A
Europa entra numa montanha russa. Por Flávio Aguiar
Tarifaço de Trump: europeus morderão a isca?
O
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, jogou a Europa numa montanha
russa. Ao dizer isto não estou me referindo ao fato dele propor-se a negociar a
situação da Ucrânia diretamente com Moscou. Refiro-me, isto sim, ao sobe-desce
e aos solavancos em que ele atirou o continente com seu tarifaço da semana
passada e seu recuo parcial na sequência.
Digo
“recuo parcial” porque ele apenas suspendeu a sua aplicação aos países europeus
por noventa dias, ao invés de revogar o tarifaço. Ao mesmo tempo, num primeiro
momento manteve sua aplicação e elevou-o a 145% para a China. Depois recuou de
novo, isentando do tarifaço produtos eletrônicos chineses importados pelas big
techs dos Estados Unidos. Fica a dúvida sobre o porquê deste último recuo: se
foi a pressão das empresas norte-americanas, ou o contra-tarifaço chinês,
taxando em 125% produtos dos Estados Unidos.
A
presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que anunciara a adoção
de tarifas suplementares sobre produtos norte-americanos em retaliação, voltou
atrás, também suspendendo sua aplicação imediata, embora as taxas extras sobre
alumínio, aço e veículos europeus estejam mantidas. Complementando o vaivém,
disse que a Europa está pronta para negociar as medidas com os Estados Unidos,
mas também está pronta para “defender seus interesses”. Ou seja, deu uma no
cravo e outra na ferradura.
No
domingo Maros Sefcovic, membro da Comissão Europeia e o seu encarregado da
pasta de Comércio e Segurança Econômica, seguiu para Washington a fim de tentar
um acordo sobre as tarifas. E von der Leyen acenou com a proposta de reduzir a
zero as tarifas mútuas sobre produtos industrializados.
Por
outro lado, apesar do esforço por parte dos líderes europeus para demonstrarem
unidade, a conjuntura voltou a expor algumas de suas diferenças. Ao invés da
cautela demonstrada por von der Leyen, o ainda vice-chanceler e ministro da
Economia alemão, Roberto Habeck, do Partido Verde, qualificou as medidas de
Trump como “absurdas”. Bernd Lange, presidente do Comitê para o Comércio
Internacional do Parlamento Europeu, qualificou as medidas de “injustas” e
ironizou a declaração de Trump, para quem o tarifaço era o “dia da libertação”
dos Estados Unidos, dizendo que ele era, na verdade, o “dia da inflação” para
os consumidores norte-americanos e europeus.
Um
conceito que pode ajudar a entender o que está acontecendo é o de “estado de
exceção”, estudado pelo filósofo italiano Giorgio Agamben a partir de sua
formulação pelo jurista alemão Carl Schmitt, simpático aos nazistas, nos anos
20 e 30 do século passado.
O
conceito qualifica o comportamento de um governante que chega ao poder
obedecendo as regras de um sistema político, mas a seguir as afronta ou
suspende, mergulhando a sociedade primeiro num estado caótico de anomia e
depois numa situação em que ele dita e aplica novas regras, como fizeram Hitler
e Mussolini.
De
certo modo, é o que Trump está tentando fazer dentro e fora dos Estados Unidos.
O governante do estado de exceção não tem propriamente aliados. Em seu lugar,
acolhe vassalos, que trata bem se lhe obedecem ou agride e descarta se a ele se
opõem.
É
como Trump e sua equipe vem tratando a Europa e outros países, querendo
mantê-los ou reconduzi-los ao aprisco hegemônico dos Estados Unidos, cujo vetor
principal, no momento, é o de conter e reverter a presença chinesa no comércio
e na geopolítica internacionais. Também está claro o objetivo de atrair a
Rússia, afastando-a da aliança com a China.
O
anúncio e o recuo parcial do tarifaço em relação à Europa cumpre este objetivo:
a mão que ameaça é a mesma que acena com a promessa de recompensa por um bom
comportamento.
Fica
por ver se os europeus, com suas convergências e divergências, morderão a isca.
*Flávio
Aguiar, jornalista e escritor, é professor aposentado de
literatura brasileira na USP. Autor, entre outros livros, de Crônicas
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