Heleny
Guariba: enfrentando a exclusão. Por Maria
Sílvia Betti
Heleny Ferreira Telles Guariba
Em 2023, a Universidade de São Paulo, a
Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), o Instituto de Geociências da
USP e a vereadora Luna Zarattini (PT) lançaram o Projeto Diplomação da
Resistência, que promoveu a diplomação póstuma dos estudantes Alexandre
Vannucchi Leme e Ronaldo Queiroz, mortos pela ditadura militar.
Neste
ano de 2024, 60º aniversário do golpe que implantou o regime militar no país, a
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e a Pró-Reitoria de
Inclusão e Pertencimento (PRIP) da USP anunciaram que, para resgatar a memória
de quinze de seus estudantes presos e mortos nesse período, promoveriam nova Diplomação
da Resistência como cerimônia pública de concessão de diplomas honoríficos em
data amplamente divulgada.
Uma semana antes dessa data, um novo informe
da FFLCH e da PRIP causou perplexidade a todos ao anunciar a exclusão de um dos
nomes da lista: o de Heleny Ferreira Telles Guariba, a primeira desaparecida
política pública e oficialmente reconhecida no país. Mesmo tratando-se de uma
homenagem, e, portanto, de um gesto simbólico de reconhecimento público de seu
nome dentro da história das lutas contra a ditadura, a justificativa para a
exclusão apoiou-se no fato de que Heleny, ao contrário dos demais homenageados,
tinha concluído o curso, o que não a qualificaria para receber a diplomação.
Heleny havia chegado a lecionar tanto na
própria FFLCH como na Escola de Arte Dramática (EAD). Ao concluir a graduação
em Filosofia, em 1965, recebeu uma bolsa de estudos do Consulado da França, e estagiou
no Théatre de la Cité, dirigido por Roger Planchon, discípulo de Brecht. Ao voltar
ao Brasil, em 1967, passou a dirigir o grupo de teatro da cidade de Santo André,
e a desenvolver trabalhos com alunos da rede municipal local. Paralelamente, em
São Paulo, deu aulas e dirigiu peças na Aliança Francesa, além de trabalhar com
Augusto Boal dentro dos seminários internos do Teatro de Arena.
Com a instauração do Ato Institucional
número 5, em dezembro de 1968, um período de ainda maior autoritarismo teve
início no país, com a cessação das liberdades civis, o fechamento do Congresso,
a implantação da censura prévia dos meios de comunicação e a perseguição e
assassinato de militantes de esquerda por todo o país.
Dentro desse contexto, Heleny ingressou na
Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização de luta armada em que atuou
durante todo o ano de 1969. Presa pela primeira vez no ano seguinte, foi torturada
e permaneceu no Presídio
Tiradentes, em São Paulo, até 12 de abril de 1971. Posta em liberdade nessa
data, Heleny conseguiu retomar as atividades profissionais no teatro, mas
voltou a ser presa em julho desse mesmo ano, no Rio de Janeiro. Essa foi sua
derradeira prisão.
A
última pessoa a vê-la com vida foi a atriz, dramaturga e diretora Dulce Muniz, aluna,
em 1971, no grupo de jovens inscritos nas oficinas de formação no Teatro de
Arena ministradas por Heleny.
Em
2013, Dulce, diretora do Teatro Studio do 184, em São Paulo, deu oficialmente ao
teatro o nome de Teatro Studio Heleny Guariba.
Também de Dulce Munz é a peça Heleny,
Heleny, doce colibri, que integra uma trilogia dramatúrgica dedicada à
representação da luta e do pensamento de mulheres militantes do socialismo
revolucionário.
Em 31 de março de 2019 uma matéria
publicada no Jornal GGN a propósito da atuação da Comissão da Verdade
comentava:
Heleny representa um daqueles casos
de “desaparecimentos totais”, onde não há qualquer vestígio sobre o destino da
pessoa presa por forças estatais, assim como ocorreu com Ana Rosa Kucinski,
Ízis de Oliveira, mais tarde com Amarildo e com tantas outras milhares de
vítimas de desaparecimento forçado em nosso país. Um problema que ainda
permanece, com garantia de impunidade graças às respostas pífias que os órgãos
de Justiça dão à grave questão do desaparecimento de pessoas dentro de
aparelhos policiais.
O argumento invocado pela PRIP e pela
FFLCH-USP para tentar justificar a exclusão do nome de Heleny dentre os homenageados
com a Diplomação da Resistência funciona, na prática, como inaceitável supressão
da história de luta e de trabalho de Heleny Guariba dentro da USP e dentro do
teatro.
REFERÊNCIAS
SOUZA,
Edimilson Evangelista de. Heleny Guariba: luta e paixão no teatro
brasileiro. 2008. 247 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual
Paulista, Instituto de Artes, 2008.
GOES, Maria Lívia
Nobre. Debaixo das ruas, em cima dos palcos: teatro e luta armada em São
Paulo, 1968-1970. Dissertação de Mestrado apresentada à ECA USP em 2021.
ALMEIDA, Ademir de. A cena ativista do
Teatro Núcleo Independente durante a década de 1970. Dissertação de
Mestrado apresentada à ECA USP em 2021.
https://prip.usp.br/diplomacao-da-resistencia/
https://adusp.org.br/memoria/fflch-ditadura/
https://adusp.org.br/memoria/heleny-guariba/
https://cemdp.mdh.gov.br/modules/desaparecidos/acervo/ficha/cid/110
https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/diversos/impunidade.pdf
https://memoriasdaditadura.org.br/cultura/heleny-telles-ferreira-guariba/
https://memorialdaresistenciasp.org.br/pessoas/dulce-quirino-de-carvalho-muniz/
https://www.redebrasilatual.com.br/jornais/atriz-foi-ultima-pessoa-a-ver-heleny-viva/
https://cadeheleny.com/lembranca-a-lembranca/
Maria Sílvia Betti é
pesquisadora e docente Sênior no Programa de Estudos Linguísticos e Literários
em Inglês da FFLCH-USP. Autora de Dramaturgia comparada Estados
Unidos-Brasil. Três estudos. São Bernardo do Campo-SP: Cia. Fagulha,
2017. Organizadora da Coleção Oduvaldo Vianna Filho de dramaturgia (Editora
Temporal).
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