A Europa prepara-se para
a guerra. Por Flávio Aguiar
26/11/2024
Um autêntico calafrio percorreu toda a Europa na semana passada. Noticiou-se
com destaque que os governos da Suécia e da Finlândia divulgaram para seus
cidadãos manuais sobre como proceder no caso de uma guerra contra terceiros.
O
governo sueco distribuiu pelo correio uma brochura de 32 páginas. O finlandês
disponibilizou uma publicação online.
Embora
o nome não aparecesse, era óbvio que se tratava de uma guerra com a Rússia. A
Suécia não tem uma fronteira terrestre com a Rússia. Há uma fronteira marítima
entre ela e o enclave russo de Kaliningrado, espremido entre o Mar Báltico, a
Lituânia e a Polônia. A Finlândia tem uma fronteira terrestre com a Rússia de
1.343 km. Ambas mensagens abordam outras crises, como a ocorrência de
pandemias, desastres naturais e ataques terroristas. Mas o destaque no
noticiário foi para a guerra, graças à existência do conflito direto entre a
Rússia e a Ucrânia, que tem o apoio da OTAN, de que não faz muito Suécia e
Finlândia passaram a integrar.
Tanto
na Suécia como na Finlândia as instruções envolvem a manutenção de estoques de
alimentos, água, remédios e dinheiro, a guarda de cartões de crédito, conselhos
sobre como se manter informado através do rádio, a busca de abrigos coletivos
no caso de ataques aéreos ou nucleares, como neles se comportar ou onde se
proteger caso seja impossível chegar até eles.
Logo
no começo das instruções suecas, encontra-se a seguinte exortação patriótica:
“Se a Suécia for atacada, nós nunca nos renderemos. Qualquer sugestão em
contrário é falsa”. Aos poucos surgiram informações complementares. Em ambos os
casos, tratava-se de uma atualização de instruções anteriores. Também
noticiou-se que outros governos, como os da Dinamarca e da Noruega distribuíam
instruções semelhantes. Nada disto atenuou o impacto midiático do clima de
preparação para uma guerra.
Para
engrossar o caldo, a Alemanha entrou na dança. A mídia do país noticiou a
existência de um documento do Exército até então secreto, com mil páginas sobre
a possibilidade e os desdobramentos de uma guerra com a Rússia. Entre outras
coisas o documento prevê que a Alemanha se transformaria num imenso corredor
por onde passariam centenas de milhares de tropas da OTAN - norte-americanas e
outras. O país se transformaria no grande organizador logístico do fluxo de
tropas, suprimentos e armas de variada espécie para o conflito. Outras
informações vieram à tona. O Exército está disponibilizando instruções
específicas para empresários sobre como adequar suas empresas à circunstância
de uma guerra, com destaque para a questão dos transportes. Para compreender o
impacto destas informações, deve-se levar em conta a moldura em que surgiram e
alguns antecedentes.
Concomitante
a elas noticiava-se uma escalada de fato ou retórica em torno da guerra na
Ucrânia e agora também em território russo, com a invasão da região de Kursk
por tropas ucranianas. Noticiou-se a presença de tropas norte-coreanas em
território russo, em apoio a Moscou. O governo Biden autorizou a utilização
pela Ucrânia de mísseis de longo alcance contra território russo, e o
fornecimento de minas terrestres contra veículos e pessoas para o governo de
Kiev. Este anunciou que a Rússia lançara um míssil de longo alcance, capaz de
levar uma ogiva nuclear, contra seu território. Moscou relaxou as normas para
utilização se armas nucleares em caso de conflito, sobretudo se atacada por um
país que tivesse o apoio de uma potência nuclear. França, Alemanha e Polônia
anunciaram estarem aumentando significativamente seus orçamentos militares. O
exemplo pode ser seguido por outros países. Os Estados Unidos anunciaram o
restabelecimento de mísseis em território europeu. A TV russa divulgou uma
reportagem comentando quais cidades europeias poderiam ser alvo de ataques por
mísseis de longo alcance.
Não
faz muito o governo Biden aumentou em 20% a presença de pessoal militar e
conexo norte-americano no continente europeu, contingente que hoje passa de 120
mil, maior do que, por exemplo, todo o Exército do Reino Unido. Autoridades
civis e militares alemãs já falaram abertamente que é possível haver uma guerra
com a Rússia em cinco ou seis anos.
Em
suma, a Europa se prepara para a possibilidade da guerra. Políticos que admitem
o risco usam com frequência o dito popularizado em latim, “si vis pacem para
bellum”, “se queres a paz, prepara-te para a guerra”. Entretanto lembremos que
o currículo europeu na matéria não é bom. Sempre que a Europa preparou-se para
guerra, ela acabou acontecendo, com as consequências trágicas que conhecemos.
*Flávio Aguiar,
jornalista e escritor, é professor aposentado de literatura brasileira na USP.
Autor, entre outros livros, de Crônicas do mundo
ao revés (Boitempo). [https://amzn.to/48UDikx]
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Colabore
com o Blog do Agenor Bevilacqua Sobrinho
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