Psicanálise
e Poder: a leitura de Freud do Moisés
de Michelangelo.
Por
Agenor Bevilacqua Sobrinho
Orcid: orcid.org/0000-0003-4528-8776
Publicado anteriormente em: Caderno de Psicologia
da UniABC, Santo André, Ano IV, n. 32, p. 9-29, 2002.
NOTA PRELIMINAR, de Maria Sílvia Betti:
Este texto foi reelaborado a partir de um artigo acadêmico
anterior, publicado em 2002 na Revista UniABC - Humanas, publicação
da UniABC. Essa Universidade depois ficou sob o controle administrativo do
grupo Anhanguera, que em 2013 fundiu-se à rede Kroton, criando assim a maior
companhia de educação do mundo.
Demissões em massa dos professores da UniABC vinham sendo
realizadas desde 2010, e a fusão com a Kroton deu prosseguimento acelerado a
essas megademissões, numa demonstração cabal da prevalência da lógica
empresarial predatória e precarizante em relação ao ensino e ao trabalho
docente.
A publicação dele no blog da Editora Cia. Fagulha tem
a finalidade de alertar os leitores sobre a necessidade da articulação de uma
luta continuada e intensa pela defesa da educação e do trabalho formativo
exercido pelos professores em todos os seus níveis.
Psicanálise e Poder: a leitura de Freud do Moisés de Michelangelo.
Por Agenor Bevilacqua Sobrinho [*]
MICHELANGELO. Moisés. c. 1513-1515 [1].
Mármore; alt. 2,35 m. S. Pietro in Vincoli, Roma.
Resumo
Neste
trabalho fazemos uma análise dos problemas e discussões suscitados por Freud na
sua leitura do Moisés de
Michelangelo.
Palavras-chave:
Freud, Michelangelo, Moisés, Moisés
de Michelangelo
Abstract
In this work we make an analysis of the problems and
discussions raised by Freud in his interpretation of Moses by Michelangelo.
Keywords: Freud,
Michelangelo, Moses, Michelangelo’s Moses.
1. Introdução
Neste
trabalho fazemos uma análise dos problemas e discussões suscitados por Freud na
sua leitura do Moisés de
Michelangelo. Inicialmente apresentamos breve biografia de Michelangelo e,
resumidamente, cinco pontos de vista acerca de Moisés, a saber: primeiro e
segundo - duas obras cinematográficas (Moisés
e Os dez mandamentos); terceiro - o
Moisés bíblico; e quarto e quinto - duas esculturas (Estatueta de Moisés, atribuída a Nicolas de Verdun e o Poço de Moisés, de Claus Sluter). Em
seguida, na conclusão, realizamos uma reflexão sobre o poder e sobre a autoridade.
2. Michelangelo Buonarotti
Michelangelo
Buonarotti, arquiteto, escultor, pintor e poeta, nasceu em Caprese, em 1475, e
faleceu em Roma em 1564, aos 89 anos. Discípulo de Ghirlandaio e influenciado
por Donatello e pela cultura clássica, seus trabalhos expressam vigor e energia
ímpares.
Em
certo sentido, sua obra rivaliza com aquela atribuída a Deus, pois seus
esforços lembram a “criação”: ao estabelecer uma luta com a matéria da qual
quer liberar a figura refém do mármore, prevê sua existência encarcerada no
bloco em bruto. Dizia ele: “...eu só retiro as sobras, a estátua já está lá”.
Uma vez que a estátua está contida na pedra, podemos perceber que a criação
artística tem por objetivo libertar o que permanece impedido, tolhido e dar-lhe
expressão.
Moisés figura
entre suas obras mais importantes. Mas por que esta figura para decorar o
túmulo de Júlio II?
Há
um vínculo entre o caráter do papa e as relações dele com Michelangelo. São
personalidades que desejavam realizar obras cuja grandeza ultrapassam séculos.
Talvez Michelangelo também tenha querido despertar em suas explosões
temperamentais Moisés, mas
controlou-se.
A
elaboração do Moisés foi demorada,
porque o papa interrompeu o trabalho do artista na fase inicial do projeto do sepulcro
para que Michelangelo fosse decorar a
fresco o teto da Capela Sistina; e o fez relutando em abandonar sua obra
recém-iniciada, e, é claro, diante da força e da adulação papal acabou por se
render.
Por
que a figura de Moisés de
Michelangelo é analisada por Freud?
Quiçá
pelo paralelo biográfico de Freud com a figura do pai e de seus traidores. A
importância de Moisés na obra freudiana é impressionante, chegando a
finalizá-la com Moisés e o monoteísmo.
Freud
também se aproxima de Michelangelo pelo fato de que ambos têm seus trabalhos
transitando entre o abandono pela hesitação e a obstinação em decifrar enigmas,
o que lhes permitem concluir suas obras.
3. Duas representações cinematográficas
O
Moisés [2], desempenhado por
Burt Lancaster, embora seja forte [3], apresenta, desde o início do filme, um
rosto tranquilo e sereno, transfigurado em algum instante anterior ao qual o
espectador não teve acesso; porque grande período de sua vida foi omitido, e já
o encontramos com a feição de um indivíduo maravilhado. Serve-se de seu irmão,
Aarão, como porta-voz para informar ao faraó os desígnios de Deus, uma vez que
Moisés declara-se homem “sem eloquência” (Êxodo.
4:10).
No
filme, Deus adverte: — “E eu os atormentei com insatisfação, para que somente
em mim eles se encontrassem”. Ou seja, o tributo para a paz de espírito é o
penar, que atormenta, enviado pelo Senhor para nos testar.
O
resumo do filme nos conta que “Moisés,
recém-nascido, escapa do Édito que proclama a morte de todos os meninos hebreus
e é criado na Corte egípcia pela princesa. Depois, Moisés volta à vida simples,
enfrenta o faraó, prevê as dez pragas,
lidera o êxodo, recebe os dez mandamentos e conduz seu povo à Terra Prometida.”
Um herói!
Por
outro lado, o Moisés de Cecil B. DeMille [4] é ainda mais robusto fisicamente;
é construída a imagem do rebelde portador da força divina para livrar seu povo.
Antes
de cair em desgraça e ser perseguido, é o guerreiro que adquire constantemente
novos territórios para o Egito, e por isso, rivaliza com o irmão (Yul Brynner),
filho do faraó, na conquista do trono.
A
partir de seu primeiro “encontro com Deus”, seu rosto é transfigurado e as
marcas do tempo se acentuam em seus cabelos e barbas grisalhos velozmente.
Através
de um narrador, presente em cena, somos informados de que a Bíblia omite 30 anos da vida de Moisés,
mas que o filme tenta recompô-los. O resumo
conta apenas do “bebê de três meses de idade, achado no Nilo por Bithiah, a
filha do faraó, e adotado na Corte; porém, caiu em desgraça quando descobriu que
era hebreu e matou um egípcio”. Acrescenta o narrador que o “tema do filme é se
o homem deve ser governado por leis divinas, ou pelos desmandos de um ditador
como Ramsés. É o homem propriedade do Estado? Ou são almas livres sob as leis
de Deus? Semelhante batalha continua até hoje” (Grifo nosso). Aqui temos
uma “pérola” da Guerra Fria.
Essa
história de três mil anos, escrita nos 5 livros atribuídos a Moisés e “divinamente
inspirada”, é esclarecedora para nosso objetivo. Quem é o Moisés bíblico e em
que se difere do encontrado por Freud, na estátua de Michelangelo?
4. O Moisés bíblico
Diz
o Êxodo, livro do Pentateuco [5], que os egípcios escravizaram os filhos de Israel e os
lamentos deste povo subiram aos céus, e Deus, contrafeito, lançou sobre os
egípcios, no humilde casebre de Anrão e Joquebede, a semente do homem que seria
o portador dos Dez Mandamentos e levantar-se-ia contra a tirania do império.
Portanto o Êxodo é o livro da
redenção dos israelitas oprimidos do Egito.
Por
precaução, o imperador Ramsés I lança um édito no qual estabelece que todo
recém-nascido hebreu do sexo masculino deve morrer. Mas aquele que viria a ser
a salvação do povo hebreu escapa por um estratagema: viaja na cesta flutuante
onde é encontrado pela princesa, criado por uma mãe hebreia e adotado pela
princesa quando menino já grande (Êxodo.
2:1-10). As águas representam aqui o primeiro artifício pelo qual o “herói”
Moisés, “o retirado das águas”, está condenado a ser um instrumento de Deus.
Depois, Moisés se envolve em uma altercação e mata um egípcio que feriu um
varão hebreu e foi obrigado a exilar-se (2:11-15).
Deus
fala a Moisés e promete-lhe livrar os israelitas, o povo eleito, do jugo
egípcio (3:7-10); como o novo faraó tem o coração obstinado e não cede, o Deus
irascível manda toda sorte de pragas aos egípcios: das águas tornando-se
sangue, das rãs, dos piolhos, das moscas, da peste nos animais, da saraiva, dos
gafanhotos, das trevas, da morte dos primogênitos, do mar que engole os exércitos.
É
preciso ressaltar que é Deus quem faz o coração do faraó ser obstinado para Seu marketing pessoal: — “Mas deveras
para isto te mantive, para mostrar o meu poder em ti, e para que o meu nome
seja anunciado em toda a Terra” (9:16).
Deus
manda: — “...guie o povo pelo caminho, e anuncia a ruína dos egípcios...”
(14:26). Assim, os israelitas têm a passagem pelo meio do mar aberta enquanto
os egípcios perecem.
O
Senhor dita os mandamentos de caráter moral (20:1-26); as ordenanças de caráter
social (21:1 — 24:11); e os regulamentos de caráter religioso (24:12 — 31:18).
E dá a Moisés as duas Tábuas do testamento de pedra, escritas com o dedo de
Deus (31:18).
A
infração da lei, o culto ao bezerro de ouro, provoca a ira de Deus; Moisés
suplica clemência para o seu povo e “então o Senhor arrependeu-se do mal que
dissera que havia de fazer ao seu povo” (pela interferência de Moisés, que
intercede por seu povo, Deus, agora não mais irascível, mas submisso, muda de ideia.
Para quem não era tão eloquente, nada mal.)
Porém,
Moisés, ao contemplar a transgressão, ficou furioso e “arremessou as Tábuas de
suas mãos, e quebrou-as ao pé do monte (32-19). Como castigo, Moisés manda
matar, em nome do Senhor, os idólatras: “e caíram do povo aquele dia uns três mil
anos” (32-28). O povo é obstinado!, mas Deus, zeloso. E do alto de sua
misericórdia, concede novas Tábuas dos Dez Mandamentos (34-1), nas quais Ele
estabelece um pacto com os homens. Moisés, portanto, dando vazão a sua ira,
encontra um Deus obsequioso, pronto a esculpir novas pedras da lei quando necessário.
Há de se notar, ainda, que os encontros com Deus têm caráter privado: “E
ninguém suba contigo, e também ninguém apareça em todo monte” (34:3).
5. Duas esculturas
A
estatueta de Moisés (de 1180),
atribuída a Nicolas de Verdun, retrata um ancião irado que aperta suas
madeixas. Nada do vigor físico do Moisés de
Michelangelo.
Por
outro lado, em o Poço de Moisés
(1395-1406, Cartucha de Champmol, Dijon), de Claus Sluter, embora o artista
tenha erigido uma figura de 1,83 cm, a expressão do velho Moisés guarda mais
uma textura de penar e não lembra a força e a robustez do idoso retratado por
Michelangelo.
CLAUS SLUTER. O
Poço de Moisés. 1395-1406 [6].
Alt. das
figuras. c. 1,83 m. Cartucha de Champmol, Dijon.
Acrescente-se, ainda, que a mão direita
de Moisés, na obra de Sluter, sustenta as Tábuas da Lei em apenas uma das
bandas [7], no seu lado superior. Não há displicência neste ato, mas quase uma
desistência da crença na eficácia de uma arma que Moisés supunha poderosíssima
(suas Tábuas) diante daquele povo ímpio, obstinado em adorar o bezerro de ouro
e demonstrando-se indômito. Daí o ato de fúria de arremessar as pedras [8] e o
recurso da reedição das Tábuas pelo escultor divino, o qual mantém seu atelier
no Monte Sinai de prontidão para convencer os incrédulos dos poderes de Moisés;
o que nos assinala um líder político arguto, ladino e afinado com o que hoje
chamaríamos de realismo político.
6. A análise de Freud
Além de haver hesitado, por um bom
tempo, em publicar Moisés de Michelangelo,
quando o fez, Freud apresentou-se anonimamente [9], existindo um intervalo de
dez anos entre sua primeira aparição (1914) e a revelação da identidade de seu
autor (1924). Era para ele uma obsessão: visitou várias vezes a estátua, e,
ainda, mandava lembranças a “Moisés” através daqueles que viajavam a Roma (GAY, Peter, 1989, p. 293).
Desenho do
ensaio de
Freud sobre Moisés
[10].
Notamos, logo no primeiro parágrafo do
texto, um pedido de indulgência de Freud a seus leitores, uma vez que ele não é
um especialista em arte, mas “simplesmente um leigo” (FREUD,
1976, p. 253). Pretensa
humildade, pois somos informados logo adiante (Ibidem, p. 254) que a interpretação
para se descobrir a intenção do artista foi franqueada com o instrumental da
psicanálise.
Freud adorava decifrar enigmas e
atormentava-se quando não conseguia fazê-lo (GAY, Peter. Op. cit.,
p. 292). É preciso, segundo
ele, compreender o efeito produzido pelas obras de arte que intriga o
observador; aduzindo que, ao não apreendê-lo, sucede o desprazer. Por isso, o
tema da obra é mais atraente, embora aos artistas as propriedades formais
muitas vezes chamem mais a atenção.
[À esquerda] Túmulo do papa Júlio II [11],
do qual a estátua de Moisés é fragmento. c. 1512-1516.
[À direita, detalhe] MICHELANGELO. Moisés. c. 1513-1515.
A
obra cujo significado e conteúdo será objeto de análise é a estátua sedestre de
Moisés (altura de 2,35 m), situada na
Igreja de San Pietro in Vincoli, em Roma. Ela é fragmento e guardiã, entre
outras, do túmulo do papa Júlio II, e estima-se ter sido construída entre 1512
e 1516.
Freud
relata a dificuldade de acesso (“os íngremes degraus”), e que é necessário
aturar “o desgracioso Corso Cavour” para poder, finalmente — a Terra Prometida
(!) —, “suportar o irado desprezo do olhar do herói”; e, às vezes, Freud
identificava-se à turba alienada, objeto de censura do olhar de Moisés (FREUD.
Op. cit., p. 255). Ora, isto faz parte do trabalho do intérprete ou ele também
se considerava, em alguma instância, um infiel?
Moisés,
o Legislador dos Judeus, segurando as Tábuas dos Dez Mandamentos, lá está
representado. Todavia, a crítica de arte em relação a este trabalho não é
consensual e até mesmo a contradição parece condensar a maior parte das
opiniões, uma vez que ele é julgado de formas as mais díspares possíveis; o que
explica a preocupação freudiana em fazer um inventário completo das outras
leituras por que passou a obra de Michelangelo.
A
descrição:
O Moisés
de Michelangelo é representado sentado; o
corpo volta-se para frente, a cabeça com a pujante barba olha para a esquerda,
o pé direito repousa sobre o solo e a perna esquerda acha-se levantada de
maneira que apenas os artelhos tocam o chão. O braço direito une as Tábuas da
Lei a uma parte da barba e o esquerdo repousa sobre o colo (Ibid., 1976, p. 256).
A expressão facial de Moisés nas palavras de
Thode, citado por Freud é:
...uma mescla de ira, dor e
desprezo (...) ira em suas sobrancelhas ameaçadoramente contraídas, dor no
olhar e desprezo no lábio inferior saliente e nos cantos da boca, voltados para
baixo (Ibid., p. 257).
MICHELANGELO. Moisés.
Detalhe [12].
c. 1513-1515.
Os cornos
míticos ostentados na fronte “representam a luz radiante que veio ao rosto
de Moisés após ver Deus” (GAY,
Peter. Op. cit., 293). A tensão psíquica é tão grande que levou muitos a
pensarem que a moldura canhestra não conseguiria enquadrar tanto vigor. Mas,
afinal, o que está sendo retratado? Qual a intenção do artista e por que ele
construiu tal obra?
A tranquilidade está por um fio, aí vem a
tensão? Moisés está por levantar-se ou reprimiu este desejo? A tensão nas
pernas, os artelhos arqueados, indicam o início ou o final de uma ação?
O Moisés
de Michelangelo é a figura do legislador ou do colérico personagem bíblico que
quebra as Tábuas recebidas “de Deus”?
Nos diz o texto bíblico que Moisés traz
as Tábuas e se decepciona ao perceber que o povo adorava o Bezerro de Ouro e,
portanto, argumentam alguns, o momento retratado é o que precede a explosão de
ira, destruindo as Tábuas no chão e vingando-se do povo infiel (não por sua
vontade, mas por desígnio de Jeová).
No entanto, Freud pondera que a estátua
de Moisés, participante do conjunto de outras que estão recostadas, quase
deitadas na parte superior do túmulo, tem também efeito decorativo e seria
incômodo, estranho e desarmônico que o artista mostrasse um dos integrantes
prestes a abandonar seu posto de guarda, deixando seus companheiros; porém, com
isso, ressaltou-se, sim, a força de sua individualidade: um ancião forte,
robusto, que traz as Leis com estatuto divino.
Por outro lado, Michelangelo representa
Giuliano de Medici sentado em repouso em sua Capela, e o pé esquerdo também
aparenta a menção de movimento encontrada em Moisés.
MICHELANGELO. Túmulo de Giuliano de Medici [13].
c. 1524-34.
Mármore; alt. da figura central 1,80 m.
Sacristia
Nova, San Lorenzo, Florença.
Moisés segura as Tábuas com firmeza, diz
Freud, pois são objetos sagrados, e seus movimentos estão na realidade
confinados ao domínio da representação artística do movimento e da
interpretação, uma vez que o mármore prende Moisés firmemente, de maneira mais
poderosa do que, diríamos nós, uma fotografia faria a um outro ser representado
nela; se a cólera é percebida, ela é também encarcerada.
Um estudo do caráter: um líder a quem
cabe trazer os desígnios de Deus à turba inconstante e alienada. Ira, desprezo
e sofrimento: como trazer a Lei ao mais completo desregramento?
Não estamos diante do Moisés histórico,
mas de um tipo de caráter enérgico contra uma exterioridade hostil, que ele
quer controlar.
É necessário, afirma Freud, diante do
enigma observarmos os detalhes considerados de menor importância, os quais
poderão tornar-se chaves de análise e compreensão. E aí temos uma advertência:
verificar o não importante, o detalhe. Como, por exemplo, a posição da mão
direita e a das duas Tábuas da Lei serão alvo de sua atenção.
MICHELANGELO. Moisés. Detalhe [14].
c. 1513-1515.
A
curva da barba, diz Freud, está sinalizando a anterior trajetória da mão
direita, reflexo da indignação de Moisés para com o povo ímpio; ele abandona
sua calmaria diante da percepção dos transgressores que adoravam o Bezerro de
Ouro, e volta contra si sua indignação ao agarrar firmemente a barba para
conter sua cólera; aí, levanta o pé esquerdo anunciando um movimento. Todavia
sua mão direita voltará a abrir-se em virtude de outro fator: as Tábuas, que
eram carregadas por Moisés de forma invertida, devido à saliência que dá apoio
a seu portador, são abandonadas em sua fúria e, no momento do perigo, são
capturadas pela pressão do braço junto ao corpo; porém, sendo insuficiente,
esse gesto depende do retorno da mão direita que deixa escapar a barba, sem
desvencilhar-se dela em seu todo, retendo a borda superior das Tábuas de seu
impulso anterior, evitando, assim, despedaçá-las.
Desse
modo, o registro não é de um momento particular da vida do profeta. Moisés é
guardião do túmulo e sentinela das pedras sagradas. Observamos a ação suspensa,
e não uma ação violenta por se iniciar.
Em seu primeiro transporte de
fúria, Moisés desejou agir, levantar-se, vingar-se e esquecer as tábuas; mas
dominou a tentação e permanecera sentado e quieto, com sua ira congelada e seu
sofrimento mesclado de desprezo. (...) foi para preservá-las (as tábuas) que
manteve contida sua paixão (FREUD,
1976, p. 272).
A
lembrança de sua missão o impediu de expressar seus sentimentos. Assim temos “não
o prelúdio de uma ação violenta, mas os resquícios de um movimento encerrado”.
Vemos “a passagem de uma violenta rajada de paixão através de sinais deixados
por ela na calma que se seguiu”. Portanto, estamos diante de um Moisés
artístico e não o da Bíblia.
Nesta,
o Êxodo é eivado de contradições,
incongruências, como bem observa Freud (Ibid., p. 274).
O
povo corrompendo-se (Êxodo. 32:7),
afasta-se dos caminhos estipulados por Deus (32:8), que não quer concorrência
(o Bezerro de Ouro = outros ídolos) (32:10), ou seja, o monoteísmo deseja o
único chefe e não as dissensões das tribos.
Mas
o Senhor “arrepende-se” do mal que dissera que faria a seu povo (32:14) (nacionalista!), sendo adiado o castigo (32:34).
Ao
artista é dada a licença poética: Freud nos diz que Moisés tem seu caráter
alterado por Michelangelo; enquanto o bíblico era impetuoso e sujeito a crises
de paixão (que o fez matar um egípcio e quebrar as Tábuas da Lei), a criação do
artista não permite que Moisés quebre as Tábuas, apercebendo-se das consequências
funestas de tal ato (um mundo sem regras).
Acrescenta
Freud que há
algo de novo e mais humano
junto à figura de Moisés; de modo que a estrutura gigantesca, com a sua
tremenda força física, torna-se apenas uma expressão concreta da mais alta
realização mental que é possível a um homem, ou seja, combater com êxito uma
paixão interior pelo amor de uma causa a que se devotou (FREUD.
Op. cit., p. 275).
Freud,
porém, omite o artifício mosaico da duplicata das Tábuas: de autoridade,
monoteísmo, monoobediência.
Seria
humana a repressão? “Humana,
demasiada humana”, diria Nietzsche.
As
circunstâncias da escrita do texto são contemporâneas do distanciamento entre
as ideias de Freud e as de Jung.
E
podemos entender que a leitura de Freud sobre a estátua de Moisés funciona como
uma identificação projetiva, pois o legislador conseguiu a vitória sobre suas
paixões, e Freud queria o mesmo; porém, como ele não era o “seu” Moisés de
Michelangelo, desejava eliminar seus traidores.
Destarte,
era na luta por autodisciplina e na coerção de seus ímpetos especulativos, que
observava a necessidade de controlar sua fúria interior. Neste sentido, o
estudo é um ato sublimatório, no qual o mecanismo da produção intelectual
aliviava-o de suas tensões crescentes em relação a “seu” povo infiel.
Freud
gostaria de ser o estadista controlado de Michelangelo, mas talvez,
internamente, pulsava-lhe a veia do impulsivo líder religioso [15].
Por
outro lado, a figura do pai e da religião encontram, também, suas expressões requisitando
da turba as regulações morais da renúncia e abnegação; a internalização da
regra como pacto social de convivência que instaura a cultura.
7. Psicanálise e poder
De
nosso ponto de vista, Moisés aparece como um líder político cuja identidade com
Deus tem por objetivo domar aquele povo rebelde que escapa do jugo egípcio
através da ira divina (e há aí um ingrediente de sabotagem contra o Estado egípcio,
revestido do belo nome de “pragas divinas”).
Para
debelar as frequentes revoltas, é preciso pulso, energia, repressão,
assassinatos...; o crime que pôs fim à horda primitiva e instaura a cultura não
poderia ser substituído pela força argumentativa.
O grande homem é um substituto
do pai. (...) a massa, para exprimir-nos assim, tem para com o grande homem a
mesma relação que frente ao pai primitivo: admiração que beira o fascínio,
desejo masoquista de submissão, sede de autoridade; mas também é capaz de
inverter a situação e de denegrir, maltratar e assassinar a personagem a quem
atribui liderança (MEZAN.
Op. cit., 501).
E
aqui se manifesta a hostilidade frente à coerção pulsional.
O
povo infantilizado poderia agir de outra forma? Quem recebe a chancela, o
carimbo da autoridade, permanece livre? Por que estranhar, então, que o
indivíduo que renunciou a seus impulsos pulsionais queira, agora, a máxima
proteção? Ele não fez isso exatamente para haver a convivência social? Moisés
relata que leva seu povo por caminhos de provas e dificuldades, ao final do
qual encontrarão a Terra Prometida: caso esta promessa apareça sempre como
miragem, ficção, por que a surpresa se a turba quiser degolar seu pai — seja
ele quem for?
Notamos,
de outra parte, que a preocupação pela falta de regras é demasiada, já que o
ato de fundação da cultura está garantido pela reposição constante das pedras “sempre
sagradas”.
Entretanto,
se o mundo exterior é fonte de perigo (FREUD, 1979, p. 73), a religião surge
como sistema de doutrinas e promessas que explica os enigmas deste mundo e que
garante a existência de alguém que zela por nós, e nos pagará pelos sofrimentos
vividos aqui na Terra (Ibid., p. 74).
Já
a Igreja Universal, percebendo a deficiência da promessa em um mundo melhor no
pós-vida, recruta seus seguidores através da (pretensa) ideia de recompensa “aqui
e agora”.
Apesar
disso, o princípio do prazer nos impele a escapar da infelicidade, pois:
A vida, tal como nos é
imposta, é dura demais para nós; nos traz muitas dores, decepções, tarefas
insolúveis. Para suportá-la, não podemos prescindir de analgésicos. Existem,
talvez, de três categorias: as distrações poderosas, que atenuam nossa miséria;
satisfações substitutivas, que a reduzem; e entorpecentes que nos tornam
insensíveis a elas (Ibid., p. 75).
Dada
a infelicidade, o corolário é o ódio à civilização; uma vez que o desejo é
impotente, se frustra continuamente, às vezes, ouvimos: “não posso desejar que
não adianta!”
Mas,
indagamos, de qual magnitude é a renúncia pulsional?
No
capitalismo, como bem frisou Hélio Pellegrino (PELLEGRINO, 1987, p. 200), “a
intensidade da repressão existe não apenas em função das exigências do processo
civilizatório, mas da injustiça social, que é preciso garantir — e manter —
pela força”.
As
paixões humanas (originárias de Eros, pulsão de vida e de Thanatos, de morte)
são submetidas em função do pacto civilizatório, através do qual a convivência
social, para existir, exige a repressão da agressividade, a domesticação e a
internalização constante de normas (superego cultural) e regras que enquadrem o
sujeito.
Mas,
se “o desejo não encontra satisfação definitiva e não para de renascer de suas
satisfações efêmeras” (KEHL, 1988, p. 474), como suportar a incessante desprazer
causado pelas normas regulatórias? Estas, em última instância, são veículos de
interdição e coerção reiterados das pulsões. As overdoses de repressão a que são submetidos os mais miseráveis
indica a necessidade do poder em não apenas amestrar os indivíduos, mas
humilhá-los.
‘Na verdade’, dirá Freud, ‘a
agressividade é uma fonte de prazer a que, como os outros prazeres, os seres
humanos relutam em renunciar após tê-lo experimentado.’ ‘Não se sentem bem sem ela’, diria Freud
(GAY, P. Op. cit., p. 498).
Porém,
Freud argumenta (GAY, P. Loc. cit.) que a “agressão não foi criada pela
propriedade”, e, portanto, não iria ser eliminada com sua abolição.
Ora,
se a propriedade não é mãe da agressividade, o inverso é verdadeiro, ou seja, a
propriedade é produto da agressão, da violência, da exclusão.
Recordemos
Rousseau:
Se ‘o homem nasce livre, e por toda parte
encontra-se a ferros’ [16], isto se explica porque ‘o verdadeiro fundador da sociedade civil
foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu
e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes,
guerras e assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele
que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus
semelhantes’: ‘Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se
esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém!’ [17]
E,
caso Freud esteja correto ao afirmar que “o
combate entre Eros e a Morte, a pulsão de vida e a pulsão de destruição, é o
conteúdo essencial da vida como tal, e portanto deve-se descrever a evolução
cultural, em suma, como a luta vital da espécie humana” (Apud GAY, P. Op.
cit., p. 499), não estaria a cultura disponível para amortizar a pulsão de
destruição e, por outro lado, oferecer pretensas substituições para satisfazer
a pulsão de vida? E a estratégia seria criar sentidos ilusórios para a
existência, impregná-la de razão, dado que os instintos devem contentar-se com
a satisfação virtual. Daí, então, a sobrerrepressão — mencionada por Marcuse —
na sociedade capitalista, cuja selvageria encontra no Brasil seu momento de
paroxismo. Neste país, o pacto é realizado com patos, onde
prevalece o toma lá, sem o dá cá (PELLEGRINO, 1987, p. 202), o que pode fazer
cair por terra, através da ruptura do outro lado, tanto o pacto social como o
primordial (Ibid., p. 203).
8. Conclusão
Há
limites para tanta degradação social? Não sabemos. Porém, cabe-nos indagar: se “a
sublimação criou a cultura, e esta não passa de um subproduto da infelicidade
humana” (KEHL, op. cit., p. 483), o que podemos fazer? Devemos jogar a criança
fora com a água suja do banho? Ou perceber que a inteligência, “fruto da luta
entre a onipotência dos desejos e os limites da realidade” (Ibid., 1988), pode engendrar
uma existência sem tantos limites, onde os movimentos dos corpos e mentes não
sejam objeto da circunscrição dos interditos, e na qual a psicanálise [18]
apareça não como código disciplinar, mas como uma ética emancipatória sem
códigos.
Caso
uma vertente da psicanálise permaneça míope para o problema da luta de classes,
e da sobrerrepressão intrínseca nestas sociedades [19] continuaremos num mundo
que “tal como está, não serve”, como dizia Hélio Pellegrino (PELLEGRINO, apud
KEHL, 1988, p. 473).
Como
o mundo continua sem alteração, verificamos que a
Sociopatia e delinquência são
faces de uma só moeda (...) É preciso mudar o modelo econômico e social
brasileiro, por uma questão de higiene mental, moral e política. Por uma
questão de vergonha (PELLEGRINO,
1987, p. 203).
Clamor
sempre atual na sociedade brasileira. Do contrário, seremos constantemente
vítimas da história dos vencedores e de seus discursos [20]. Se perguntarmos
para o opressor se ele se sente culpado, obteremos uma resposta como a exemplificada
numa cena que criamos:
NAZISTA: Eu? Faço tudo para o bem da humanidade. Sou
feliz cumprindo o meu dever, porque o progresso tem como razão a violência:
NARRADOR EM “OFF”:
O progresso como razão e violência. Ou a
história dos vencedores ou da servidão.
APARECE O
LETREIRO COM A INSCRIÇÃO:
(FALA EMPREENDIDA ANTES DA TOMADA DO PODER).
NAZISTA:
Onde olhas favelas, verás jardins
Pobres e esfarrapados, crianças sadias
Rugas e velhice, juventude e beleza
Ovelhas desgarradas, estudiosos
Grande bagunça, ordem impecável
Rios imundos, água cristalina
Encalhes de produtos, vendas mil...
Sarampo e outras epidemias, a panaceia
Soluços e gemidos, alegria e contentamento
Ócio, trabalho.
Construiremos
o futuro
O progresso para todos
Muitos benefícios
Orgulho nacional.
DESCE O
LETREIRO COM A INSCRIÇÃO:
(AÇÃO EMPREENDIDA DEPOIS DA TOMADA DO PODER)
Respeita o teu senhor!
Apaixona-te pelo que faz, mesmo que a
contragosto
Zanzar em hora de serviço, jamais!
Anões desqualificados, não de acordo com a
estética
Oh! Nosso país de homens perfeitos!
E sempre a postos para responder:
Venho cumprir as determinações
Irei obedecer-lhe cegamente (obede-servos,
ser-te)
O senhor é o meu comando
Liberdade é segui-lo
Em circunstâncias quaisquer,
Nós estaremos aqui para defendê-lo
Caminhamos sob sua luz
Imploramos a sua compreensão
Amamos o seu progresso. Ele é nosso também. [Poema
de minha autoria.]
BIBLIOGRAFIA
Bíblia Sagrada. Êxodo, p. 71-124. Trad. João
Ferreira de Almeida. Sociedade Bíblica do Brasil & Editora Vida. 1984.
CHÂTELET, Albert &
GROSLIER, Bernard Philippe.
História da Arte.
Portugal: Ed. Américo Fraga Lamares & Cia., Ltda., 1991.
FREUD,
Sigmund. El malestar en
la cultura. In: Obras
completas, vol. 21 (1927-31), pp. 59-139. Buenos Aires: Amorrutu Editores,
mayo 1979.
_______.
O Moisés de Michelangelo (1914). In: Obras
completas, vol. XIII. RJ: Imago, 1976.
GAY, Peter. Freud. Uma vida para o nosso tempo. SP: Companhia das Letras, 1989.
JANSON, H. W. História da arte. SP: Martins Fontes, 5 ed., 1982.
KEHL, Maria Rita. A psicanálise e o domínio
das paixões. p. 469-496. In: Os sentidos
da paixão. CARDOSO, Sérgio et alii. SP: Funarte e Companhia das
Letras, 1988.
LETTS, Rosa Maria. O renascimento In: Introdução à História da arte da
Universidade de Cambridge. RJ:
Zahar Editores, 1984.
MEZAN,
Renato. Freud. Pensador da cultura. SP:
Brasiliense, 4ª ed., 1986.
PELLEGRINO,
Hélio. Pacto edípico e
pacto social. p. 195-205. In: Grupo sobre
grupo. Org. Luís Alberto Py. RJ:
Rocco, 1987.
ROUSSEAU, Jean-Jacques.
Do contrato social. SP:
Abril Cultural, 2ª ed., 1978.
_______.
Discurso sobre a origem e os fundamentos
da desigualdade entre os homens. SP: Abril Cultural, 2 ed., 1978.
WÖLFFLIN, Heinrich. A arte clássica. SP:
Martins Fontes, 1990.
WOODFORD, Susan. A arte de ver a arte.
In: Introdução à História da arte da
Universidade de Cambridge. RJ: Zahar Editores, 1983.
OUTROS
(filmes)
SOBRE MICHELANGELO
Agonia e êxtase. 1965. Elenco: Charlton Heston, Rex Harrison. Direção:
Carol Reed.
SOBRE MOISÉS
Moisés. 1989, 141 minutos.
Filme dirigido por Gianfranco de Bosio.
Os dez mandamentos.
1956, 3h39m. Filme dirigido por Cecil B.
DeMille.
FONTES DAS ILUSTRAÇÕES
Disponível em:
____________________________
Notas
[*]
Agenor Bevilacqua
Sobrinho é doutor em Artes Cênicas pelo CAC/ECA-USP e Mestre em Artes pelo
Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (IA-UNESP). É pesquisador
do Grupo de Pesquisa Estudos histórico-críticos e dialéticos de teatro estadunidense
e brasileiro (CNPq). Editor, dramaturgo e escritor, é autor de Atualidade/utilidade do trabalho de Brecht. Uma abordagem
a partir do estudo de quatro personagens femininas, A Lente, A Guerra de Yuan, O Rato Pensador (todos pela
Editora Cia. Fagulha: www.ciafagulha.com.br) e de vários artigos
publicados em revistas especializadas.
[1] Disponível em: <http://www.onlinekunst.de/maerz/06_03_5_Michelangelo.htm>.
e
[2]
Moisés, 1989, 141 minutos. Dirigido
por Gianfranco de Bosio e produzido por Vicenzo Labella. Elenco: Burt Lancaster,
Anthony Quayle, Ingrid Thulin, Irene Papas, Laurent Terzieff e outros.
[3]
É da tradição iconográfica personalidades históricas marcantes serem demarcadas
com atributos físicos de vigor e força, e Michelangelo faz o mesmo com Moisés.
[4]
Os dez mandamentos, 1956, 3h39m. Dirigido por Cecil B. DeMille. Elenco:
Charlton Heston, Yul Brynner, Ann Baxter, Edward G. Robinson, Ivonne de Carlo e
outros.
[5]
Pentateuco - Os cinco primeiros livros do Velho
Testamento, atribuídos a Moisés: o Gênese,
o Êxodo, o Levítico, o Números e o Deuteronômio.
[6]
Disponível em: <http://www.bc.edu/bc_org/avp/cas/fnart/art/n_ren/sculpture/sluter012.jpg>.
(conjunto) e <http://www.bc.edu/bc_org/avp/cas/fnart/art/n_ren/sculpture/sluter014.jpg>.
(rosto)
[7]
Neste sentido, estranhamos grande parte da preocupação de Freud quanto à
posição destes “objetos sagrados” na obra de Michelangelo (“Vemos que as Tábuas
estão de cabeça para baixo, o que é uma maneira singular de tratar objetos
sacros” - FREUD, S. 1976, p. 269), pois, logo adiante, a “maneira singular”
seria esquecida e a posição das Tábuas explicada para efeito de alicerçar seus
argumentos da forma mais prosaica e utilitarista.
[8]
Gesto revestido de um caráter teatral exemplar.
[9]
Como observa Renato Mezan (1986, p. 396-397), Freud, não conseguindo dominar
suas próprias paixões (“a mais alta realização mental”), e “entregando-se à
cólera, fará todo o possível para excluir de suas hostes os adoradores do
Bezerro de Ouro: na impossibilidade de coincidir com seu modelo, reconhece sua
inferioridade e a assinala pela recusa em associar ao nome de Moisés o seu”.
[11] Disponível em: <http://www.kfki.hu/~arthp/html/m/michelan/1sculptu/giulio_2/index.html>.
(fig. da esquerda)
[12]
Disponível em: <http://www.onlinekunst.de/maerz/06_03_5_Michelangelo.htm>.
[13]
Disponível em: <http://www.kfki.hu/~arthp/html/m/michelan/1sculptu/giulio_2/index.html>.
[14] Disponível em: <http://www.onlinekunst.de/maerz/06_03_5_Michelangelo.htm>.
[15]
De acordo com MEZAN, R. (Op. cit., 396), a presença reiterada de Moisés mostra
a identificação com o fundador do judaísmo, incompleta, pois Moisés vence sua
paixão em nome da “missão à qual se consagrara”. Mas Freud se sente incapaz de
realizar o “feito mais elevado” que consiste em dominar suas próprias paixões.
Ao contrário, Freud adoraria eliminar Jung.
[16]
ROUSSEAU. Do Contrato Social; Livro
primeiro, Cap. I, p. 22; Abril, 1978.
[17]
ROUSSEAU. Discurso sobre a origem e os
fundamentos da desigualdade entre os homens; Segunda parte, p. 259; Abril,
1978.
[18]
Segundo PELLEGRINO, H. Édipo e Liberdade.
Folha de S. Paulo, 1985, “a psicanálise
pretende curar o ser humano de suas ilusões. Ela não acredita na bondade
fundamental do homem, nem parte do princípio de que o processo civilizatório é
uma rampa ascendente de sucessivas vitórias que chegarão, necessariamente, à
plenitude do amor por todos”.
[19]
“Numa sociedade sem classes, dispensada da
violência repressiva necessária à manutenção da injustiça, haverá mínima
renúncia pulsional.” (PELLEGRINO,
1987, p. 200).
[20]
E embustes, como, por exemplo, a ideologia da “globalização” ou da “desglobalização”,
do “terraplanismo” etc.
*****
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