Tapa e Arena: uma ponte na história. Por Maria Sílvia Betti [1]
A ponte que liga o TAPA ao Arena tem um eixo
central em comum: o foco sobre o trabalho do ator e o repertório dedicado à
dramaturgia. O Teatro de Arena, fundado por José Renato em 1953, implantou pioneiramente
no Brasil a estrutura cênica que lhe deu o nome, e teve de enfrentar o desafio
de desenvolver padrões de interpretação compatíveis com a natureza camerística
desse espaço.
A esse desafio somou-se outro alguns anos
depois: o de desenvolver uma dramaturgia que figurasse as condições reais do
país, e que o fizesse a partir de uma perspectiva crítica e não meramente
cronística. Estava-se então em 1958, e desse momento em diante as etapas que se
seguiram configuraram transformações fundamentais para a dramaturgia tanto sob
o ponto de vista da matéria representada como de seus parâmetros formais e
estilísticos.
O projeto do TAPA na ocupação do Teatro de
Arena [Edital Myriam Muniz 2013] propôs-se a dialogar de três maneiras com essas etapas e com seu
significado histórico: revisitando peças que integraram tanto o repertório do
Arena como o seu próprio em algum momento; introduzindo peças contemporâneas condizentes
com o espaço cênico; e incorporando montagens voltadas também ao público escolar
e infantil. Neste último aspecto em particular o grupo ao mesmo tempo repassa a
experiência do Arena em montagens de sua primeira fase, retoma o ponto de partida
de seu próprio percurso profissional, em 1979, e remete ao Panorama do Teatro
Brasileiro, que desenvolveu durante os anos 90.
A confluência entre o projeto ora apresentado e
a história do Arena não resulta só da programação de títulos em comum: o
processo de estudo interno que caracteriza o TAPA, e que tem mantido em foco
peças de Machiavelli, Martins Pena, Tennessee Williams e Pirandello, representa
em si uma forma importante de trabalho que evoca, em muitos pontos, o processo
formativo do Arena ao longo de seu trabalho. A montagem de “O longo adeus”, de
Tennessee Williams, reporta-se à peça de estreia do Arena, traduzida por Esther
Mesquita como “O demorado adeus” e dirigida por José Renato em 1953. A comédia
social de Martins Pena, mais uma vez pautada pelo TAPA, teve papel importante também
no Arena em seus anos iniciais. “A Mandrágora”, de Machiavelli, que integra o
repertório do TAPA, traz à pauta a fase de nacionalização dos clássicos do
Arena, na primeira metade dos anos 60.
Algumas outras peças dos autores desses títulos
comuns aos dois grupos foram programadas agora pelo TAPA em sua ocupação do
Teatro de Arena: é o caso de “Alguns Blues do Tennessee”, coletânea de três
peças em um ato de Tennessee Williams (“O quarto escuro”, “Verão no lago” e “A
dama da loção antipiolho”) já anteriormente encenada em traduções dos próprios
atores, e de “Out Cry”, inédita e que estreará em tradução também feita pelo
TAPA. De Pirandello, outro dramaturgo cujo trabalho tem sido objeto de estudo
interno continuado, as duas peças programadas, “Amargo Siciliano” e “De um ou
de nenhum”, foram igualmente traduzidas pelo grupo e exaustivamente revisadas
durante os ensaios.
A caracterização de uma confluência com o
trabalho do Arena se dá, em todos esses casos, não só pela importância
histórica desses textos ou por suas possibilidades interpretativas específicas,
mas também — e principalmente — pelo papel que o próprio projeto de encená-los desempenha
para os atores e público do TAPA, na correlação histórica entre seu trabalho e
o do Teatro de Arena.
[1] Maria
Sílvia Betti é Professora Livre Docente do Departamento de Letras Modernas
da FFLCH-USP, Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos e Literários em
Inglês. Orienta também no Departamento de Artes Cênicas da ECA-USP.
Livros:
Autora de Dramaturgia
Comparada Estados Unidos/Brasil. Três estudos (Cia. Fagulha,
2017), e Oduvaldo Vianna Filho (EDUSP/FAPESP, 1997).
Tradutora de O
método Brecht, de Fredric Jameson (Vozes, 1998), depois relançado em edição
revista com o título Brecht e a questão do método (Cosac &
Naifiy), 2013.
Organizadora, prefaciadora
e autora dos textos de apresentação de Rasga
Coração (Temporal, 2018) e Papa
Highirte (Temporal, 2019), ambos de Oduvaldo Vianna Filho.
Organizadora e
prefaciadora de Patriotas e traidores. Escritos anti-imperialistas de
Mark Twain (Fundação Perseu Abramo, 2003), O Povo do Abismo.
Fome e miséria no coração do Império Britânico, de Jack London (Fundação
Perseu Abramo, 2004).
Prefaciadora de Mr.
Paradise e outras peças em um ato (´É Realizações, 2011) e 27
Carros de algodão e outras peças em um ato (É Realizações, 2013) ambos de
Tennessee Williams.
Artigos recentes:
Dois aspectos da
atualidade de Rasga coração. (In Blog da Cia. Fagulha). Disponível em: <https://blogdaciafagulha.blogspot.com/2019/03/dois-aspectos-da-atualidade-de-rasga.html>.
Onze livros para o conhecimento do teatro estadunidense no
Brasil. (In Blog
da Cia. Fagulha). Disponível em: <https://blogdaciafagulha.blogspot.com/2019/02/onze-livros-para-o-conhecimento-do.html>.
Papa Highirte, de Oduvaldo Vianna Filho: apontamentos de análise
dramatúrgica (In Blog da Cia. Fagulha). Disponível em: <https://blogdaciafagulha.blogspot.com/2019/01/papa-highirte-de-oduvaldo-vianna-filho.html>.
"The Piscator Notebook", de Judith Malina: apontamentos de
análise sobre o registro de um processo formativo. (In Blog da Cia.
Fagulha). Disponível em: <https://blogdaciafagulha.blogspot.com/2019/02/the-piscator-notebook-de-judith-malina.html>.
Ingrid, Brueghel e o Teatro de figuras alegóricas (in Ingrid
Koudela: o Teatro como alegoria.Org. Igor Almeida, SESC, 2018).
*****
SERVIÇO:
Conheça:
Dramaturgia Comparada Estados Unidos / Brasil: Três estudos
Autora:
Maria Sílvia Betti
Editora:
Cia. Fagulha
ISBN 13: 978-85-68844-03-8
Páginas: 360
Dramaturgia Comparada Estados Unidos / Brasil: Três estudos –
Maria Sílvia Betti
Tel.:
(011) 3492-3797
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