Moralândia. Capítulo 10. Recolhendo dízimos em Miami. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

Moralândia. Capítulo 10. Recolhendo dízimos em Miami.

Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

 

Intentona fascista fracassa e desativa em Moralândia mais uma lavanderia... de dízimos.

Pastor em Miami, reunião de diretoria em grupo de zap:

Sem problema, a gente tem know-how e exporta a tecnologia para qualquer lugar. Talquei?

 

“Estou em Miami. Agora, pregações só podem ser por via virtual. Por enquanto. A qualquer momento, minhas redes sociais podem ser cortadas. E como fica meu ganha pão, meus irmãos?

A Receita Federal já tem um processo de cobrança de mais de R$ 400 milhões. Isso por que eles não sabem do culto a metade. O que pude lavar e trazer pra fora daquela porra de país, eu já fiz.

Cambada de mal-agradecidos. Você rala, fala no nome do Senhor, não importa se é em vão. O importante é os fiéis trazerem religiosamente para eu comprar meus helicópteros, aviões, iates e mansões. Tudo em nome da igreja para não pagar impostos.

Confesso que a única utilidade daquele lugar foi me fazer bilionário com dízimos e a estratosférica taxa de juros do Banco Central (diga-se de passagem, que seu presidente nós colocamos lá pra isso mesmo e, por estar cumprindo bem suas funções, está em meu livro de orações), confirmando minha fé inabalável no Senhor Dinheiro.

Aliás, impostos e dízimos são para pobres e otários. Eu sonego tudo o que puder e o que não puder, talquei?

É pecado gente como nós ser incomodada com cobranças que só fazem sentido quando remetidas à ralé, à gente porca e faminta que só serve pra levar o dízimo na igreja. Senão, eu já mandava fuzilar logo na porta da igreja, já que ser pobre e, além de tudo, não trazer o dízimo, são dois delitos ao mesmo tempo. Sabemos que o primeiro é perdoado quando não se comete o segundo e se traz o dinheiro do Senhor, amém?

Ao invés de ser investigado, deveria receber adicional por entorpecer a massa miserável, anestesiá-la e deixá-la resignada com a própria desgraça que ajudamos a construir pra ela.

Ao mascarar nossas verdadeiras motivações, mantemos o nosso rebanho obediente aos ditames das classes abastadas. O abate cada vez tem sido maior, pois a economia de nosso governo recém-findado foi pro beleléu e os pobres, cada vez mais miseráveis, começaram a escassear nas igrejas, pedindo serviços sociais ao invés de trazer o dinheiro de nosso champanhe e caviar.

Todo mundo sabe que de grão em grão a galinha enche o papo, e o pastor ganancioso enche e transborda os sacos de doações.

Mesmo depois de todos os serviços prestados, precisei pegar meu jatinho de US$ 150 milhões para dar no pé. Quando você perde a proteção, qualquer guardinha de esquina pensa que é autoridade, lhe mete as algemas e encaminha à primeira delegacia fétida do bairro.

Fui informado que o diploma de curso superior que comprei e recebi pelos Correios já foi anulado e desconsiderado, de modo que ficar naquele paiseco de merda e dos infernos  representa alto risco. Daqui, também vou precisar me escafeder, pois meu passaporte pode ser cancelado a qualquer momento e meia dúzia de policiais me jogam num avião de carreira direto pra Papuda ou equivalente.

Acho melhor não dar mole pro azar. Estou usando uma peruca loira e já fiz duas plásticas. Eu mesmo me assustei e não me reconheci com o resultado delas. Mas o cirurgião pode abrir o bico e caguetar, mostrar as fotos antes, durante e depois das cirurgias. Até pensei em me livrar dele antes que tudo fosse por água abaixo. Entretanto o sujeito, me conhecendo, tem uma dúzia de leões-de-chácara fazendo a segurança dele, de modo que meu pessoal me indicou o refúgio em outros lugares menos visados.

Vejam vocês, que situação. Como um ladrão barato, deverei marchar e sucessivamente mudar de esconderijo para evitar a prisão líquida e certa que os juízes irão decretar.

Isso na cabeça deles, como se eu fosse esperar a busca, apreensão e cárcere..

Deus acima de tudo. Minha fortuna acima de todos.

Amém, irmãos.”

 

 

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Confira também:

 

Moralândia. Capítulo 1. Habitantes de Moralândia alimentam-se de fantasias peculiares. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

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Moralândia – roteiro / sugestão para um agit-prop. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

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