadas do mundo.
Como o capitalismo ainda se apresenta a muitos como ente fantasmagórico, é mister compreender que a vitalidade da obra de Brecht é decorrente de sua eficácia crítica, de teor anticapitalista. A vilipendiada dialética é a via de acesso ao real e a possibilidade de um mundo outro, no qual superemos a alienação e as heteronomias.
A presente edição ainda oferece uma cronologia dupla de W. B. e B., que mostra alguns dos percursos de ambos em contextos complexos e decisivos.
Por outro lado, entendemos que a bibliografia recomendada sobre estudos brasileiros e repercussões de Brecht e do teatro épico no país é autocentrada e circular em relação aos colaboradores.
De todo modo, a edição dos Ensaios sobre Brecht é convite excelente para o exercício da dialética e das reflexões necessárias para a transformação da realidade.


Referência

BENJAMIN, Walter. Ensaios sobre Brecht. Tradução Claudia Abeling. São Paulo: Boitempo, 2017. (Coleção: Marxismo e literatura).



[1] Agenor Bevilacqua Sobrinho é doutor em Artes Cênicas pelo CAC/ECA-USP e Mestre em Artes pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (IA-UNESP). É pesquisador do Grupo de Pesquisa Estudos histórico-críticos e dialéticos de teatro estadunidense e brasileiro (CNPq). Editor, dramaturgo e escritor, é autor de Atualidade/utilidade do trabalho de Brecht. Uma abordagem a partir do estudo de quatro personagens femininas, A Lente, A Guerra de Yuan, O Rato Pensador (todos pela Editora Cia. Fagulhawww.ciafagulha.com.br) e de vários artigos publicados em revistas especializadas. 
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Conheça também:



Atualidade/utilidade do trabalho de Brecht [Uma abordagem a partir do estudo de quatro personagens femininas.]
Autor: Agenor Bevilacqua Sobrinho
Editora: Cia. Fagulha
ISBN 13:       978-85-68844-01-4
Páginas:       408


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Aos que vão nascer. Bertolt Brecht


Aos que vão nascer. Bertolt Brecht



Publicado anteriormente em:



Brecht: dramaturgo e escritor alemão: 1898-1956.



Aos que vão nascer. Bertolt Brecht


I

Realmente, eu vivo num tempo sombrio.
A inocente palavra é um despropósito. Uma fronte sem ruga
denota insensibilidade. Quem está rindo
é só porque não recebeu ainda
a notícia terrível.

Que tempo é este em que
uma conversa sobre árvores chega a ser falta,
pois implica em silenciar sobre tantos crimes?
Esse que vai cruzando a rua, calmamente,
então já não está ao alcance dos amigos
necessitados?

É verdade: ainda ganho o meu sustento.
Porém, acreditai-me: é puro acaso. Nada
do que faço me dá direito a isso, de comer a fartar-me.
Por acaso me poupam. (Se minha sorte acaba,
estou perdido.)

Dizem-me: — Vai comendo e vai bebendo! Alegra-te com o que tens!
Mas como hei de comer e beber, se
O que eu como é tirado a quem tem fome, e
meu copo água falta a quem tem sede?
contudo eu como e bebo.

Eu gostaria bem de ser um sábio.
Nos velhos livros consta o que é sabedoria:
manter-se longe das lidas do mundo e o tempo breve
deixar correr sem medo.
Também saber passar sem violência,
pagar o mal com o bem,
os próprios desejos não realizar e sim esquecer,
conta-se como sabedoria.
Não posso nada disso:
realmente, eu vivo num tempo sombrio!

II

As cidades cheguei em tempo de desordem,
com a fome imperando.
Junto aos homens cheguei em tempo de tumulto
e me rebelei com eles.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.

Minha comida mastiguei entre refregas.
Para dormir deitei-me entre assassinos.
O amor eu exercia sem cuidado
e olhava sem paciência a natureza.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.

As ruas do meu tempo iam dar no atoleiro.
A fala denunciava-me ao carrasco.
Bem pouco podia eu, mas os mandões
sem mim sentiam-se mais garantidos, eu esperava.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.

Minguadas eram as forças. E a meta
ficava a grande distância;
claramente visível, conquanto para mim
difícil de alcançar.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.

III

Vós, que vireis na crista da maré
em que nos afogamos,
pensai,
quando falardes em nossas fraquezas,
também no tempo sombrio
a que escapastes.

Vínhamos nós então mudando de país mais do que de sapatos,
em meio às lutas de classes, desesperados,
enquanto apenas injustiça havia e revolta nenhuma.

E entretanto sabíamos:
também o ódio à baixeza
endurece as feições,
também a raiva contra a injustiça
torna mais rouca a voz. Ah, e nós,
que pretendíamos preparar o terreno para a amizade,
nem bons amigos nós mesmos pudemos ser.
Mas vós, quando chegar a ocasião
de ser o homem um parceiro para o homem,
pensai em nós
com simpatia.

Bertolt Brecht
Tradução de Geir Campos



An die Nachgeborenen

I

Wirklich, ich lebe in finsteren Zeiten!
Das arglose Wort ist töricht. Eine glatte Stirn
Deutet auf Unempfindlichkeit hin. Der Lachende
Hat die furchtbare Nachricht
Nur noch nicht empfangen.

Was sind das für Zeiten, wo
Ein Gespräch über Bäume fast ein Verbrechen ist
Weil es ein Schweigen über so viele Untaten einschließt!
Der dort ruhig über die Straße geht
Ist wohl nicht mehr erreichbar für seine Freunde
Die in Not sind?

Es ist wahr: ich verdiene noch meinen Unterhalt
Aber glaubt mir: das ist nur ein Zufall. Nichts
Von dem, was ich tue, berechtigt mich dazu, mich sattzuessen.
Zufällig bin ich verschont. (Wenn mein Glück aussetzt, bin ich verloren.)

Man sagt mir: Iß und trink du! Sei froh, daß du hast!
Aber wie kann ich essen und trinken, wenn
Ich den Hungernden entreiße, was ich esse, und
Mein Glas Wasser einem Verdurstenden fehlt?
Und doch esse und trinke ich.

Ich wäre gerne auch weise.
In den alten Büchern steht, was weise ist:
Sich aus dem Streit der Welt halten und die kurze Zeit
Ohne Furcht verbringen
Auch ohne Gewalt auskommen
Böses mit Gutem vergelten
Seine Wünsche nicht erfüllen, sondern vergessen
Gilt für weise.
Alles das kann ich nicht:
Wirklich, ich lebe in finsteren Zeiten!

II

In die Städte kam ich zur Zeit der Unordnung
Als da Hunger herrschte.
Unter die Menschen kam ich zur Zeit des Aufruhrs
Und ich empörte mich mit ihnen.
So verging meine Zeit
Die auf Erden mir gegeben war.

Mein Essen aß ich zwischen den Schlachten
Schlafen legte ich mich unter die Mörder
Der Liebe pflegte ich achtlos
Und die Natur sah ich ohne Geduld.
So verging meine Zeit
Die auf Erden mir gegeben war.

Die Straßen führten in den Sumpf zu meiner Zeit.
Die Sprache verriet mich dem Schlächter.
Ich vermochte nur wenig. Aber die Herrschenden
Saßen ohne mich sicherer, das hoffte ich.
So verging meine Zeit
Die auf Erden mir gegeben war.

Die Kräfte waren gering. Das Ziel
Lag in großer Ferne
Es war deutlich sichtbar, wenn auch für mich
Kaum zu erreichen.
So verging meine Zeit
Die auf Erden mir gegeben war.

III

Ihr, die ihr auftauchen werdet aus der Flut
In der wir untergegangen sind
Gedenkt
Wenn ihr von unseren Schwächen sprecht
Auch der finsteren Zeit
Der ihr entronnen seid.
Gingen wir doch, öfter als die Schuhe die Länder wechselnd
Durch die Kriege der Klassen, verzweifelt
Wenn da nun Unrecht war und keine Empörung.

Dabei wissen wir doch:
Auch der Haß gegen das Unrecht
Macht die Stimme heiser. Ach, wir
Die wir den Boden bereiten wollten für Freundlichkeit
Konnten selber nicht freundlich sein.

Ihr aber, wenn es so weit sein wird
Daß der Mensch dem Menschen ein Helfer ist
Gedenkt unsrer
Mit Nachsicht.


Bertolt Brecht


 
BRECHT, Bertolt. Poemas e canções. Tradução de Geir Campos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.


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Atualidade/utilidade do trabalho de Brecht [Uma abordagem a partir do estudo de quatro personagens femininas.]
Autor: Agenor Bevilacqua Sobrinho
Editora: Cia. Fagulha
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Dois aspectos da atualidade de Rasga coração. Por Maria Sílvia Betti


Dois aspectos da atualidade de Rasga coração. Por Maria Sílvia Betti [1]

Especial para o Blog da Cia. Fagulha


Trabalhadores do teatro:
Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, autor de Rasga coração, e seu pai, Oduvaldo Vianna.



Síntese

Ao colocar em foco as aspirações e os enfrentamentos políticos e afetivos de três gerações de uma família de pequena classe média urbana do Rio de Janeiro, Rasga coração traz à pauta os primeiros setenta anos da vida histórica e política do país no século XX.
Dentro desse escopo temporal, valores e padrões de vida e pensamento considerados inovadores no presente dramático parecem desmentir e superar os das gerações e épocas que os precederam. Presente e passado entrecruzam-se nos planos elípticos dos tempos representados e deixam entrever repetições perturbadoras. O novo nem sempre é revolucionário, e o revolucionário nem sempre é novo, escreve o autor, Oduvaldo Vianna Filho, no prefácio do texto.
Essa observação, tomada por ele como mote da peça, tem um papel sem dúvida desafiador, já que Rasga coração foi escrita em plena vigência de um governo ditatorial e sob a égide da censura prévia de todos os meios de comunicação. Antigos ou do passado eram, no momento de finalização do texto, os grandes momentos de luta política travados por diferentes setores da esquerda em organizações militantes. Também do passado eram as experiências que a ditadura sufocara, de construção do grande projeto épico e popular de cultura do CPC, e de mobilização de centenas de produtores culturais e artísticos cujo trabalho se ligava estreitamente às classes trabalhadoras urbanas e rurais. Novos e do presente, por outro lado, era a expansão nascente de uma rede televisiva de alcance nacional e de uma indústria cultural por meio da qual tinham passado a circular elementos da contracultura estadunidense já devidamente aclimatados ao âmbito da cultura de consumo. Rasga coração constrói uma síntese de todas as forças históricas e políticas que compõem esse amplo painel épico da vida do país.
Ler e discutir essa peça derradeira de Vianna nos tempos em que vivemos foi se tornando, ao longo do tempo, uma tarefa cada vez mais desafiadora: além de tratar de questões históricas e de lutas políticas de épocas precedentes, a peça tem uma estrutura dramatúrgica nada fácil e nada óbvia, e encontra-se atualmente na contramão dos interesses e percepções dominantes nas áreas da cultura institucionalizada.
Vivemos em tempos de estéticas fragmentadas e fragmentadoras da percepção. Vivemos cercados por estímulos descontínuos, e por fluxos midiáticos intensos e fugazes. É sintomático, neste contexto em que estamos, que desde 1974, quando Rasga coração foi concluída, e de 1979, quando estreou após sua tardia liberação, não tenhamos voltado a ter outro trabalho teatral que, munido das ferramentas da dramaturgia, realizasse ou mesmo esboçasse uma tentativa de síntese das questões políticas do país a partir de sua materialidade histórica.
Mais sintomático ainda é constatarmos que Rasga coração, que traz à pauta questões ainda não plenamente debatidas e compreendidas da vida política do país no século XX, tem sido recorrentemente preterida ou mesmo suprimida nas pautas de estudo formativo dentro e fora das escolas de teatro. Por quê? Talvez por se tratar de um trabalho que empreende uma abordagem histórica ampla e totalizante. Talvez por não ter optado por alegorizações cênicas de formulações teóricas pós-modernas ou pós-dramáticas. Talvez por ter preferido figurar a materialidade miúda da luta pela sobrevivência e pela militância anônima e clandestina.
Paradoxalmente esses são, precisamente, os aspectos que se ligam à sua singularidade e ao papel que, diante de tantos desafios, a peça foi enfrentando ao longo do tempo. O que se pode dizer é que, apesar de tantos aspectos adversos, a potência estética e dialética de Rasga coração continua a pulsar intensamente na consciência de todos os que pensam o país sob o prisma da classe trabalhadora e de sua história de lutas.

Força política da palavra poética

Rasga coração toca num ponto nevrálgico para as questões políticas, abordadas pelo prisma do convívio intrafamiliar e intergeracional de seus personagens: há revolução latente e pulsante na sobrevivência sofrida e no cotidiano entrecortado de desejos do protagonista, e também no de milhares de outras criaturas no solo histórico do país. Há aprendizado latente na labuta cotidiana de centenas e centenas de vidas militantes, análogas às das personagens da peça, que se organizam para ações agora talvez irreconhecíveis como expedientes de luta para as gerações nascidas na contemporaneidade pós-moderna que nos cerca. Nesta, a mobilização para a luta liga-se estreitamente às agendas propagadas no âmbito midiático, em que tudo se organiza como produto e se volatiliza de forma contínua.
A peça de Oduvaldo Vianna Filho trata a palavra poética como elemento potente e decisivo para figurar tanto a experiência histórica como a mobilização politizadora desejosa de transformação:


Como é que um pai que se preza pede a um filho que se proteja, se cuide, se poupe, que não lute, se despedace cicatrizes, gilvazes fraturas punhaladas rasga o coração na ponta de todas as dores filho meu, “tu choraste em presença da morte? na presença de estranhos choraste? não descende o cobarde do forte: pois choraste, meu filho não és!” Luta menino te quero aleijado, marcado a fogo mergulhado, em batalha que a vida bate e brilha no fundo das lutas... (Senta à mesa, escreve) ...olha uma sugestão de plano de batalha...


As palavras de Manguari no trecho acima fazem eco à constituição poética do país por meio do imaginário romântico de Gonçalves Dias.


...sou lutador, Nena, venho das desistências, paixões caladas, deboche, solidão, isolamento, fome, cadeia, fui fabricado na miséria humana, Nena... sou de boa cepa... sou um vencedor... tenho fé no fundo do poço...


A empenhada conclamação do filho Luca à militância política passa pelo uso envolvente da palavra como elemento de construção de uma consciência de luta:

...brigar, moço, brigar, é o sal da terra, teu pai é o Manguari Pistolão.


O tecido histórico de que se compõe Rasga coração é constituído, paralelamente, por material linguístico proveniente de diferentes matrizes sociais: gírias portuárias, expressões ligadas ao baixo meretrício no início do século, material publicitário veiculado em bondes, palavras de ordem de diferentes momentos políticos, e expressões de enfrentamentos sucessivos nas lutas militantes abordadas. A historicização das ações representadas apoia-se, em grande parte, no tratamento dado a esse grande acervo sonoro e linguístico registrado pelo autor e pela jornalista Maria Célia Teixeira na pesquisa de base que realizaram. O uso que lhe é dado no texto caracteriza-se como expediente épico de grande força sugestiva.
Nos tempos atuais, compilações de termos e expressões de épocas diversas tendem a ser agilizadas pela internet ao mesmo tempo em que as percepções sobre seus contextos históricos diversos tendem a se tornar difusas e descontínuas. Rasga coração não perde de vista, em nenhum momento, a ligação que todo o cabedal léxico pesquisado possui com os processos sociais e políticos que lhe deram voz. Isso dá à peça uma qualidade ainda não superada de empenho artístico, poético e político de construção. Trata-se, sem dúvida, de mais um elemento que configura a sua atualidade.
Em tempos como os nosso, de deshistoricização acelerada, Rasga coração utiliza a palavra como elemento capaz de construir sentidos, e de expressar consciências. Um uso sem dúvida corajoso e oportuno, constituído na contramão das vogas estéticas e teóricas dominantes.




[1] Maria Sílvia Betti é Professora Livre Docente do Departamento de Letras Modernas da FFLCH-USP, Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês. Orienta também no Departamento de Artes Cênicas da ECA-USP.

Livros:

Autora de Dramaturgia Comparada Estados Unidos/Brasil. Três estudos (Cia. Fagulha, 2017), e Oduvaldo Vianna Filho (EDUSP/FAPESP, 1997).

Tradutora de O método Brecht, de Fredric Jameson (Vozes, 1998), depois relançado em edição revista com o título Brecht e a questão do método (Cosac & Naifiy), 2013.

Organizadora, prefaciadora e autora dos textos de apresentação de Rasga Coração (Temporal, 2018) e Papa Highirte (Temporal, 2019), ambos de Oduvaldo Vianna Filho.

Organizadora e prefaciadora de Patriotas e traidores. Escritos anti-imperialistas de Mark Twain (Fundação Perseu Abramo, 2003), O Povo do Abismo. Fome e miséria no coração do Império Britânico, de Jack London (Fundação Perseu Abramo, 2004).

Prefaciadora de Mr. Paradise e outras peças em um ato (´É Realizações, 2011) e 27 Carros de algodão e outras peças em um ato (É Realizações, 2013) ambos de Tennessee Williams. 


Artigos recentes:

Onze livros para o conhecimento do teatro estadunidense no Brasil. (In Blog da Cia. Fagulha). Disponível em: <https://blogdaciafagulha.blogspot.com/2019/02/onze-livros-para-o-conhecimento-do.html>.

Papa Highirte, de Oduvaldo Vianna Filho: apontamentos de análise dramatúrgica (In Blog da Cia. Fagulha). Disponível em: <https://blogdaciafagulha.blogspot.com/2019/01/papa-highirte-de-oduvaldo-vianna-filho.html>.

"The Piscator Notebook", de Judith Malina: apontamentos de análise sobre o registro de um processo formativo. (In Blog da Cia. Fagulha). Disponível em: <https://blogdaciafagulha.blogspot.com/2019/02/the-piscator-notebook-de-judith-malina.html>.

Ingrid, Brueghel e o Teatro de figuras alegóricas (in Ingrid Koudela: o Teatro como alegoria.Org. Igor Almeida, SESC, 2018).





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SERVIÇO:


Conheça:

de Maria Sílvia Betti (organizadora da coleção Oduvaldo Vianna Filho pela Editora Temporal)

Dramaturgia Comparada Estados Unidos / Brasil: Três estudos
Autora: Maria Sílvia Betti
Editora: Cia. Fagulha
ISBN 13:       978-85-68844-03-8
Páginas:       360



Dramaturgia Comparada Estados Unidos / Brasil: Três estudos – Maria Sílvia Betti











Tel.: (011) 3492-3797


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