Moralândia. Capítulo 8. Atravessador foragido. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho


 Moralândia. Capítulo 8. Atravessador foragido. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

 


 Atravessador deixa a mensagem no grupo do zap:

 Conto com vocês. A missão é salvar Moralândia do comunismo.

Se der merda a intentona fascista, não tenho nada a ver com isso, talquei?

 

"Galera, é o seguinte: em boca fechada não entra mosquito.

Os atravessadores têm serventia mais ou menos prolongada. Alguns prestam serviços há gerações, enquanto outros são descartados rapidamente. Com estes lidamos em dois palitos, e desovamos em algum terreno baldio, já que serviçais de boca aberta, quando deveriam permanecer fechadas, representam perigos e efeitos colaterais evitáveis. Fulano vacilou, a gente passa a régua e anula o cpf.

Ninguém respeita quem hesita. A galera sabe que não vamos fraquejar diante de um vacilão desmancha-prazeres. Quer se foder, fique à vontade, mas não conte com o nosso fiofó para ir pra fila do INSS, talquei?

Não vou assistir a exibição da capivara da minha família nas TVs e nos jornais e ficar de braços cruzados, porra. Não vem desmoralizar nossa família que o bicho vai pegar. Que se foda se mandei apagar a vereadora, jogar mercúrio para envenenar os rios dos índios da Idade da Pedra ou proibir vacina. Eu quero é mais, tá ligado?

Não se acumula a quantidade de imóveis e de dinheiro que minha família juntou todos esses anos do nada. É um trabalho incansável de tirar do alheio e, para isso, usamos versículos bíblicos como doces para enganar crianças. Nisso você se dá conta da quantidade de otários à disposição sempre que fala uma merda qualquer e olha para a cara dos trouxas como se você tivesse inventado a lâmpada e fosse digno de um prêmio Nobel. Sendo que, na verdade, sou um sujeito limitado; admito ser uma verdadeira aberração. Tem gente muito mais preparada do que eu. Mas eu sou conveniente e cobro o pedágio pelo trampo, entendeu?

A diferença é minha esperteza. Farejo uma grana, uma falcatrua, uma oportunidade de encher as malas de dinheiro e já mexo os pauzinhos. O negócio é intermediar e receber as comissões na moleza. Se vai morrer dezenas de milhares ou centenas de milhares, não importa. O que interessa é aumentar os saldos de minhas contas. Entendeu ou precisa desenhar ainda mais?

Vou te contar. Dá até nojo desses idiotas. Detesto quando eles vêm abraçar e beijar. Dá vontade de vomitar. E quanto mais o mané é seboso, mais ódio dá. Nem com creolina a gente se desinfeta dessa ralé. O pior é que precisa fazer cara de quem tá gostando e fingir que está tudo bem. Caralho, como é um saco segurar esse personagem ‘da moral e dos bons costumes’ que exibimos para os manés adorarem. Eles acreditam piamente que somos a figura respeitável criada por nossas propagandas.

Fazer o quê, né? Quem nasceu para ser enganado, cai em qualquer 171, tem mais é que se ferrar de verde-amarelo.

Falando nisso, se apropriar das cores da bandeira e da religiosidade de maneira hipócrita foi a melhor forma de contabilizar seguidores fanáticos, dementes e escravos para o que der e vier.

Falo uma barbaridade pela manhã e fico sabendo por minha assessoria dos efeitos em grupos de discussão. O mesmo assunto que critiquei de manhã, se preciso, elogio à tarde, caso meus analistas recomendem. Não importa a opinião, idiota segue em qualquer direção que a gente mandar. O que tem que ficar claro é como tocar o gado. E este quer ração. Oferecemos ódio e inimigos imaginários todos os dias para esses sem noção se fartarem. Como estimulamos a máquina de fake news em escala industrial, nossos seguidores sempre exigem mais ódio e mais caos para acenarmos com a cenourinha da redenção pendurada à frente: ‘fim do comunismo’ e outras bobagens que inventamos e esses patetas caem com a maior facilidade.

Se quisesse, venderia terrenos na Lua ou no meio do oceano. Na realidade, vendo. Só não entrego, talquei? Mas o olhar de satisfação futura desses cuzões que me seguem ouvindo essas ofertas impossíveis, imaginando que vão pro Paraíso, é tão entorpecido e maluco que, com certeza, a sedução do meu discursinho mequetrefe tem efeito mais paralisante do que muitas drogas barras pesadas. Claro que o capital, as big techs e seus algoritmos dão a maior força. Mas não posso falar sobre isso agora, talquei?

O negócio é o seguinte, só posso ficar na vagabundagem e torrar o cartão corporativo com minha família e meus generais se o povão estúpido acreditar que estou combatendo a corrupção. Um malandro como eu, escolado e chefe do chefe do Escritório do Crime, sabe que deve acenar com discursos de moral, família e bons costumes, deus acima de tudo e outras baboseiras para os otários aplaudirem. Na verdade, meus seguidores são tão canalhas como eu, querem meter a mão no dinheiro público e passear de moto, jet-ski e iates. Todavia, repetem o mesmo blá-blá-blá que eu. Somos cínicos. A diferença brutal é fácil de constatar. Eu fiquei milionário com essa conversa fiada, enquanto esse pessoal sem rumo marcha pro abatedouro como gado de corte. Por isso preciso reposição constante da manada. As gerações mais velhas levam os filhos, estes levam os filhos e assim por diante.

É uma fórmula que tem dado resultado e, como diz o outro, em time que está ganhando não se mexe. Aqui e ali se faz uns ajustes, mas a ladainha do discurso anticorrupção, caça aos marajás, lava-jato e todo esse esgoto para enganar e deixar a massa anestesiada acontece no mesmo momento em que passamos o patrimônio do país a preços de meleca para os nossos chefes, mediante uma comissão pelos serviços, que ninguém é de ferro, talquei?

Enviar o pessoal para cumprir as tarefas. Tem que barbarizar. Não dar mole, não. Quem não tem respeito nesse ramo de atravessadores e vendedores de facilidades logo é substituído. Quando você não cumpre o acordado, o melhor é se livrar logo da testemunha, pois se ela abrir o bico na primeira esquina, teu barco afunda, xará. É bem simples a equação: tropeçou, fez merda, vai comer formiga. Mesmo que não saiba o gosto que vai ter, kkk. Mas na cidade do pé junto isso não vale merda nenhuma e todos somos pratos dos vermes. Pode embalsamar, revestir de ouro e o escambau. Vai tudo ter o mesmo fim. Apesar do dito, anota aí: quero ser embalsamado, cheio de adornos de ouro e ninguém esculhambando as cerimônias do meu funeral.

Repetidas vezes a gente faz a mesma coisa por que teve resultados positivos anteriormente. Mas quando a casa tá caindo e você assiste seus filhos sendo processados e sabe que eles serão presos um por um, não sendo um mané, você já foge logo pra a Flórida e pede asilo em qualquer lugar que tenha um ditador amigo e cujo país não tenha acordo de extradição ou relação com Interpol pra foder a sua vida.

Afinal, de que adianta ter aberto as portas para tantos magnatas, aprovado tantas facilidades e falcatruas, pra ficar ao relento com todo mundo passando a mão na sua bunda. Na, né, ni, nó, não. Tô fora. E a grana já foi antes de mim, kkk.

Quem fica é mané, talquei?

Bye, bye.”

 

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Confira também:

 

Moralândia. Capítulo 1. Habitantes de Moralândia alimentam-se de fantasias peculiares. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

Moralândia. Capítulo 2. Partido único e perseguição a dissidentes. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

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Moralândia – roteiro / sugestão para um agit-prop. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

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