Distorções produtivistas na
universidade. Por Maria Sílvia Betti e Eduardo Campos Lima
No Ensino Superior, a avaliação da pesquisa e
do trabalho docente com base em indicadores numéricos de produtividade tem
acarretado uma sensível perda de concernimento com o papel social,
investigativo e formativo da pesquisa e do ensino. No campo das ciências
humanas, pouca ou nenhuma atenção tem sido dedicada às condições materiais e
sociais em que o trabalho docente se desenvolve nas universidades brasileiras,
quer públicas ou privadas. A construção processual do conhecimento e sua
efetiva socialização tem sido preteridos na procura cada vez mais generalizada
de resultados (ou seja, publicações e eventos) gerados por meio de produtos (ou
seja, artigos, capítulos, livros e trabalhos acadêmicos orientados) postos em
circulação, preferencialmente, em veículos dotados de excelência (ou seja,
dotados de um reconhecimento de qualidade em âmbito não só nacional como
também, sempre que possível, internacional). A expressividade numérica da
produção quantificada é já, de longa data, a meta prioritária das universidades
com vistas a resultados que assegurem uma captação de recursos significativa,
uma vez que é a lógica da quantidade que pauta a distribuição de recursos pelas
agências de fomento à pesquisa. Os indicadores implantados para a aferição da
produtividade acadêmica tornaram-se os norteadores reais da pesquisa e da
própria configuração de currículos e programas. Implantou-se com isso uma noção
de excelência que tornou naturais e amplamente aceitas as categorias da
visibilidade e da produtividade, e estas se tornaram as diretrizes para o
desenvolvimento e a formatação de projetos.
Esse modo de produção acelerou sobremaneira a
burocratização da pesquisa em todos os âmbitos, desde a iniciação científica
até os programas de pós-doutorado. A competição pelos recursos dos órgãos de
subsídio inflou o número de publicações acadêmicas, pois a publicação passou a
ser, em si, o objetivo. Publicar ou perecer, norma de sobrevivência
institucional já há muitas e muitas décadas implantada e vigente no contexto
das universidades dos Estados Unidos, passou a vigorar de forma análoga no
contexto das universidades brasileiras. O aumento da produtividade passou a ser
entendido como aumento do conhecimento, muito embora este não tenha,
necessariamente, sido levado em consideração. O grau de acolhimento dessas
coordenadas é considerável, em decorrência do impacto que exercem os critérios
adotados pelos órgãos de avaliação e de subsídios e da enorme pressão
institucional sofrida pelas universidades e por seus gestores e docentes.
Apesar disso, esse acolhimento está longe de
ser unânime e inconteste. De diferentes formas e por diferentes meios, análises
e estudos elaborados em diferentes regiões do país e em diferentes campos do
saber e instituições de ensino superior tem sido compartilhados de forma a
concretamente documentar e denunciar a erosão do papel formativo e social da
pesquisa nas universidades, a burocratização e a precarização das funções
docentes, a elitização dos critérios para ingresso nos programas de pós e as condições
cada vez mais adversas à reflexão e aos processos de pesquisa continuados.
Tem-se apontado o hiato cada vez cada vez maior que se apresenta, na área de
humanas, entre a pesquisa e o ensino de graduação e entre este e as questões
materiais e concretas do país. Tem-se apontado, também, a forma como a
graduação tem sido tomada como instância “menos complexa” e, portanto,
supostamente “menor” de atuação, e como iniciativas de visada internacional ou
internacionalizante tem merecido cada vez mais apreço por parte das instâncias
avaliadoras.
Estudos devidamente fundamentados quanto à
metodologia e critérios de análise tem se dedicado a colocar sob foco crítico a
proliferação desenfreada de “papers”, o crescente exaurimento das condições
psíquicas dos docentes na corrida contra o tempo pela pontuação, a competição
intra e interinstitucional como fator de esvaziamento do debate, e a lógica de
funcionamento desse sistema, referenciado em si próprio e portanto equipado
para perpetuar-se.
Apesar desse contexto de produtivismo
acadêmico, o então presidente da Capes, Jorge Almeida Guimarães, disse não
haver motivos para queixas em relação aos métodos de avaliação da Capes,
especialmente o Qualis – que classifica veículos utilizados por programas de
pós-graduação para divulgar sua produção –, em reportagem sobre periódicos de
idoneidade discutível publicada em caderno especial sobre Pós-Graduação nesta
Folha, em 25 de janeiro (“Pagou, publicou”). A matéria inclui afirmação de
Guimarães de que a média de publicações dos 350 mil docentes do Brasil em
periódicos indexados é de 0,1 por ano por professor, deixando subentendido que
há improdutividade no setor. A declaração só pode ser entendida como parte de
um projeto efetivo e já em andamento, direcionado à perpetuação de um modelo
que desde o início tem mostrado seus desacertos.
[1] "The State, Business and Education": How rapacious
corporations are dismantling public education grobally. By Erika Zimmer. Disponível em: <https://wsws.org/en/articles/2019/02/16/edub-f16.html>.
Acesso em: 05 mar. 2019.
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estudos – Maria Sílvia Betti
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