A Guerra de Yuan, de Agenor Bevilacqua Sobrinho. Prefácio de Mayumi Denise Senoi Ilari – FFLCH-USP


A Guerra de Yuan, de Agenor Bevilacqua Sobrinho. 
Prefácio de Mayumi Denise Senoi Ilari – FFLCH-USP
   

A Guerra de Yuan a um só tempo escancara as contradições mais atuais e

aterrorizantes de nossa sociedade e reafirma a necessária utopia de liberdade e justiça social.


A Guerra de Yuan
Prefácio de Mayumi Denise Senoi Ilari – FFLCH-USP

A Guerra de Yuan, de Agenor Bevilacqua Sobrinho, narra a história do intrigante personagem do futuro Roberto-yuan-serial 6397.4948.9872.5949.9733, e de um sombrio mundo existente em um tempo não muito posterior ao nosso, controlado pela Yuan-Mind, ou cérebro-“Yuan” de um estado totalitário de mesmo nome, com fortes paralelos à nossa sociedade. Através de uma narrativa a um só tempo enigmática e esclarecedora, o personagem central guia-nos por um mundo de autômatos fortemente moldados e cerceados pelos meios de comunicação, cuja função massificadora é claramente ligada à concentração de um poder central nas mãos de detentores “invisíveis” e não claramente identificáveis, que lograram separar-se completamente da enorme massa de robertos e robertas-yuan seriais, utilizados livremente como carne humana nas grandes engrenagens do mecanismo totalizante e esmagador de Yuan.

A temática de A Guerra de Yuan remonta aos romances 1984 e Admirável Mundo Novo, de George Orwell e Aldous Huxley, respectivamente, em sua representação de um estado opressor, localizado em um futuro próximo, que tiraniza mental e fisicamente sua população, levada aos extremos da despersonalização, desumanização e automação. Paralelamente à forte referência a esses romances, e a sua crítica a um sistema de controle do pensamento e da linguagem, alicerçado em tecnologias direcionadas ao controle total dos indivíduos, à invasão de privacidade e à manipulação da memória histórica, A Guerra de Yuan apresenta-nos ainda problematizações e temas especificamente contemporâneos, no tratamento sofisticado imputado à engenharia genética e na ironia à tão discutida cultura da imagem de nossos dias, que culminam, no texto, na banalização da compra e reposição de corpos e pedaços de corpos humanos negociados via TV, desejados e escolhidos através da transmissão de imagens, pelos abastados que os podem comprar.

Aos poucos, o estranhamento provocado pelo atroz universo criado pela Yuan-mind cede espaço a um reconhecimento desconfortável por parte do leitor. Paralelos e fatos históricos de nossa civilização, apresentados nos interstícios da memória que não puderam ser apagados pelo estado Yuan, servem como chave alegórica para um mundo não tão distante e não tão desbragadamente fantástico como o que é apresentado no ficcional universo numérico de robertos e robertas yuan-seriais. Assim, a trajetória de descobertas do personagem central, que burla os rígidos processos de controle mental até conseguir evadir-se de Yuan, leva-nos a um sistema de poder que é, em sua essência mais pura, nada novo ou original, mas um velho e conhecido sistema de exploração e opressão de classes, visando à manutenção do poder, da riqueza e do conforto para os poucos que mantêm, sob garras de ferro, o funcionamento do sistema. A narrativa em primeira pessoa, fortemente centrada no ponto-de-vista e nas descobertas do protagonista sobre o mundo ao seu redor, reforça ainda o caráter analítico-descritivo e o tom conclusivo presente em diversos momentos do enredo, impedindo a identificação afetiva imediata do leitor em relação às personagens individualizadas e ao curso de seus desfechos individuais. A ação, por sua vez, frequentemente cede espaço às narrações e conclusões empreendidas pelo protagonista, que gradativamente desmantela a lógica de funcionamento do complexo sistema dominante, a qual deve ser o elemento central de investigação e reflexão por parte do leitor, numa clara alegoria à sua própria sociedade.

Todavia, o pesadelo da distopia do estado totalitário, personificado na imagem do Grande Irmão de Orwell, e presente no universo anestesiado e dividido em castas de Admirável Mundo Novo, darão lugar, em A Guerra de Yuan, a uma insurreição iniciada dentro do próprio sistema, que virá a miná-lo e aos mecanismos de controle do estado ditatorial, restabelecendo a liberdade de pensamento e o livre arbítrio, na busca possível de uma sociedade mais justa e mais fraterna.

Em tempos “infinitos” e aparentemente a-históricos de vasta homogeneização ideológica, e de aceitação passiva das realidades mais atrozes como “normais”, necessárias ou inevitáveis, e de estagnação consentida, A Guerra de Yuan, bravamente, a um só tempo escancara as contradições mais atuais e aterrorizantes de nossa sociedade e reafirma a necessária utopia de liberdade e justiça social.

Mayumi Denise Senoi Ilari
Professora da FFLCH-USP – Universidade de São Paulo



Serviço:

A Guerra de Yuan
Autor: Agenor Bevilacqua Sobrinho
(Prefácio: Mayumi Denise Senoi Ilari)
Editora: Fagulha
ISBN 13:       978-85-68844-00-7
Páginas:       136







WhatsApp: (11) 95119-8357




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