Distorções produtivistas na universidade. Por Maria Sílvia Betti e Eduardo Campos Lima


Distorções produtivistas na universidade. Por Maria Sílvia Betti e Eduardo Campos Lima



Publicar ou perecer.
Se antes o produtivismo imperava como mecanismo de exploração do trabalho e de atrelamento da pesquisa ao mundo corporativo, na fase atual ele funciona ainda como um dos instrumentos do desmonte do ensino superior, não só no Brasil como nos EUA também [1].

No Ensino Superior, a avaliação da pesquisa e do trabalho docente com base em indicadores numéricos de produtividade tem acarretado uma sensível perda de concernimento com o papel social, investigativo e formativo da pesquisa e do ensino. No campo das ciências humanas, pouca ou nenhuma atenção tem sido dedicada às condições materiais e sociais em que o trabalho docente se desenvolve nas universidades brasileiras, quer públicas ou privadas. A construção processual do conhecimento e sua efetiva socialização tem sido preteridos na procura cada vez mais generalizada de resultados (ou seja, publicações e eventos) gerados por meio de produtos (ou seja, artigos, capítulos, livros e trabalhos acadêmicos orientados) postos em circulação, preferencialmente, em veículos dotados de excelência (ou seja, dotados de um reconhecimento de qualidade em âmbito não só nacional como também, sempre que possível, internacional). A expressividade numérica da produção quantificada é já, de longa data, a meta prioritária das universidades com vistas a resultados que assegurem uma captação de recursos significativa, uma vez que é a lógica da quantidade que pauta a distribuição de recursos pelas agências de fomento à pesquisa. Os indicadores implantados para a aferição da produtividade acadêmica tornaram-se os norteadores reais da pesquisa e da própria configuração de currículos e programas. Implantou-se com isso uma noção de excelência que tornou naturais e amplamente aceitas as categorias da visibilidade e da produtividade, e estas se tornaram as diretrizes para o desenvolvimento e a formatação de projetos.
Esse modo de produção acelerou sobremaneira a burocratização da pesquisa em todos os âmbitos, desde a iniciação científica até os programas de pós-doutorado. A competição pelos recursos dos órgãos de subsídio inflou o número de publicações acadêmicas, pois a publicação passou a ser, em si, o objetivo. Publicar ou perecer, norma de sobrevivência institucional já há muitas e muitas décadas implantada e vigente no contexto das universidades dos Estados Unidos, passou a vigorar de forma análoga no contexto das universidades brasileiras. O aumento da produtividade passou a ser entendido como aumento do conhecimento, muito embora este não tenha, necessariamente, sido levado em consideração. O grau de acolhimento dessas coordenadas é considerável, em decorrência do impacto que exercem os critérios adotados pelos órgãos de avaliação e de subsídios e da enorme pressão institucional sofrida pelas universidades e por seus gestores e docentes.
Apesar disso, esse acolhimento está longe de ser unânime e inconteste. De diferentes formas e por diferentes meios, análises e estudos elaborados em diferentes regiões do país e em diferentes campos do saber e instituições de ensino superior tem sido compartilhados de forma a concretamente documentar e denunciar a erosão do papel formativo e social da pesquisa nas universidades, a burocratização e a precarização das funções docentes, a elitização dos critérios para ingresso nos programas de pós e as condições cada vez mais adversas à reflexão e aos processos de pesquisa continuados. Tem-se apontado o hiato cada vez cada vez maior que se apresenta, na área de humanas, entre a pesquisa e o ensino de graduação e entre este e as questões materiais e concretas do país. Tem-se apontado, também, a forma como a graduação tem sido tomada como instância “menos complexa” e, portanto, supostamente “menor” de atuação, e como iniciativas de visada internacional ou internacionalizante tem merecido cada vez mais apreço por parte das instâncias avaliadoras.
Estudos devidamente fundamentados quanto à metodologia e critérios de análise tem se dedicado a colocar sob foco crítico a proliferação desenfreada de “papers”, o crescente exaurimento das condições psíquicas dos docentes na corrida contra o tempo pela pontuação, a competição intra e interinstitucional como fator de esvaziamento do debate, e a lógica de funcionamento desse sistema, referenciado em si próprio e portanto equipado para perpetuar-se.
Apesar desse contexto de produtivismo acadêmico, o então presidente da Capes, Jorge Almeida Guimarães, disse não haver motivos para queixas em relação aos métodos de avaliação da Capes, especialmente o Qualis – que classifica veículos utilizados por programas de pós-graduação para divulgar sua produção –, em reportagem sobre periódicos de idoneidade discutível publicada em caderno especial sobre Pós-Graduação nesta Folha, em 25 de janeiro (“Pagou, publicou”). A matéria inclui afirmação de Guimarães de que a média de publicações dos 350 mil docentes do Brasil em periódicos indexados é de 0,1 por ano por professor, deixando subentendido que há improdutividade no setor. A declaração só pode ser entendida como parte de um projeto efetivo e já em andamento, direcionado à perpetuação de um modelo que desde o início tem mostrado seus desacertos.

[1] "The State, Business and Education": How rapacious corporations are dismantling public education grobally. By Erika Zimmer. Disponível em: <https://wsws.org/en/articles/2019/02/16/edub-f16.html>. Acesso em: 05 mar. 2019.



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SERVIÇO:

Conheça também:

de Maria Sílvia Betti (organizadora da edição de Rasga Coração)

Dramaturgia Comparada Estados Unidos / Brasil: Três estudos
Autora:           Maria Sílvia Betti
Editora:          Cia. Fagulha
ISBN 13:       978-85-68844-03-8
Páginas:        360



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Tel.: (011) 3492-3797


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