Nossa vida em família. Por Maria Sílvia Betti
Nossa vida em família (1971)
Nossa vida em família, de 1971, é a reelaboração de Vianna para a peça “Em família”, que havia escrito em 1970 em conjunto com Paulo Pontes e Ferreira Gullar.
Relações familiares e intergeracionais tinham se feito presentes, em alguma medida, em três de suas peças anteriores: “Brasil versão brasileira” e “Quatro quadras de terra”, escritas no início dos anos 1960 dentro do CPC, e “Moço em estado de sítio”, de 1965, que permanecera inédita. Nos anos seguintes, Vianna assumiria (juntamente com Armando Costa), a autoria do seriado televisivo “A grande família”, que se tornaria um sucesso de público sem precedentes. A família voltaria a ser abordada em sua última peça, “Rasga Coração”, cujo núcleo central enfoca as vivências históricas e políticas da família de um militante do Partido Comunista Brasileiro.
Nossa vida em família expõe e analisa o processo de estrangulamento social e econômico da pequena classe média brasileira, ou seja, a classe que se tornara refém das políticas habitacionais do chamado “milagre econômico” do início dos anos 1970. As estruturas existentes de sobrevivência familiar, dentro desse contexto, não asseguram qualquer proteção contra a marginalização dos idosos, a redução das expectativas de futuro profissional para os mais jovens, e as medidas governamentais orientadas para a exploração da classe trabalhadora. Sem dispor de mecanismos que a protejam das pressões sociais que sofre ao longo das gerações, os membros da família em questão acabam por apelar para soluções provisórias e precárias que, uma vez postas em prática, serão de difícil e improvável reversão.
No centro do enredo o casal de idosos Sousa e Lu, moradores de Miguel Pereira, no Rio de Janeiro, precisam desocupar a casa que alugam por um preço simbólico há mais de trinta anos. Os escassos ganhos mensais de Sousa como aposentado são insuficientes para que ele assuma um novo contrato, mesmo em imóveis muito mais precários e distantes. Os filhos, envolvidos com a luta pela sobrevivência em suas respectivas famílias, têm limitações de espaço e de orçamento, e optam por uma temporária divisão de responsabilidades: Sousa vai para o apartamento da filha caçula, Cora, em São Paulo, e Lu para o apartamento do mais velho, Jorge, no Rio de Janeiro. Sousa e Lu são, assim, separados um do outro e submetidos a rotinas familiares que os fazem constatar a perda de seus papéis dentro do microcosmo familiar.
A situação se agrava com o passar dos meses, e revela a forma como cada um dos filhos, involuntariamente, reproduz, em suas condutas, a lógica do sistema que exclui Sousa e Lu do mundo produtivo, transformando-os em sucata afetiva diante da família e da sociedade.
A “família” não dispõe de mecanismos que a protejam das pressões econômicas e sociais que sofre e que vai introjetando ao longo das gerações. Essas pressões, naturalizadas e assimiladas, acabam por se impor através de medidas que, mesmo provisórias, serão de difícil e improvável reversão depois de adotadas.
A grande envergadura da pauta de assuntos da peça, tomados ao contexto das políticas econômicas da ditadura, extrapola os limites do drama geracional padrão, e apresentava uma forte demanda de recursos dramatúrgicos como a ironia, o humor, e a simultaneidade espacial de cenas que criem nexos associativos e contrastivos sem que se dilua o fio da meada ficcional do enredo. A estrutura dos diálogos e a utilização de diferentes níveis de linguagem ilustram as numerosas defasagens de comunicação e de percepção no interior da família.
Nossa vida em família é uma peça de referência, imprescindível para a discussão da dramaturgia de Oduvaldo Vianna Filho em seu aspecto mais pulsante: a análise e o debate de alguns dos mais importantes desafios que herdamos das décadas anteriores e diante dos quais ainda nos vemos no momento atual.
Ciclo de encontros quinzenais online
ODUVALDO VIANNA FILHO [1936-1974]:
dramaturgia, pensamento estético e luta política.
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27 de setembro – A longa noite de Cristal
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13 de setembro – Corpo a corpo e Allegro desbundaccio
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30 de agosto – Dura lex sed lex, no cabelo só Gumex e Papa Highirte
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16 de agosto – Moço em estado de sítio e Mão na luva
https://www.youtube.com/watch?v=ULh55cdgVjE
02 de agosto — Show Opinião e Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
https://www.youtube.com/watch?v=JYCZmcAEwWs
19 de julho — Quatro quadras de terra e Os Azeredo mais os Benevides
https://www.youtube.com/watch?v=G4g050M3ByU
05 de julho – Auto dos 99%. Ou como a Universidade capricha no subdesenvolvimento e Brasil versão brasileira
https://www.youtube.com/watch?v=w1QWLElhkbo&t=1s
21 de junho – Chapetuba Futebol Clube e A mais valia vai acabar, seu Edgar
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