Hamlet Ex-Máquina – Apontamentos. Por Maria Sílvia Betti


Hamlet Ex-Máquina – Apontamentos. Por Maria Sílvia Betti



As perspectivas mais amplamente disseminadas de entendimento do teatro contemporâneo apoiam-se num diagnóstico de superação de todas as poéticas dispostas a estabelecer conexões, analisar perspectivas de conjunto e historicizar a relação do teatro com a matéria sociopolítica por meio dele representada.
Resistência, conceito norteador de Hamlet ex-máquina, do 42 Coletivo de Teatro, pressupõe, precisamente, algo situado no polo oposto a esse, pois seu trabalho remete a um nível de materialidade sócio-histórica enxergada em termos de uma perspectiva totalizante.
No espetáculo fica subentendida em vários momentos e aflora explicitamente em outros, a ideia de que os atores, a direção e todos os proponentes do espetáculo adotam, como artistas e como criadores, um empenho inequivocamente totalizante e historicizador, com muitas remissões a um contexto político expresso em cena por imagens identificáveis como pertencentes a processos contemporâneos de desarticulação dos direitos, e de exploração e alienação do ser humano, seja no contexto da cidade como no do país.
Ao lançar mão do texto de Heiner Müller e por meio dele invocar o entrelaçamento intertextual com Shakespeare, o 42 Coletivo de Teatro procura, precisamente, a construção de um olhar crítico para esse presente sócio-histórico, e assume seu trabalho como um ato de resistência.
Resistir, dentro do repertório cultural e da história política recente de que todos nós somos diretamente herdeiros no contexto do Brasil, nos coloca diante de várias ilações: se falamos em resistência, estamos nos colocando como integrantes de uma sociedade que está sendo alvo de forças que a desarticulam, que a desagregam em sua inteireza, que a alienam e que a expropriam diante de si própria.
Nos anos da ditadura, quando o teatro se constituiu como o setor mais prontamente articulado diante das forças do golpe de 1964, isso se deu por meio de expedientes de criação e de expressão que lançavam mão da metáfora como recurso de remissão implícita a conteúdos vetados pela repressão e pela censura.
No contexto que compartilhamos no presente, como espectadores e interlocutores do 42 Coletivo de Teatro, as imagens e interações cênicas do espetáculo constituem, em larga medida, alegorizações cênicas associativas. Hamlet ex-máquina faz, assim, movimentações tanto de convergência na direção do texto de Heiner Müller como de afastamento dele, e configura um conjunto de estímulos que parece nos dizer: “aqui estamos nós, coletivo de trabalhadores e de estudantes do teatro, e nosso espetáculo, ao procurar fundamento no eixo da resistência, não endossa a fragmentação pós-moderna, as hiperteorizações narcísicas, e nem se desgarra do tecido vivo e acidentado de relações e das lutas que constituem o nosso tempo e a nossa história”.
Assim sendo, não é no plano da desmontagem e da desconfiguração das forças históricas de trabalho e de pensamento que o espetáculo Hamlet ex- máquina vai buscar seu arsenal de sentidos e seus expedientes figurativos. Ele os procura, precisamente, na postura assumidamente resistente que confere a seu espetáculo. Dentro do fragmentado chão hegemônico do discurso pós-moderno, o Hamlet mülleriano do Coletivo 42 se destaca, assim, como espinha dorsal de um espetáculo que diz: “nosso trabalho responde à necessidade que sentimos de pensar e de resistir diante de todo o processo histórico da sociedade e do tempo em que vivemos e atuamos”.


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Confira também:



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Conheça também:

de Maria Sílvia Betti (organizadora da edição de Rasga Coração)

Dramaturgia Comparada Estados Unidos / Brasil: Três estudos
Autora: Maria Sílvia Betti
Editora: Cia. Fagulha
ISBN 13:       978-85-68844-03-8
Páginas:       360




Dramaturgia Comparada Estados Unidos / Brasil: Três estudos – Maria Sílvia Betti




Tel.: (011) 3492-3797



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