Moralândia. Capítulo 7. Golpista em apuros. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

 Moralândia. Capítulo 7. Golpista em apuros. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

 

Golpista lamenta em e-mail:

 Nossa intentona fascista falhou.Dizem até que Moralândia nunca mais será a mesma.

 

"Pessoal da Intentona fascista, atenção!

O cerco está se fechando.

Os ventos mudaram.

Há muito tempo temia esse momento, mas nunca imaginei que ele, na hipótese mais remota, algum dia se concretizaria.

Devo lembrar que há décadas tenho conseguido imunidades diversas para afastar os constrangimentos legais a que estão sujeitos os mortais comuns.

Muitos não entendem os esforços necessários para estar numa posição de intocável. Pensam se tratar de sorte, mágica ou quaisquer tolices do tipo.

Na realidade, não se atinge esse grau de tolerância das autoridades estabelecidas sem agradá-las continuamente. Policiais, pastores, jornalistas, juízes, generais, deputados, senadores e outros subornáveis na fila da venalidade inflacionam os negócios, porém os mantêm em funcionamento lubrificado, com as peças girando e se encaixando como uma orquestra.

Frequentadores de geriatras e inativos desde o início de carreira num país sem inimigos externos, generais ávidos por propinas se interessam pelas diversas atividades que oferecemos: jogatina, prostituição, tráfico de armas, drogas e de pessoas, garimpo e uma infinidade de práticas ilícitas, cuja fachada edulcoramos com nomes santificados e excelsos, com bênçãos de pastores e as loas mais cínicas que um oportunista produz quando cheira dinheiro fácil e, sem pestanejar, entrega sua “reputação ilibada”, cuja credibilidade só é aceita por néscios.

Repletas de dinheiro vivo, as malas têm um poder persuasivo instantâneo. Acaba com a flora, fauna e índios da Idade da Pedra num instante, como se jamais tivessem existido um dia em Moralândia. Destruir milhares de hectares de florestas virgens pode gerar protestos domésticos e internacionais. Entretanto, basta ter um governo nosso, de extrema-direita dos pés à cabeça, que o incômodo pode ser abafado do mesmo modo que as janelas acústicas nos separam do burburinho e tumulto que se abate sobre a gentinha ordinária e imprestável, presa ao cotidiano mesquinho da estrita sobrevivência.

Nosso projeto é compartilhado mundialmente com outros partidos conservadores. Carregam bandeiras em nome da “família, moral, religião” e demais narcóticos incessantemente infundidos na massa ávida por uma vida pós-morte com algum sentido, já que a presente é um selo de garantia de viagem perdida.

Em público, faço questão de aparecer com um crucifixo e olhar de adoração aos céus e seus habitantes imaginários, milenarmente criados e reciclados por nossos ideólogos das classes abastadas.

Apesar dos avanços científicos e tecnológicos, basta dispararmos em correntes de whatsapp / telegram que a Terra é plana, junto a variadas besteiras ainda mais absurdas, para os zumbis repetirem ad nauseaum como o primeiro versículo da Bíblia de nossas engrenagens de manipulação, operadas com montanhas de dinheiro para defender interesses que interessam.

Com a injeção de medo e caos, dosadas e esquadrinhadas com lógica de algoritmos, os fantoches se multiplicam e não decepcionam. A obediência cega e inquestionada não poderia ser obtida sem a cumplicidade da mídia e instituições veneradas e respeitáveis por desavisados.

Pastores midiáticos e seus subalternos gostam de receber a remuneração em cash, propriedades móveis e imóveis, amantes e quaisquer outras coisas compráveis pelos representantes do bezerro de ouro. Como os outros colaboradores, o apetite deles pela bufunfa é inesgotável. E isso facilita nossas operações, afinal os recursos são públicos e não despendemos um único centavo de caixa próprio.

Não é por sovinice, pois seria de mau gosto gastar do bolso o que é facilmente acessado por cartões corporativos sem limites e (i)licitações de editais elaborados por nossas equipes. Às vezes, aqui e acolá, aparecem figuras para atrapalhar os encaminhamentos previamente entabulados por nossos gerentes. Aí é chegado o momento de distribuir parte da riqueza alheia.

Despachamos as somas de acordo com as contingências. Motoboy, táxi, barco, avião, terminais de computador, paraísos fiscais e os meios disponíveis para retirar impedimentos reais ou erguidos com a finalidade de aumentar o pedágio.

Todavia, a vida mansa teve fim, como já alertei no início. A maré virou e tratei de voar rapidinho pra Miami, tendo me precavido com as transferências de fundos e valores para paraísos fiscais, mudanças de nome, documentos e toda burocracia acarretada pela débâcle de nosso governo militar.

Dizem até que Moralândia nunca mais será a mesma.

E até mesmo pode mudar de nome.

Bye, bye."

 

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Confira também:

 

Moralândia. Capítulo 1. Habitantes de Moralândia alimentam-se de fantasias peculiares. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

Moralândia. Capítulo 2. Partido único e perseguição a dissidentes. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

Moralândia. Capítulo 3. Monarquia teocrática e nazifascista. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

Moralândia. Capítulo 4. A classe dominante. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

Moralândia. Capítulo 5. Deus-Pátria-Família. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

Moralândia. Capítulo 6. A revolta evanjegue está na origem de Moralândia. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

Moralândia – roteiro / sugestão para um agit-prop. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

 

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