Moralândia. Capítulo 9. General no Caribe. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

Moralândia. Capítulo 9. General no Caribe. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

 

 

Diário do general no Caribe:

A intentona fascista foi um fracasso.

E eu, associado a ela umbilicalmente, precisei me retirar.

Garçom, outra garrafa!


“É o seguinte, minha tropa anda irritada. Foi só eu proteger uns terroristas que vandalizaram a capital que meus subalternos começaram a olhar para mim como se eu fosse um verme. A falta de respeito à hierarquia é intolerável. Quando se é desprezado pelos subordinados, você sabe que farão galhofa de suas ordens. O pior é que não poderei nem mesmo ter certeza de que estarei em segurança, já que ao ser identificado como figura desprezível, ser general não conta mais nada.

Você olha para os soldados e sabe que eles mostram a cara de paisagem habitual, mas por dentro escarnecem com todas as energias de você. A gente sente quando está sendo mastigado e triturado pelo destemor da tropa que antes te venerava e, agora, o tem em mais baixa estima do que um roedor ou uma barata.

As medalhas ostentadas no peito perdem o brilho e todos os diplomas em escolas de guerra fajutas, que nunca tiveram guerra nenhuma a enfrentar na prática, perdem ainda mais o valor. De manhã era o maior. À tarde, o mais abjeto.

Aliás, confesso que distribuí, sob ordens da chefia, medalhas de honra para um bando de desqualificados por supostos ‘serviços prestados às Forças Armadas’. Isso desvaloriza ainda mais as referidas, as medalhas e as Forças.

Como consolo, por enquanto restarão os cumprimentos de puxa-sacos remanescentes. Mesmo estes, é líquido e certo, vão escassear à medida em que a desgraça se acelerar e se tornar cristalina mesmo para os imbecis que demoram tanto em se dar conta da realidade.

Os outros oficiais emitem sinais protocolares, mas fazem questão de se distanciar como se tivessem receio de se contagiar por uma praga contagiosa.

Poder gera aderência. Sua perda, asco.

As batalhas virtuais enfrentadas nos cursinhos preparatórios só serviram para engordar salários e bonificações. Sentado com a barriga crescendo atrás da mesa, sem ter o que fazer, tomando uísque e jogando conversa fora com outros colegas desocupados do quartel, por que essa história ridícula de ‘selva!’ é uma piada. A gente delega pra garimpeiro e grileiro desmatarem a floresta e acabarem com os índios da Idade da Pedra, que atrapalham os negócios dourados. Enquanto isso, aprovava compras superfaturadas de materiais bélicos de empresas pertencentes a coronéis e generais ou em que eles sejam testas-de-ferro.

Os rega-bofes de lagostas, camarão, mulheres e todos os prazeres sem custos e sem preocupação são coisa do passado.

Ao tomar um pé no traseiro, você se dá conta dos falsos amigos. Tudo era interesse. Embolsar toda aquela propina, por tanto tempo, agora já não tem importância. Uma por que a fonte secou; outra, que sua vez acabou.

Com as turbulências, os mais próximos se afastam. Quando o avião está prestes a cair, aí que ficam a anos-luz. É uma falta de respeito.

Ainda mais que, depois de tudo, só poderei renovar minha prótese peniana se pagar do meu próprio bolso. Isso é broxante. Pagar do próprio bolso é coisa de otário. Tiram você das nuvens e, ao se dar conta da gravidade, a queda só faz a gente perceber a velocidade crescente e o estrago resultante do impacto.

Sendo assim, tomar uísque, vodca e rum nessa praia caribenha com essas meninas carinhosas do prostíbulo das choupanas é um lenitivo.

Mas por mais que elas se esforcem, o bilau não tem mais prontidão, a barriga não encontra paradeiro e o tempo nublado do inverno me deixa nostálgico dos tempos em Moralândia, nos quais supunha contar com a obediência irrestrita dos comandados. Mesmo o mais boboca dos soldados reconhece um general tolo e ambicioso que cai em adversidades e vira um molambo. Aliás o mesmo que aconteceu com a camisa da seleção. Perdeu a serventia e ficou irremediavelmente indissociada dos parvos que se imaginavam patriotas ao mesmo tempo em que passávamos nos cobres o patrimônio do país.

Garçom, outra garrafa!”



Colabore com o Blog do Agenor Bevilacqua Sobrinho

 

 

Confira também:

 

Moralândia. Capítulo 1. Habitantes de Moralândia alimentam-se de fantasias peculiares. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

Moralândia. Capítulo 2. Partido único e perseguição a dissidentes. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

Moralândia. Capítulo 3. Monarquia teocrática e nazifascista. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

Moralândia. Capítulo 4. A classe dominante. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

Moralândia. Capítulo 5. Deus-Pátria-Família. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

Moralândia. Capítulo 6. A revolta evanjegue está na origem de Moralândia. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

Moralândia – roteiro / sugestão para um agit-prop. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

Moralândia. Capítulo 7. Golpista em apuros. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

Moralândia. Capítulo 8. Atravessador foragido. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

 


No comments:

Post a Comment

Um homem sem importância - 1971 - Alberto Salvá

  Um homem sem importância  - 1971 - Alberto Salvá Um homem sem importância - 1971   Filme discutido no Módulo I do curso - ODUVALDO VI...

Postagens populares