Carbono 14 estético. Em busca de dramaturgos essenciais. Por Agenor Bevilacqua Sobrinho

Carbono 14 estético. Em busca de dramaturgos essenciais.

Por Agenor Bevilacqua Sobrinho


Orcid: orcid.org/0000-0003-4528-8776

Publicado anteriormente em: Revista UniABC - Humanas, v. 1, n. 1, 2009, p. 44-78, 2011.

NOTA PRELIMINAR, de Maria Sílvia Betti: 

Este texto foi reelaborado a partir de um artigo acadêmico anterior, publicado em 2009 na Revista UniABC - Humanas, publicação da UniABC. Essa Universidade depois ficou sob o controle administrativo do grupo Anhanguera, que em 2013 fundiu-se à rede Kroton, criando assim a maior companhia de educação do mundo. 

Demissões em massa dos professores da UniABC vinham sendo realizadas desde 2010, e a fusão com a Kroton deu prosseguimento acelerado a essas megademissões, numa demonstração cabal da prevalência da lógica empresarial predatória e precarizante em relação ao ensino e ao trabalho docente.

A publicação dele no blog da Editora Cia. Fagulha tem a finalidade de alertar os leitores sobre a necessidade da articulação de uma luta continuada e intensa pela defesa da educação e do trabalho formativo exercido pelos professores em todos os seus níveis.



Carbono 14 estético.

Carbono 14 estético. Em busca de dramaturgos essenciais.

Por Agenor Bevilacqua Sobrinho [1]





Resumo

Com a técnica do Carbono 14 estético, este trabalho procura examinar critérios de datação de obras de dois dramaturgos brasileiros: Nelson Rodrigues e Oduvaldo Vianna Filho (Vianinha). A partir de textos aqui considerados como paradigmáticos desses autores, verificamos sua atualidade ou defasagem referente ao presente contexto histórico da sociedade brasileira.

Palavras-chave: Datação, atualidade, essencial, velho/novo.


Abstract

Using the aesthetic Carbon 14 technique, this work seeks to examine dating criteria in the works of two Brazilian playwrights: Nelson Rodrigues and Oduvaldo Vianna Filho - Vianinha. Based on texts by these two authors considered as paradigmatic, we verify how current or outdated they are concerning the present historical context of Brazilian society.
                                                                                                  
Keywords: Dating, current, essential, old/new.



Resumen

Con la técnica del Carbono 14 estético, este trabajo busca examinar los criterios de fechar las obras de dos dramaturgos brasileños: Nelson Rodrigues y Oduvaldo Vianna Filho (Vianinha). A partir de textos considerados como paradigmáticos de estos autores, verificamos su actualidad o su desactualidad en relación al presente contexto histórico de la sociedad brasileña.

Palabras-llave: Fechar, actualidad, esencial, viejo/nuevo.




Introdução

O isótopo 14 do carbono serve para a datação em arqueologia e em geocronologia. Como as obras teatrais procuram penetrar na sociedade para comentá-la de maneira mais ou menos crítica, mais ou menos reacionária, mais ou menos contestatária, poderíamos pensar num sistema que permitisse datar amostras de origem dramatúrgica. Por empréstimo da física, o chamaremos de Carbono 14 estético.
Selecionamos dois textos por nós considerados paradigmáticos de dois dramaturgos brasileiros: Nelson Rodrigues (Dorotéia) e Oduvaldo Vianna Filho - Vianinha (Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come), em parceria com o poeta Ferreira Gullar. Nosso fito é averiguar a atualidade ou defasagem referente ao presente contexto histórico da sociedade brasileira.
Primeiro observamos os instrumentos considerados mais precisos para evidenciar a contemporaneidade ou não das obras. Por exemplo, o quadro de referência intratextos e a época em que são lidos. Ao utilizarmos critérios de atualidade, o fazemos para verificar se a recepção permanece forte ou esmaecida.
Em seguida, questionamos a maneira pela qual se classificam os dramaturgos tidos como essenciais. Esta característica permanece quando não sobram vasos comunicantes da obra com o leitor?
Depois, analisamos a questão do velho/novo. A reconfiguração político-social de um país não envelheceria de forma demasiada algumas peças tidas como atuais num período bem próximo?
Finalizamos este trabalho contemplando as novas perspectivas que se abrem ao Brasil a partir de 2020.


Parte 1 - Dorotéia ou o retrato da mulher rodrigueana.

1.1      Ideias mofadas

Caso Ziembinski se equivocara ao dar uma impostação trágica (MAGALDI, 1981, p. 30), na montagem de Dorotéia, cuja estreia de sete de março de 1950 redundou em malogro, qual seria a participação do dramaturgo neste feito? Será que ele não pôde conversar com o diretor polonês antes da estreia?
Sábato, organizador das obras completas de Nelson, comunica-nos porque incluiu Dorotéia entre as peças míticas.

Aí estão, sem nenhum intuito catalogador, diversos mitos: o do sexo envolto na ideia de pecado, o de beleza ligado à maldição, a doença como purificadora da alma, a feiura como espantalho do demônio, a condenação do filho rebelde a retornar ao útero materno, a recusa do próprio corpo conduzindo à rigidez da morte, o artifício como antônimo da vida (Ibid., 1981, p. 31).

Vamos ler o texto de Nelson (RODRIGUES, 1981, p. 193-253). Daí teremos condições de nos posicionarmos com nitidez.
Primeiro ato. Três primas viúvas, D. Flávia, Carmelita e Maura, vestem-se de maneira a ocultar qualquer resquício de suas curvas femininas. Estão em eterna vigília. Não dormem para jamais sonhar. No sonho rompem volúpias secretas e abomináveis. As senhoras vivem com a adolescente Maria das Dores, tratada apenas por Das Dores (Ibid., p. 197).
Abomináveis por quem? A rubrica assevera algo que o autor recomenda? As dores que se carregam no nome são fatalidade? [2]
Dorotéia bate à porta. Diz ser parente. É confundida com outra de mesmo nome que se suicidara. A senha de entrada para um parente é saber da náusea (repúdio ao ato pecaminoso) de homem na noite de núpcias (Loc. cit.), sina familiar inaugurada pela bisavó, que se casara com homem distinto do que amava. Pecara contra o amor e a “tragédia” é extensível aos membros da família por todos os tempos (Ibid., p. 198 e 200-201).
A fórmula da ligação sexo-pecado, nos dias de hoje, soa empoeirada. As redes evangélicas na televisão falam abertamente de preservativos e da vida sexual de casais. Mesmo na Igreja Católica, os padres procuram ter mais bom senso do que intolerância. Além disso, o próprio fato de Nelson Rodrigues ter sido assimilado pela Vênus Platinada, a TV Globo, como “queridinho”, demonstra de maneira cabal as afinidades eletivas recíprocas.
Também, a ideia de destino inelutável é boa para enganar incautos, que aguardam com fervor para conhecer as determinações contidas na página 9.967 do destino e, assim, saber o que sucederá no dia de hoje às 15 horas. Mas utilizar tal artifício com quem pensa...
Dorotéia mostra seu belo rosto. Ao contrário das outras que portam máscaras. “Veste-se de vermelho, como as profissionais do amor.” (Ibid., p. 198)
A fixação do dramaturgo carioca em assimilar a mulher bonita, a que tem prazeres sexuais, enfim, a que é saudável, à prostituição, e amaldiçoá-la, em decorrência dessas “quedas”, é permanente na sua produção.
D. Flávia lembra da existência de duas mulheres na família com o mesmo nome. A que morreu e a que se desviou na vida e acabara de chegar. Dorotéia nega. D. Flávia, bem informada, diz saber da vida pregressa da “perdida”, pois as notícias circulam rapidamente na família (Ibid., p. 199).
D. Flávia afirma ser da época dessa notícia que se demarcou a diferença entre elas e Dorotéia, a prostituta. Esta se defende. Só podem estar se referindo à Dorotéia morta. Ela, a viva, sabe bem dos preceitos familiares (Ibid., p. 200).
A inflexível viúva acrescenta que, distintamente de Dorotéia, “as mulheres da família têm um defeito visual que as impede de ver homem”. Quem não tiver essa deficiência (para as viúvas, virtude!) serão condenadas. Elas casaram-se com maridos invisíveis, o que sucederá com Das Dores, que casará no dia seguinte (Ibid., p. 201).
Resguardadas das imagens que os olhos poderiam lhes proporcionar, elas não se expõem à tentação.
Desculpem. É pedir muita paciência, mesmo ao leitor/espectador do tempo do texto/encenação, para aturar essa discussão que mais parece algo relativo ao Comitê das Ligas das Senhoras Católicas de 1930.
O invisível, para o recato das senhoras, vai se decompor diante da náusea (!) Dorotéia morava num quarto (lugar do pecado / da intimidade). E na “devassidão” estava sempre acompanhada de “jarros” (símbolos do contato sexual).
Dorotéia teve um filho (não uma filha, que seria um atenuante) (Ibid., p. 202). Portanto, sem a náusea fatal. Não teve o defeito de visão das outras mulheres da família. Desde garotinha, via os meninos. Mulher, via os homens (Ibid., p. 203).
Enquanto as viúvas-puras moravam na casa onde só existiam salas (lugar público no interior da residência), a libertina Dorotéia vivia em inumeráveis quartos (espaço do perigo para as “puras”, que, mortas-vivas, se libertavam da existência).
Sobretudo, Dorotéia não se negava a ver. E vendo podia excitar-se. Ao inverso das “castas” que, não vendo, reprimiam a emergência do desejo.
Vozes chamavam Dorotéia para a “perdição”. Fugiu com um paraguaio [3], que morreu. Foi para o prostíbulo, dando preferência aos senhores de mais idade (supostamente de melhor condição econômica). Sua atividade financiava a educação do filho. Este adoeceu. O médico avançou sobre a mãe, recriminando-a sobre sua condição de prostituta e cobrando-lhe favores sexuais (Ibid., p. 204-205).
Assim, a morte do filho parece ter sido negligência dupla: do médico, que não se ateve a seus deveres e obrigações; e da mãe, que se largou às insistências do médico e descuidou em atender o filho.
Imputar à mãe tal culpa não é inusitado na obra de Nelson.
Ato desesperado, Dorotéia negou-se a enterrar o filho: “Enterrar, só porque morreu?” O cheiro vindo do quarto chamou a atenção da vizinhança, que a obrigou a separar-se do corpo putrefato do filho, desligando-a de seu único elo afetivo. D. Flávia não se comove e a exprobra: “...não tiveste a náusea da família!” (Ibid., p. 205).
Autoritária, a viúva não dá espaço para o contraditório. Aflita, imagina apenas que deve acontecer o que está escrito nas estrelas (cadentes!). “Mutatis mutandis”, logo veremos a similaridade entre essa guarda de Dorotéia do corpo apodrecido do filho e a guarda de Das Dores, nascida morta aos cinco meses de gestação, e não enterrada (inclusive mentalmente, pois se trata de uma projeção) para poder cumprir as psicóticas necessidades da mãe, D. Flávia.
Com a perda irremediável do filho, Dorotéia resolve retornar à família e “ser uma senhora de bom conceito”. Mas não se encaixa nos requisitos de D. Flávia: A intrusa só fala em quartos (onde a carne e a alma se desviam). Em sala nunca! A casa só tem salas e nenhum quarto, nenhum leito. Só nos deitamos no chão frio do assoalho... Sem nunca dormir! Sempre velando. Para que a alma e a carne não sonhem (Ibid., p. 206).
Enquadrar-se no figurino das viúvas para se converter em “senhora de bom conceito” significa um ritual de mortificação desprovido de sentido. A não ser que essa história não seja mais do que um ato alucinatório de Dorotéia, que se autoexecra num autoflagelo ilimitado. Onde o espaço psíquico se reduziria de forma drástica para incorporar e viver somente com a instância de um superego social (dos séculos XVIII / XIX) e abdicar por completo do equilíbrio entre os princípios do prazer e o da realidade e se refugiar (que lugar péssimo!) na câmara hermética de complexos persecutórios.
Escarificar as personagens e deleitar-se com o feito são outras marcas do velho carioca.
Neste mundo rodrigueano, é sinal de prestígio ser feia, não ter quadris ou mãos que acariciem. É injúria suprema ser linda, doce, amorosa e ter hálito bom. Decididamente, da boca deve emanar qualquer coisa que lembre podridão (Ibid., p. 207).
Bom hálito atrai os homens e põe a mulher em tentação.
Conceder que o dramaturgo estava criticando as instituições (MAGALDI, 1981, p. 36) é não verificar que ele as elimina (Maura e Carmelita) exatamente por não se manterem rígidas e peremptórias em suas posições. Ou seja, morrem (real ou virtualmente) não por serem ultrapassadas, mas por perderem a “coerência” objetivada por D. Flávia.
D. Flávia revela porque a outra Dorotéia se afogou. De ódio. Tinha um corpo nu sob as vestes. E para que não haja dúvida, D. Flávia se vangloria em conjunto com as primas: O nosso corpo é um corpo seco (RODRIGUES, 1981, p. 207).
A mentalidade cristã do velho carioca recupera a tradição do corpo como empecilho para a “espiritualidade”, como óbice para a “pureza”. Sem libertar-se desses códigos, precisa anatematizar os corpos e seus possuidores, que têm de resgatar a dívida do suposto “pecado original”.
Dorotéia está disposta a pagar o pedágio da “virtude” e ser uma igual: sem quadris, ser cega... e ter a náusea.
Mas não é só Dorotéia quem deve purgar suas quedas. No quinto mês de gestação, D. Flávia teve um susto e Das Dores nasceu morta. “Roxinha...” ! Mas não foi comunicada, porque “seria pecado enterrá-la sem ter conhecido o nosso enjoo nupcial. Ela cresceu na ignorância da própria morte” (Ibid., p. 208). Presume que vive. E ajuda nos serviços da casa (Ibid., p. 209).
Um espectro ronda D. Flávia. Das Dores é autonomização de sua fantasia.
Presume que “vive”. Na imaginação de quem? Por que essa autonomia a Das Dores que lhe possibilita ser uma virtualidade completamente exteriorizada? Sua existência “objetiva” é o bálsamo de D. Flávia para não se fugir à regra das núpcias? Mas esta não foi quebrada pela mãe que a pariu morta e, por conseguinte, tornou-a incapaz de realizar no plano real o dever familiar?
Após a morte do filho, o “jarro” persegue Dorotéia, tirando-lhe o sossego. Procura desvencilhar-se da fatalidade: um homem se aproximará e agirei de forma leviana.
Suplica ajuda das primas, que caçoam da intenção dela. Aceita até ser morta, desde que aceita na família (Ibid., p. 209-211).
A mulher que exerce sua sexualidade é “leviana”. Ter prazer é “insano” e nessa marcha logo aparecerão os Cavaleiros do Apocalipse...
O ingresso de Dorotéia não está hipervalorizado? Afinal, por que entrar de sócia num clube cujas integrantes estão velando-se mutuamente?
As viúvas de mãos abertas avançam em direção a Dorotéia. Ela adverte que vai gritar. É demovida por D. Flávia: Não adianta. Está incomunicável. Como Nepomuceno, com quem D. Flávia nutre um desejo inconfessado de um “affair”. Nunca..., diz sonhadora, sobre o “fato” de que ele nunca teve namorada (Ibid., p. 211-212).
Dorotéia parece preocupar-se com sua memória pós-morte. Roga para que as primas falem dela apenas coisas “decentes”. E como “ser bonita é pecado”, pois faz com que os homens se engracem tanto e impede a boa conduta, ela está disposta a adquirir a mesma identidade das primas para ser uma igual. Quer dizer, reduzir-se à feiura [4] das primas, renunciando à beleza do rosto e do restante do corpo. É a fórmula por meio da qual não aparecerá mais nenhum “jarro”.
Por isso, a morte do filho já foi um favor e aviso da Providência, chamando-a para o caminho da virtude (Ibid., p. 212-213). E a compaixão divina prescreve cobri-la de chagas que devorem sua beleza, verdadeiro insulto a Deus (Ibid., p. 214).
A mentalidade que preside essa concepção é a do sofrimento purificando a alma. As santas fogueiras da Inquisição já faziam o mesmo. Mas elas eram contemporâneas de seu tempo, porque este já era anacrônico ao aceitá-las.
Como é impossível ser bonita e ter bom proceder (?!), Nepomuceno, o solitário, fornecerá as chagas em quantidade (Ibid., p. 215). Há pressa e Dorotéia é despachada: “Vá logo!, antes que chegue a sogra de D. Flávia, trazendo seu genro.” Recalcitrante, Dorotéia pede auxílio aos céus. E lamenta ser mulher sem muita instrução (grifo nosso). No fundo da cena aparece o “jarro”. Dorotéia é pressionada. Amaldiçoa-se por sua beleza e roga ser como as primas. Fim do primeiro ato (p. 216).
O estereótipo da mulher bonita e “burra” (sem muita instrução), passível de ser engabelada por esse conto da carochinha de má-consciência, é mais um indício de que as peças que se pretendiam “desagradáveis”, provocando “pestilências” (RODRIGUES, 1949, apud MAGALDI, 1981, p. 13.), não poderiam ultrapassar o mais fastidioso tédio.
Segundo ato. Das Dores clama pelo noivo. Ansiosa, quer saber se terá a náusea nupcial (RODRIGUES, 1981, p. 217). Entra D. Assunta da Abadia. Viúva e de luto. Porta uma máscara hedionda. As mulheres trocam gentilezas entre si elogiando a feiura uma das outras. D. Assunta justifica a razão da entrega do filho, pois se trata de lugar de tantos predicados e exemplo de reputação (Ibid., p. 218-219). A mãe busca o filho, que aguardava na varanda (Ibid., p. 220).
Traz o filho num embrulho, com cordão de presente. Desfaz com dificuldade o nó (lidar com homens) e retira o “filho”: duas botinas desabotoadas (símbolo da presença masculina) (Ibid., p. 221).
Em que pesem o achado formal do “jarro” e das “botinas”, estamos removendo as crostas de reacionarismo concentradas no texto. Ademais, o “escândalo” que se quer insinuar pelo moralismo desenfreado das viúvas e do autor, hoje não produziria mais do que aborrecimento.
Como contraponto, A casa de Bernarda Alba (1936), de García Lorca, que localiza a opressão da matriarca em século anterior, mantém sua atualidade. Porque é um esforço criativo pela liberdade que se espraia e é necessário em qualquer tempo. Denuncia aquelas estruturas em seus escaninhos mais recônditos. Mas sabemos que este autor sempre manifestou aversão aos fascistas, e, coerente com sua escrita, lutou, foi detido e fuzilado em 1936 pelos franquistas na Guerra Civil Espanhola.
D. Assunta despede-se do filho se recriminando por não ter pingado o remédio no ouvido do filho (Ibid., p. 221).
A mãe, ultrapassando suas obrigações, quer tratar do homem em idade de casar-se como se ainda fosse criança, dando ao autor oportunidade de sarcasmo. Porém, D. Assunta obedece ao autor e leva o homem/botina (adulto) para quem ela escolheu (criança sem autonomia). São incongruências do velho carioca que o deixam em posição desfavorável.
Das Dores, que pensa poder falar, apesar da sina familiar, pergunta se terá o defeito de visão da família. D. Flávia, a mãe, a conforta: Claro. É uma graça de Deus. Mas Das Dores, ao voltar-se para as “botinas”, enxerga o que “não deveria”. As tias também veem, sem admitir. D. Flávia: Por que Deus nos deu olhos? Das Dores, maternal, procura atrair o “noivo” (Ibid., p. 222-225).
Sem mediação, se protesta pela posse de algo que não se tinha. O surto de visão coletiva e repentina, numa família cega a “essas coisas”, parece ter sido uma saída tardia, e, por consequência, inconvincente.
Maura, uma das viúvas, duvida que Das Dores terá a náusea. É fortemente repreendida. Vai além a “pecadora”, e olha por cima do leque o idílio nupcial e descontrola-se. Das Dores o “noivo” (Ibid., p. 226).
Maura delira e só pensa em “botinas desabotoadas”. E quer ser morta por esse “sacrilégio”. Pede a D. Flávia essa clemência, no que é atendida de pronto. Simbolicamente, Flávia, à distância, a esgana para que Maura não veja mais “botinas”. Insatisfeita, Flávia quer matar a prima Carmelita, que diz haver mais mortos na família: A náusea está agonizando. Flávia, espantada com tamanha “petulância”, esbraveja: É mentira! (Ibid., p. 227-230).
Carmelita deve ser morta por blasfemar contra a náusea. Mas ela, em seu “desvario”, se excede: quer um “par de botas” na eternidade. Flávia oferta-lhe a morte simbólica, sem “botinas” (Ibid., p. 230-231).
Flávia decide se alguém vive ou morre; determina se pode ficar ou não com “botinas”. Tão poderosa é esta senhora que, ao matar, não é cruel, mas tem “comiseração”.
Volta Dorotéia. Não há explicação sobre as mortas que jazem no palco. Sôfrega, Flávia quer saber como foi o encontro com Nepomuceno. Ela regozija-se em saber que a prima ficará empestada, mas acha pouco o número acordado de duas chagas para o rosto (Ibid., p. 231-232).
Sem explicações. De novo. Os caprichos do autor nos exigem demasiadas concessões.
 Também, o clichê da mulher realizada por destruir a outra, tida como competidora, reduzi-la à mais completa fealdade para rejubilar-se, desconhece os laços solidários entretecidos entre as mulheres e revela ignorância da psicologia feminina.
Perversa, Flávia humilha Dorotéia e ainda exige que ela reconheça ser um favor arrumar-lhe as chagas que infestarão seu corpo. O rosto belo, culpado, é obrigado a expiar com as irrupções. Flávia se entrega a “mais casta das atividades: o tricô”. Fim do segundo ato (Ibid., p. 233-234).
A “overdose” de catecismo fez mal ao velho carioca. “Lugar de mulher é fazendo tricô”, assevera a inocente didascália.
Terceiro ato. Dorotéia e Flávia, apavoradas pela visão do “jarro”, correm de um lugar para outro do palco. Flávia sugere ser o cabelo bonito de Dorotéia, incompatível com o de uma senhora honesta, o que atrai o “jarro”. Receosa, Dorotéia sugere poupar a cabeleira. Flávia insiste: “Tudo em ti precisa ser castigado!” E indigna-se: por que suas chagas demoram tanto, se eu as espero (Ibid., p. 235-236).
“Senhora honesta” não é expressão sem vícios. E aqui sua ambiguidade, pela situação do passado de Dorotéia, é muito forte. Resta saber o que é um “homem honesto” para o velho dramaturgo.
Flávia, inquieta, quer saber se Das Dores já teve o “incômodo” (Ibid., p. 237). A resposta negativa faz com que Dorotéia e Flávia armem um plano para liquidar o filho de D. Abadia (as botinas) (Ibid., p. 238).
A viúva hipócrita confessa que se sonhasse cairia em tentação. Pede misericórdia: a náusea, Senhor (Ibid., p. 239). Ameaça eliminar o amado de Das Dores (Ibid., p. 240). E declara à filha que ela nascera de cinco meses e morta. Tu não existe! Atônita, Das Dores balbucia: Não existo? (Ibid., p. 241)
Não existindo, Das Dores não pode macular a honra da família. Graças! Solução: Das Dores “retorna” para o ventre da mãe (simbolicamente, pondo a máscara no peito de Flávia). Ela renega a nova “gravidez”. Mas Dorotéia observa-lhe que não poderá esconder a maternidade (Ibid., p. 242-243).
“Serial killer” fratricida, Flávia é uma morta-viva que se nutre de morte. Nem mesmo sua fortaleza “moral” é inexpugnável diante da “tentação”.
Impedir a identidade da filha obedece ao princípio de que não há vontades outras que não as da mãe, quer dizer, as de Deus.
 Flávia, desesperada, quer ser salva. Pede a Dorotéia que esgane a filha. Dorotéia dá um “álibi” para a prima: “Ninguém melhor que uma mãe, com mais autoridade, para sufocar aquilo que ela mesma gerou... A mãe pode pegar uma filha e lhe abrir o rosto ao meio, sendo que um perfil para cada lado...” (Ibid., p. 244).
O estatuto da propriedade privada rege a relação doentia entre mãe e filha? Então, tá!
As botinas parecem excitar Flávia. Dorotéia se diz capaz de enfrentá-las e se livrar delas. Flávia está em pânico e, ao mesmo tempo, deseja aproximar-se das botinas. Dorotéia lhe ajuda, mas as botinas refugam a viúva (Ibid., p. 245-247).                                                                                        
Flávia recobra o controle. As botinas escolhem Dorotéia. A viúva avisa as botinas que Dorotéia terá chagas. Não surte efeito. Dorotéia, involuntariamente, arruma os cabelos, bota pó nos ombros, no pescoço. Se arrumar atrai as botas (Ibid., p. 248-249).
A medicina padeceu de proibições da Igreja na Idade Média seguindo “argumentos” religiosos de que não seria permitida a exumação de cadáveres por não haver permissão divina. Caso Deus quisesse que os homens conhecessem as entranhas, teria criado o ser humano transparente. Clandestinamente, médicos continuaram a estudar e obtiveram avanços nesse e em outros ramos.
A “mulher casta” é aquela que entrega para Deus os cuidados do corpo? Atrair o homem é pecaminoso? Isso é antinaturalismo ou psicose? E de que época?
A prima viúva faz menção de esganar as botas, mas as acaricia. Sendo censurada por Dorotéia, a “ex-perdida” (Ibid., p. 250).
Dorotéia se examina para saber se as chagas vieram. Nada. Aparece o “jarro”: as duas ficam maravilhadas. Dorotéia parece entregar os pontos e aceitar sua “sina”. Flávia tenta impedi-la. Sem êxito. Dorotéia, em fala narcísica, diz: “Sou tão linda que, sozinha num quarto, seria amante de mim mesma...”
Ela volta-se para a plateia com uma máscara hedionda, que assombra até quem almejava sua destruição (Ibid., p. 251).
A noção de pecado faz com que as personagens oscilem entre o desejo e a culpa exacerbadas.
De novo, a ideia de predestinada para a “prostituição” fragiliza o enredo.
Masturbação, ato narcísico por excelência, também não pode.
Feiura e pureza, beleza e impureza: o mesmo ramerrão.
A personagem, que é papel título, continua a falar sem se dar conta. Sai o jarro de cena e as botinas se afastam diante das chagas que dominam o corpo da manipulada Dorotéia (Ibid., p. 252).
D. Assunta embrulha seu “filho” e se adianta nas notícias: já sei, sua noiva teve a náusea. Sempre foi assim nesta família (Ibid., p. 253).
Dorotéia tem reminiscências de quando atraía os homens. Flávia lhe adverte que antes ela não tinha as chagas.
“Qual será o nosso destino?”, quer saber Dorotéia. Flávia: “Vamos apodrecer juntas.” Fim do terceiro ato.
Despeito, destino, tradição...
Basta! Basta!


1.2.           Características da escritura

Um exame psicanalítico do autor revelaria as suas contradições íntimas, que impedem a fatura de uma arte adulta. Até hoje, o mundo se coloca para ele como o lugar do pecado, e as suas criaturas pendem entre as mais severas proibições e o prazer de infringi-las. Quebram elas, com frequência, os convencionalismos sociais, mas se recolhem depois ao autoflagelo puritano. Os manuais de 'psicanálise ao alcance de todos' parecem reger muitas das sondagens interiores, dando-lhes uma evidente ingenuidade, nesse território primário dos complexos. Nelson Rodrigues ainda se pauta por códigos infantis. (MAGALDI, 1997, p. 226)

A citação acima revela a decepção do crítico Sábato Magaldi com o desfecho “do mais barato folhetim” em que se encerra O beijo no asfalto; e também finaliza a avaliação, no Panorama do teatro brasileiro, sobre o perfil de Nelson (MAGALDI, 1997, p. 226-227) [5]. O que significa que não estamos diante de uma falha isolada. A mesma idiossincrasia se apresenta ao longo da produção rodrigueana.
Seria imprudente diante da “vaca sagrada” Nelson Rodrigues a postura iconoclasta? Ora, a vaca no pasto está exposta. Sujeita à consagração, à crítica, à indiferença, ao tédio... Ademais, infeliz a terra que precisa de heróis (BRECHT, 1991, p. 154) e de ídolos.
A galeria dos que se ajoelharam em reverência ao velho senhor é extensa. Mas o exame atento e sem preconceitos propicia abordagem mais complexa, mormente se ela tem visão historicizada e crítica dos textos.
Com precisão, COSTA (1997, p. 69-85) já explicitou as fontes de Vestido de Noiva e como a personagem Alaíde Moreira transita no Purgatório católico, expiando seus pecados.
Por isso o dramaturgo primeiro a faz reconhecê-los — ladra dos namorados da irmã, seus ímpetos assassinos em relação ao marido, bem como sua identificação e fantasias com prostitutas e a vida em bordel — para, depois da penitência de acompanhar sua própria agonia e funerais, assistir ao casamento da irmã com seu viúvo, tendo ainda que (simbolicamente) entregar a ela o buquê da noiva. Leia-se: foi feita a justiça divina, restabelecendo-se a ordem que Alaíde atropelou, e esta se curva humilde aos desígnios do Senhor — Nelson Rodrigues. (...) expiados os pecados, Alaíde pode descansar em paz (e eventualmente alcançar o reino dos céus após o juízo final, como aprenderam os cristãos). (COSTA, 1997, p. 81-82)

Já em 1958, Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri, discutia de forma madura o papel da mulher na sociedade e na literatura. Tião, o fura-greve, é eclipsado pelas personagens Maria e Romana (COSTA, 1998, p. 177-181).
Entretanto, o desprezo e a aversão às mulheres [6] estão difundidos nos textos de Nelson. Por essa razão, nos debruçamos sobre Dorotéia, porque seu conteúdo está disseminado no restante da produção deste autor.
Assim, utilizando o critério de atualidade adotado por Sábato Magaldi para uma peça do repertório brasileiro, como sendo a que penetra a realidade do tempo com maior agudeza (MAGALDI, 1997, p. 245) [7], seremos obrigados a identificar nas peças de Nelson o alheamento em relação à sua época, pois seu estacionamento no século XIX e, muitas vezes, no XVIII, é patente. Para corroborar nossa afirmativa, fizemos o percurso de Dorotéia.
O uso desbragado de acusações às personagens ou a sanha de tirar-lhe uma lasca, “modus faciendi” que caracteriza o dramaturgo carioca, é tão tendencioso que custa a crer que seus adeptos não se apercebam. Todavia esperamos que o levantamento temático tenha oferecido aos incrédulos entusiastas do velho senhor elementos para que eles próprios analisem.


1.3.           Simbolismos e ideologia ou 2020 e Dorotéia.

Um delírio põe a heroína num prostíbulo. Logo se percebe que estava ferida pela nostalgia da prostituição. Alaíde procura Madame Clessi, a meretriz antiga e fenecida. E assim o mito da prostituta se irradiava para a plateia e cada espectadora ficava tensa de sonho. (RODRIGUES, 1993, p. 203, apud COSTA, 1998, p. 82)

Os desdobramentos político-pedagógicos de textos com essas peculiaridades remetem à reprodução de cunho reacionário da maneira pela qual se representa a figura feminina.
Não é por acaso que a mentalidade que preside os comerciais de cerveja é de reduzir a mulher à estrita dimensão patriarcal de objeto de cama e mesa. Não se levantem desesperados os fãs do velho carioca, acusando o escriba de responsabilizar um defunto sobre questões que não lhe diriam respeito.
A esses incautos, peço que tomem ciência da extensão do desastre operado por aqueles que compartilham do amesquinhamento do universo feminino sem se darem conta dos estragos provocados ou sem assumirem, simplesmente, o ódio à mulher.
Talvez seja conveniente aos mais renitentes a leitura do “mestre”. Recomenda-se apenas que renovem suas lentes para que não haja deficiência de crítica.
Nelson impôs sua obra por uma engrenagem de marketing pessoal muito engenhosa, lastreada na estrutura da empresa familiar e se servindo de colegas para produzir “críticas fecundas” a seu trabalho.
Sabemos que a questão de gênero não é lateral no dramaturgo. Sua visão machista estreita sobre a mulher privilegia: a subserviência infame aos tipos mais descarados; a fabricação de desejos e aspirações de prostituta; os desatinos mórbidos que recheiam suas personagens. É material interessante para psicanalistas analisarem escritores.
Por outro lado, a naturalização de processos histórico-sociais, que passa ao largo das engrenagens do poder, elidindo as circunstâncias estruturais que produzem os quadros apresentados acriticamente, reforça as desigualdades, tidas como desígnio da vontade de Deus. Leia-se, dos senhores da Casa Grande travestidos de deuses, aos quais cabem selar o destino irreversível dos portadores do pecado original. Opa!, nosso esforço não foi em vão, acabamos por encontrar, pelo método do carbono 14 estético, a datação das escrituras do velho senhor. Ele é contemporâneo dos produtores da Bíblia e de seu elenco imaginoso: Adão, Eva, o Deus (masculino!), a cobra (fêmea) perversa do Paraíso...


Parte 2 - O bicho que pega e come.

2.1.     A crítica contundente e atual

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, de Oduvaldo Vianna Filho e Ferreira Gullar (VIANNA FILHO; GULLAR, 1966), remete-nos a outro universo de discussão. Com o carbono 14 estético afiado, na verdade microscópico, vamos identificar se seu trabalho é “datado”, expressão pejorativa empregada para significar algo ultrapassado, ou, pelo contrário, guarda alta capacidade de penetrar a realidade do tempo com maior agudeza.

*          *          *

Roque (José, João ou Mário, não importa) é um tipo social que representa uma coletividade. Brás das Flores questiona a abundância da safra e a carência de comida para os camponeses. Desvia algodão por motivos econômicos. É despedido por Roque (repetindo o motivo do ato presente em Os Azeredos mais os Benevides — VIANNA FILHO, 1968, p. 69-72 —, em que Siá Rosa e Alvimar desviam cacau de Espiridião, o patrão. Alvimar delata Siá, que é demitida).
A desigual distribuição de renda no país está há muito tempo entre as mais perversas do mundo. Tendo se aprofundado durante o reinado dos doutos iluminados tucanos (1994-2002) que, não satisfeitos, não aceitaram o resultado das urnas em 2014 (quatro derrotas presidenciais consecutivas), planejaram e executaram com as oligarquias judiciais, militares, midiáticas, parlamentares, internamente, e com a concepção dos Estados Unidos, externamente, o golpe de Estado de 2016, tendo levado o Brasil ao neofascismo de Bolsonaro.
Os elevadores sociais, emperrados, aumentam a criminalidade.
Brás cometera uma imprudência. Roque o advertira: resvalar pode; não pode é não ser bem-sucedido. Fez com a pessoa errada (Joca Ramiro) (VIANNA FILHO; GULLAR, 1966, p. 9). Roque assume postura de patrão. Como quem expulsa escolhe as armas (Ibid., p. 12), Brás, desarmado, é espancado por Roque.
Antropologicamente, a sociedade brasileira altamente estratificada e hierarquizada, para alguns teóricos de maneira muito rígida, proporciona o aparecimento do chamado jeitinho brasileiro, que teria por função distender, como válvula de escape, as relações sociais. Ou seja, burlar determinadas regras e normas para manter a convivência e a violência não explodir. Para outros analistas, tal expediente não passaria de mau caráter do indivíduo e demonstraria a impossibilidade do sujeito de conviver com regras e normas [8].
Sociologicamente, não se pode deixar de compreender que a extrema desigualdade, a assimetria social gigantesca, deu a determinados estratos o privilégio sistemático do desrespeito às leis (estão sobre as mesmas); quer dizer, usufruem a impunidade. Extensos contingentes das classes médias e das altas, ao contrário do que crê o senso comum, ampliam suas vantagens com a desenvoltura com que sabem transitar em salões palacianos ou da burocracia pública. Verticalmente, alguns dos que se situam na base da pirâmide social adaptam tal equivalência a partir de seus parâmetros, reproduzindo, relaxando ou ignorando códigos e determinações.
Entra o Coronel Honorato, sujeito trapaceiro. Roque é sua vítima no jogo de damas. O Coronel repreende Roque por este não aceitar a fraude. Seu modelo era Souza Trança: perde submisso e de bigode (Ibid., p. 20).
Seguindo a tradição autoritária e a herança escravagista, o trabalhador é objeto e extensão da vontade do sinhozinho. Ao se insurgir contra a “normalidade”, Roque desorienta o Coronel.
Entre os senhores da Casa Grande, Nei Requião, desafeto do Coronel, está bem assentado, aboletado há 10 anos no governo. O que “misteriosamente” lhe facilita os negócios na Usina (Ibid., p. 21).
O Coronel adquire variedade de produtos, mas muita coisa inservível. Por exemplo, aparelho elétrico onde não há luz (Ibid., p. 23-26).
As lutas pelo poder entre as elites no Brasil não se dão pelas divergências sobre o que fazer nele. Mas apenas que personagens desempenharão na prática as determinações do projeto de dominação.
Ademais, a compra de materiais que não poderão ser utilizados tem duplo sentido: por um lado, revela forma de humilhar pela ostentação; por outro lado, demonstra a incapacidade desses segmentos em modernizar-se, ficando pendurados nas benesses dos cofres públicos.
Roque tenta se aproximar de Mocinha, filha do Coronel. Faz-lhe carícias. Escada social e desaforo para o fazendeiro decadente, que reserva sua herdeira para um janota, Mendes Furtado, filho de senador. Este manifesta ao público (expediente épico) ter uma hipoteca no pescoço, desapreço pelo campo e intenção de se arranjar com a suposta riqueza do Coronel (Ibid., p. 28-32). Abraço de afogados.
Esse tipo de união, o casamento como acordo mercantil entre famílias endinheiradas, escarnece das pretensões do romantismo burguês.
Roque sonha em desposar Mocinha. É montado um quiproquó. Roque agarra Mocinha. Ela grita pelo pai, que quer saber o que houve. Ela diz querer fazer pipi. Vai ao banheiro (na fazenda, espaço exterior à casa) junto com Roque. Na escuridão, o pai nada percebe (Ibid., p. 35-42).
Recurso épico [9] (RE): Roque pede ao eletricista para apagar a luz. Deita com Mocinha (Ibid., p. 43). Está exultante e reparte sua alegria com o Burro Cirino (Ibid., p. 44-45). Ator vestido de burro ouve e gesticula. Os burros conversam do feito e do acontecido (RE).
Roque passa a construir sua trajetória como aquele que rompe os mecanismos estabelecidos (união interclasses) e ridiculariza o representante da oligarquia [10] rural.
O Coronel avança sobre Rosinha, a camponesa (Ibid., p. 46-47). O marido, Joca Ramiro, se dá conta (Ibid., p. 48). Diz ao público que vai se vingar (Ibid., p. 49) (RE).
Rancoroso, delata o namoro de Mocinha e Roque (Ibid., p. 50). Coronel encomenda um matador para vingar-se Ibid., (p. 50-51). Furtado, o pretendente, já está ciente dos boatos. Admite para o Coronel ser calúnia do povo (Ibid., p. 52-54). Ao público (RE), confessa que a falta de dinheiro o obriga a engolir a insolência. Mocinha entra em cena e nega (Ibid., p. 54-55). Furtado ao público (RE): viram minha inocência. Coronel bate em Mocinha (Ibid., p. 56).
Os “serviçais”, objetos à disposição do Coronel, “devem” satisfazer suas aspirações econômicas, sexuais etc. Tanto a regra está estabelecida, que a única reação por parte de Joca Ramiro é devolver ao patrão o dissabor de saber da mistura interclasses, o namoro de Roque e Mocinha.
Acrescente-se, que o golpe de Furtado apenas ressalta a impostura da união que interromperia a insolvência familiar.
Cena dos retirantes. Estes e as mulheres são numerados (RE) (Ibid., p. 56-57). Os “cegos” maldizem os que não dão esmolas.
Prefeito e José Porfírio, gerente da propriedade de Nei Requião, oferecem trabalho na Usina Requião aos desgraçados (Ibid., p. 58).
Os “cegos” (Roque e Brás, agora desempregados), disputam a carteira que José Porfírio deixou cair na praça (Ibid., p. 59-60). O povo percebe que não são cegos e os dois correm. Depois entra o “Aleijado” que corre (Ibid., p. 61). Roque propõe a retirada. É espancado por José Porfírio e pelo povo (Ibid., p. 61-62). Brás se vai. Entra o Matador. Salva Roque (sem desconfiar ser sua vítima) e afasta José Porfírio (Ibid., p. 63).
Segundo dados da ONU – Organização das Nações Unidas, o Brasil, que saiu do Mapa da Fome em 2014, está de volta em 2020, com 15 milhões de pessoas na extrema-pobreza.
Ser momentaneamente “cego” talvez funcione como atalho para deixar de ser um sem vida. Tais estratagemas defensivos não solucionam, quiçá amenizem determinadas situações.
Mas se vemos estas circunstâncias se manterem, podemos imaginar que interessa ao poder que tais “espertezas” se produzam: faz-se vista grossa e não se resolvem os problemas.
Matador se condói de Roque, quer cuidá-lo, mas precisa matá-lo (Ibid., p. 64). Brás retorna. Agradece ao Matador, batizado São Salvador (Ibid., p. 65). Mas Brás se atrapalha e quase entrega Roque (Ibid., p. 66). Matador se dá conta e, irritado, manda Roque levantar-se (Ibid., p. 66-67). Roque se queixa: Mas... o senhor tem revólver e eu estou desarmado... (Ibid., p. 67) Matador: O senhor está desarmado porque vai ser matado (Ibid., p. 68) — repetindo a hierarquia inicial do texto, quando Roque havia falado a Brás o motivo de sua demissão e expulsão: quem expulsa escolhe as armas (Ibid., p. 12). Agora, Roque, dirigindo-se ao público (RE), reconhece que já utilizara desse expediente contra Brás (Ibid., p. 68).
Coro (RE) relata o tiroteio (Loc. cit.). Os dois cantam sobre a atenção do mundo para a luta (Ibid., 68-69). Retomam a peleja. Apesar de baleado, Roque sobrevive. O padre interrompe o conflito; alega ser Natal e impede a morte de Roque (Ibid., p. 69).
Matador conta suas façanhas. Diz-se cansado (Ibid., p. 70). Não foi vaqueiro, porque matador dá mais dinheiro. Fim do Natal. Reinicia a batalha (Ibid., p. 71). Duelam de faca, acabaram as balas (Ibid., p. 72). Roque leva vantagem e mata o Matador, Quinca Bonfim, seu pai. Fim do primeiro ato (Ibid., p. 73-74).
No mercado de trabalho, matador é melhor assalariado que vaqueiro e tantas outras profissões. A indústria bélica campeã bate recordes: quantas vezes pode o planeta ser destruído com tanto míssil? E se consegue mandar a nave espacial a Plutão e faltar pão para bilhões.
“Inservíveis”, “inempregáveis”, “neobobos” e “desplumados” se vingaram antes de o Reich tucano completar 20 anos? “Que ingratidão!”
A desforra bicuda veio com a irresignação pela derrota de 2014 e com o golpe de Estado de 2016, com os quais destruíram direitos históricos dos trabalhadores com as “reformas” trabalhistas, previdenciárias etc.
Compensação teatral: intervalo natalino suspende a execução. Em nossas paragens, dá fôlego ao comércio e incrementa as vendas.
Começa o 2º Ato. Nei Requião, Desembargador e Zulmirinha. Conversam sobre o povo, que desanda a fazer filhos, e as dificuldades nos negócios. O Desembargador dá seu assentimento a tudo o que é dito. Entra Vespertina, antigo caso de Requião. Ela derruba água no colo do Desembargador. Saem (Ibid., p. 77-82). Fica o Desembargador, que se dirige ao público (RE): É, parece, mas não vou fazer monólogo, não (Ibid., p. 82).
O povo, sem freios, multiplica sua prole. Aumenta sua miséria. Hoje, os senhores, podendo prescindir de numeroso grupo de trabalhadores para explorar em seus negócios, espicaçam: “as dificuldades crescentes têm origem nessa gente!”.
Entram Coronel e Furtado (Loc. cit.). Coronel e Desembargador, conhecidos de longa data, conversam (Ibid., p. 83). O segundo diz apoiar o Coronel (Ibid., p. 84). Volta Vespertina. Coronel a agarra. Ao público (RE), ela pergunta: Esse quem será? (Ibid., p. 85) Entra Requião, que se alterca com o Coronel (Loc. cit.). Volta Zulmirinha, que traz como carregadores Brás e Roque (Ibid., p. 86-87). Requião, ao público (RE): Ela vai querer dar ocupação a eles (Ibid., p. 87). Quando Zulmirinha confirma o pedido, Requião se volta para o público de novo (RE): Não disse! (Ibid., p. 88).
Quem sabe conhece a rima: se Coronel combina com Desembargador, prometem ao pobre repleta dor.
Roque vê Mocinha. Coronel o persegue. Requião o acode. Cantiga fora de contexto de Roque (RE): Olha o trem! Olha o trem! (Ibid., p. 89). Zulmirinha, espantada: Mas que trem? Roque diz a Brás de seu desejo de encontrar Mocinha. Diz a ele que deseja se deitar de novo com ela (Ibid., p. 90-91).
Todas as vezes que Roque está em apuros, ao contrário do que disse Marx, é “possível” raio em céu azul.
Cena de “boulevard”: todos procurando no hotel seus pares com seguidas reversões de luz e desencontros (Ibid., p. 91-95). Mocinha e Roque estão num quarto (Ibid., p. 96). Roque vai para outro quarto onde está Zulmirinha. Conversam sobre o pai de Roque morto. Ela meio chora. Abraça, beija e deita com Roque, que se dirige para o eletricista novamente (RE): Êta nós, meu povo. Apaga de novo! (Ibid., p. 98).
A desfaçatez de Roque (Vianinha/Gullar) é tanta, que os avarentos lhe fornecem as esposas, filhas etc.
Coronel e Nei Requião disputam Vespertina no par ou ímpar. Ganha o Coronel, mas Brás das Flores é quem sai do quarto de Vespertina. Coronel o reconhece. Novo imbróglio: todas as personagens correm, mudando a cena. Retorna Brás das Flores e explica ao público (RE) desatento a sequência que se foi e a que virá (Ibid., p. 99).
Uma pessoa ser prêmio em uma disputa de “par ou ímpar” esclarece muito sobre a ética desses barões.
Agora trabalham, os dois amigos, na Usina Requião. Brás acha-se fortalecido porque Roque fornica com a mulher do patrão, Zulmirinha. Esta fornece as roupas do marido para vestir o amante. Brás ri. Roque fica sério. Brás receia a volta de José Porfírio, administrador da Usina (Ibid., p. 100).
José Porfírio quer vingar-se. No entanto Roque descobre as tramoias dele, o desvio de parte de cada feixe de cana (Ibid., p. 101-102). José Porfírio cala-se e é convencido pelas circunstâncias a hospedar Roque. Nei Requião se dá conta de que Roque traja seu pijama, mas não se apercebe do significado. O Desembargador olha para o público (RE) (Ibid., p. 103).
Os favores sexuais a Zulmirinha, prestados por Roque, são permanentemente ignorados por Requião, que, antes de se importar com o “chifre”, parece mais preocupado com suas lutas políticas renhidas.
Delatorzinho não quer a concorrência de mais retirantes e delata a José Porfírio a vinda deles. Rodrigo lidera os que querem se livrar das bocas a mais que precisam se alimentar. O administrador vê aí a oportunidade para se livrar de Roque, criando para ele uma emboscada (Ibid., p. 104-105).
Enquanto Roque acompanhava o Desembargador, Nei Requião e Zulmirinha a uma festa, José Porfírio inventa ao patrão que Roque quer iniciar o trabalho sem demora. Zulmirinha, orgulhosa, indica ao marido satisfação com a iniciativa que acredita ser de Roque. Requião, cheio dos agrados da mulher com o estranho, concorda que Roque comece a lida. (RE) Roque para o público: me pegou. Porfírio manda Roque para o Pontão “recepcionar” trabalhadores, quando se trata de uma armadilha (Ibid., p. 106-107).
Brás das Flores, que acompanhara o enredo, pensa em contar ao amigo a proximidade do perigo. Mas, medroso, se cala dormindo. Luta de classe (no singular): Rodrigo e os camponeses ficam à espreita para malhar os mais famintos. Roque, desavisado, no escuro se embrenha sem ter noção da tocaia armada. Mal pergunta onde poderia estar e os porretes preenchem de golpes seu corpo. (RE) Mas como herói da peça, diz Roque, não me fica bem apanhar à beça (Ibid., p. 108-109).
Brás das Flores, dependente da sorte do amigo, para pôr fim à pancadaria, repete o expediente do olha o trem! Está na hora do trem. (RE) Rodrigo, que alega ter visto o início do ato, conhece o truque, e manda a surra continuar. Brás dá as credenciais de Roque: ganhou a filha do Coronel Honorato e matou o Matador, Quinca Bonfim. Reverência feita a Roque das proezas, a informação dos interessados na vinda de mais esfaimados para baixar os salários e expulsar os já colocados (Ibid., p. 110-111).
Descobre-se que José Porfírio, a mando de Requião, requisitava a mão-de-obra aviltada, na realidade escravizada, pois o prato de comida lhe bastava. Requião, mui “caridoso”, quer dar oportunidade aos novos miseráveis, para substituir os que já puderam comer alguma lasca. A Usina de Requião usa os retirantes para se antecipar às outras e produzir, a mais baixo custo, o açúcar que amarga a vida dos trabalhadores. Roque, inocente, quase demente, vai explicar a Rodrigo, que fora despedido, a razão da acolhida “cristã” do emérito patrão. A polícia ficará no encalço caso Rodrigo reaja (Ibid., p. 112-115).
Roque, confuso, e Rodrigo unem-se para espancar os infelizes. Entre os quais está Joca Ramiro, delator de Brás e ex-soldado, agora desempregado, que é acolhido por Roque (Ibid., p. 116-117).
Joca relata a falta de dinheiro para pagamento dos soldados; a polícia, à míngua, ajuda a desempregar mais pessoas. Roque, solerte, chama Joca e os outros para acompanhá-lo ao barracão, onde comida há de montão. (RE) Brás, pressentindo confusão, alerta: Saquear o barracão... (Ibid., p. 118-119).
Os processos migratórios de origem econômica se intensificaram no final do século XX e início do XXI. A “globalização”, o “novo renascimento” do ex-presidente míope-sociólogo, prolifera a multidão de indigentes e corrige, para cima, as carreiras de zeros nos cifrões dos biliardários. Com a “desglobalização” do terraplanista Bolsonaro, idem.
O movimento do capital procura quebrar a espinha dorsal das organizações de trabalhadores. Muitas vezes, com a aquiescência destas. No texto, enquanto os camponeses se engalfinham entre si, os oligarcas reduzem seus custos e ampliam a exploração.
Os que levaram as coisas se foram. Restou Roque, bêbado, que, sem juízo, não se toca do perigo: Porfírio, o administrador, a polícia foi chamar. Na comitiva, Nei Requião comemora a prisão de Roque, que se enrola com o mote “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Fim do segundo ato (Ibid., p. 120-121).
O saque que deixa marca (ou presença) é imprudente. Roque, sem siso e indeciso, está bêbado. A subtração do que antes foi tirado é ato “irresponsável”, pois o bicho pega ou come!
Brás, disfarçado, visita Roque na prisão. Progrediu na vida. Dinheiro ganhou cantando a vida das peripécias de Roque. Famoso, Roque desfila nas manchetes dos jornais, e o povo clama por sua liberdade. Virou fiel da balança na campanha eleitoral. Nela disputam o Senador Furtado, o pai do namorado de Mocinha. Em segundo, Jesus Glicério, candidato popular, que clama pela libertação de Roque. Bem longe Requião, responsável pela prisão do agora célebre Roque, personagem de cordel do novo rico Brás das Flores. Este teme o candidato popular que quer fazer a reforma agrária e, apesar do nome, Jesus, é pintado de diabo. Mas, ao mesmo tempo, Brás está aliviado, pois Jesus é candidato pobre que não pode tirar Roque da cela. Até a carcereira se derrama sobre Roque, trazendo-lhe o almoço repetidas vezes. Ela lamenta a iminente soltura de seu amado (Ibid., p. 125-129).
A “amizade” de Brás das Flores dá a ele bom rendimento. Melhor o amigo permanecer encarcerado, mesmo que não seja culpado. A rentabilidade da personagem do cordel está ligada à imagem do injustiçado. Solto perde a confiança, e o amigo Brás a bonança.
Brás tem planos para o “amigo” robustecer sua pança. Formar aliança com os magnatas do sertão e rifar Roque: quem paga mais?
Marqueteiro do sertão, Brás das Flores, e dos espinhos, tem a estratégia à mão: lotear os cargos públicos e ser gigolô do povo.
Eis que chega o Coronel Honorato mais o Senador Furtado. Aproveitam a presença de jornalistas e posam para os fotógrafos ao lado de Roque. Querem que a imprensa documente o “grande apreço” que têm por Roque. Este comenta a cena do abraço, dado pelo Coronel, com o público (RE): Mais um pouco e ele me pede em casamento (Ibid., p. 130-131).
Entra Requião, que disputa o “troféu” com seu adversário. Numa cena burlesca, desafia em dança e cantoria o Coronel. Procuram mostrar-se os mais protetores de Roque. O “afilhado”, com tanta dedicação, é mandado da prisão direto para a suíte do hotel, onde Brás das Flores, acompanhante, se regala em pedir cardápio inteiro e assume a fala de patrões. Às custas de Requião e Honorato, que cada um paga um quarto. O que motiva a inusual “caridade” é o bom desempenho nas pesquisas do candidato popular, Jesus Glicério.
A oligarquia em rebuliço corre para se aproveitar da recém-conquistada influência de Roque. Agora o miserável é “bom-camarada”. Sua ingerência no processo eleitoral pode manter os donos do poder no mesmo lugar. Missão dos coronéis: afastar Roque do indecente Jesus Glicério (da Silva?).
Roque, ao tocar a campainha, para o público (RE): Será? Deve ser Mocinha. E para contentamento completo de Roque, eis que vem Mocinha visitar-lhe (Ibid., p. 132-134). Oferecida, ela, como primeira-dama, seria esposa do filho do governador, o que lhe daria poder para arrastar qualquer um para sua cama. Toca a campainha e Mocinha desmaia, receosa da presença do namorado. Mas é seu pai; esconde-se. Roque tapeia o Coronel com um tal “pôr-do-sol” da manhã e sinaliza para Mocinha sumir dali (Ibid., p. 135-137).
O que demonstra que as “leis sexuais” também têm corte de classe e, portanto, de privilégios.
Zulmirinha visita Roque Penaforte (o mito do cordel de Brás) no quarto ao lado, enquanto o Coronel o aguarda na suíte adjacente. Ela comemora a grife que Roque ostenta no nome, sendo alguém e não um qualquer. Afinal, não fica bem para elegante senhora, promotora do Chá da Mãe Esquecida, ser amante de um Roque qualquer. Brás a avisa da presença do marido. Ela, aborrecida, reclama da presença desse estraga-prazer; mas, para preservar a unidade familiar, furta-se a lhe dizer umas verdades. Requião entra e ela, só de espartilho, sai, enquanto Roque despista-o com a história da pesca na cidade do interior de um peixe próprio do mar (Ibid., p. 138-139).
Os favores amorosos do “talzinho” tiveram um “upgrade”: agora é um sujeito ilustre; e, por isso, requisitado em toda grade social, da carcereira à mulher do usineiro.
Se antes o fenômeno da celebridade já causava furor, hoje, sabemos, é descomunal. Basta repararmos, na banca de jornal / redes sociais, a infinidade de títulos “preocupados com beldades”, e, nos programas televisivos de “reality show”, o constante esmiuçar das pulsações e da epiderme dos que são focados pelas lentes midiáticas / de Midas e transmitidos para milhões de ciosos alcoviteiros que se comprazem no “voyerismo” doméstico. Prisioneiros nas grades do vídeo, consomem o que era reservado ao espaço da privacidade. O que supõe o abalo dos fundamentos do contrato que ordenava a vida social entre os séculos XIX e XX (KEHL, 2004, p. 141).
É a celebridade desconteudizada, ou seja, aquela que existe não porque o sujeito tenha realizado alguma coisa (ter escrito um livro; fazer uma proeza etc.), mas aquela motivada pelo aparecimento diante das câmaras, cujo efeito narcotizante demandaria, ainda, estudos mais aprofundados.
Decididamente, a política como espetáculo não é fenômeno novo (!).
Enquanto Brás solicita ora para Requião, ora para o Coronel o retorno de Roque à cadeia, o que poderia lhe dar um novo alento nos negócios literários, e por isso leva safanões de Roque, este alterna a visita aos quartos para atender os dois promotores da hospedagem ao mesmo tempo. Verificando que não poderia continuar no mesmo frenesi, Roque instala uma cadeira entre as portas que comunicam os quartos e de lá responde aos dois que tagarelam suas plataformas políticas recém-convertidas a um perfil “popular” (VIANNA FILHO; GULLAR, 1966, p. 140-145).
A política do cabresto, o “favor” a ser pago ao gentil Coronel, cavalheiro e cristão!, é didaticamente mostrado no entrecho. Reparem a comovente demonstração de apreço dessas figuras aristocráticas em relação a Roque, que há pouco era zé-ninguém.
Quem tiver olhos...
Roque cobra seu preço, um milhão para o começo. E cargos públicos e mordomias a mancheias. Os patronos, meio arrependidos com os novos custos, entregam cada qual seu cheque. Marcam encontro na Assembleia na mesma hora. Saem e não se cruzam. Campainha. Volta Zulmirinha, no chá beneficente lhe avisaram que estava despida. Roque, com novo toque, não esconde a contrariedade. Quem será dessa vez? Agora pode ser o próprio Napoleão. E o escracho aí está: Napoleão pergunta por Waterloo e só lhe indicam “water-close”. Zulmirinha ainda debocha da figura extemporânea: Céus, mas por que tanta pose? (Ibid., p. 146-148).
Zulmirinha é transparente, pode zanzar por toda parte assumindo sua sinceridade. O efeito cômico mostra, também, que tudo parece ser possível. Ou quase tudo.
Coronel e Nei Requião discutem na sala da Assembleia. Conferem os relógios para certificar-se do atraso de Roque. Cobram para si a “paternidade” de Roque. Ruído de passeata. É a manifestação do grupo de Jesus Glicério. Carregam faixas reivindicando a reforma agrária. Os barões desdenham: Quer dar terra pra minhoca? Mas são surpreendidos pela adesão de Roque. Então, passam a amaldiçoá-lo.    Brás, solícito, diz aos senhores que Roque se equivocou, mas que ele não sofre desse problema, tem juízo; está à disposição do senhor que lhe encher a mão (Ibid., p. 149-153).
Coronel arrebenta uma cadeira na cabeça de Brás. Roque volta à prisão, para a alegria da Carcereira. Pressentindo a derrota, Requião quer retirar sua candidatura e a do Senador para criar uma outra de conciliação, um sujeito manipulável. O Desembargador, cumpridor do dever “público”, seria a solução. É o acordo pelo alto das elites. Nei Requião cita a peça e o grupo Opinião para mostrar a influência deletéria da vitória de Jesus (RE). O Senador está propenso a aceitar a costura do acordo, mas é desviado da ideia pelo Coronel. Por isso, Requião trama financiar a campanha de Jesus e soltar Roque para nela pedir votos. Desse modo, atiçando medo ao Coronel, acredita poder forçar a candidatura única dos poderosos (Ibid., p. 154-159).
Será que a campanha do medo, o terrorismo eleitoral de 2002 e reeditado em 2006, 2010, 2014, 2016, 2018 etc., não tem nada a ver com essas figuras “probas”, de quem o humorista Zé Simão emprestou o mote: “Onestidade, Ônradez e Óproceis!” ?
Roque, outra vez solto, pensa em escapulir. Os policiais em seu encalço estão por vir. Enumeração de sujeitos (RE), querem saber do herói do cordel para aplicar-lhe uma sova. Roque se apresenta e logo toma socos e é arrebentado. A mando de Requião penou Roque. E o dono da Usina ordena: vá apoiar Jesus Glicério e não pense em fugir. Os mesmos capangas, dessa vez a serviço do Coronel, voltam a espancá-lo. Citam boa parte dos motivos anteriores e acrescentam (RE): conforme já foi falado. E o Coronel adverte: nada de apoiar Jesus, suma já. E os espancadores, como bons profissionais, deixam seu cartão com Roque e oferecem seus préstimos para as ocasiões em que ele necessitar (Ibid., p. 159-164).
Brás das Flores, oportunista, festeja a soltura de Roque. Este, de tanto apanhar, já está bravo com Brás. Não sabe se deve sumir ou se mostrar. Brás o censura por pensar que ele quer explorá-lo: mas que palpite infeliz (RE). Lembra, ainda, que Tiradentes se deixou matar pela liberdade. Roque quer evadir-se da obrigação de personagem de Brás e lacaio de Honorato e Requião. Brás estende uma faixa de apoio a Jesus Glicério enquanto Roque caminha gritando contra o domínio dos coronéis. A multidão é atraída. Forma-se um comício. Roque entende e reclama da situação forjada por Brás (Ibid., p. 164-167).
Como personagem autônomo, Roque não interessa aos senhores, que desejam um sujeito sem espinha dorsal. Ao procurar escrever sua própria história, Roque, ou seja, o que ele representa, começa a entender a dimensão da luta de interesses em jogo. Não quer ser instrumento nem dos mandachuvas tradicionais, nem de Brás das Flores.
Quem não quer ser joguete precisa...
Falido, o Coronel resolve aceitar a imposição de Requião. Brás faz o loteamento das Secretarias de governo. As terras do Senador, para pagar hipoteca, agora são de Requião, que dá as cartas. Furtado, o filho do Senador, agora não quer mais Mocinha, ela não tem valor (Ibid., p. 167-172).
Mas o “fim da História” se provou ideologia. E os arranjos, que dantes deram certo, parecem desarranjados com a emergência do fenômeno da exaustão ao esgarçamento sem tréguas do tecido social. Os mecanismos de opressão tão operantes, infalíveis e insaciáveis, talvez tenham passado pela mais severa dissecação de suas partes constitutivas. Daí a possibilidade de novos cenários pela transformação da realidade diagnosticada.
Mocinha, Brás e Roque fogem. Uma multidão grita “Roque”. Mocinha e Brás desistem de acompanhá-lo. Roque toma uma saraivada de tiros. Brás comemora a dinheirama que pode auferir com a nova história. Mocinha fica. Coronel, na sua fazenda, está morrendo. Quer entregar as terras a Roque. Pergunta a Bizuza, sua esposa, se o mataram. Entram Roque e Mocinha. Roque, ao público (RE): o mocinho morrer no final pega muito mal (Ibid., p. 173-176).
Roque pode ser fênix por sua característica: é tipo e não pessoa.
Coronel dá suas terras a Roque, mas o adverte para não se casar com Mocinha, pois ele é seu filho e, por consequência, ela é sua irmã. Mocinha chora. Bizuza interrompe: essa história não pode ser. Uma vez que o Coronel se ausentou, teve um namoro com o Desembargador. Mocinha é filha dela e do atual governador. Estrebucha o Coronel. Mas sendo Mocinha filha do Desembargador, a família falida está salva, pois ela é, afinal, filha do governador. O açude será construído e, exultante, o Coronel moribundo dá vivas: bendito corno! (Ibid., p. 176-177).
Na moral do Coronel: antes a fronte adornada, do que o bolso sem recheio.
(RE) Ao público, Roque oferece os três finais:
Final feliz - Roque reproduz a figura do Coronel e Brás se livra dos que desviam produtos da fazenda;
Final jurídico - Roque socializa a terra com os lavradores e Brás, de Juiz, quer reabrir o processo contra o possesso;
Final brasileiro - Houve recontagem de votos e Jesus é o governador. Chamou Roque para ajudar na reforma agrária. Brás, vestido de guerreiro medieval, anuncia: Sua Alteza Dom Requião restaura a monarquia no Brasil.
A seguir, propomos pensar estes finais tendo em vista nosso contexto histórico imediato.


2.2.     Nossos dias e os três finais de Se correr o bicho pega, se ficar o                   bicho come.

Os Azeredo mais os Benevides (VIANNA FILHO, 1968) [11] traz a crítica às alianças de classes, mostrando que a devoção de Alvimar a seu patrão Espiridião não podia ter resultado diverso. Nossa experiência presente revela a necessidade de prestarmos atenção para não sermos reprodutores de situações históricas que já se revelaram infrutíferas.
Os expedientes épicos do texto: o distanciamento das famílias, verdadeiro fosso de classes; o corte do eixo temporal; a ação passando por decupagem episódica; a forma historicizada de se mostrar a degradação dos trabalhadores (lutando por esterco); a ascensão de Espiridião Filho (apesar do nome, por ironia, filho de Alvimar) como líder camponês, --- enfim, são recursos que nos auxiliam a compreender a extensão dos problemas a que o autor é obrigado a dar conta.
Lembremos que as amizades equivocadas da peça como as alianças esdrúxulas da política atual, nos alertam para ficarmos ressabiados com os cantos de sereias.
É verdade que os tempos são outros e a classe dominante se encontra enrascada em sua própria lógica — decorrente do golpe de Estado de 2016 e a destruição da política —, aflita por uma boia de salvação atirada, sardonicamente, pelo símbolo das classes populares alçado ao poder presidencial (2003-2010), preso posteriormente (2018) pelo “juiz ladrão” para impedir a quinta vitória seguida do PT e, em 2020, prestes a ter reconhecida pelo STF – Supremo Tribunal Federal a parcialidade na condução de processos do então “juiz” Sérgio Moro.
A oferta de três finais em Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come tinha como opção lógica o final brasileiro, em especial sua segunda parte. Quer dizer, o restabelecimento da monarquia se o “status quo” fosse ameaçado (o que se concretizou de alguma forma com o golpe de Estado de 2016 e o neofascismo de Bolsonaro).
O final feliz, na realidade infeliz, levava Roque a substituir os antigos mandantes, Requião, Coronel etc., reeditando o continuísmo.
Graças ao reinado de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), gentil servidor da desnacionalização sem precedentes das infraestruturas econômica e financeira a que foi guinado o Brasil (reeditado com demais atores com o golpe de Estado de 2016), tivemos parte da burguesia ciosa por alterações no final de 2002 e agora, de novo, em 2020. Para sua sobrevivência, certos segmentos desta classe começam a compreender que a violência é resultado do sistema de alta exclusão que lhe proporciona privilégios recordes. Ou seja, não é ação originária de marginais maus e anticristãos ou de subversivos “comedores de criancinhas”.
A hegemonia da condução pende para as forças conservadoras e reacionárias. Entretanto as ideologias do “fim da História”, da “globalização”, antes, e agora da “desglobalização” dos neofascistas, do passam a ser risíveis para largos contingentes da sociedade brasileira. A história não é destino, como os gregos aristocratas inventaram, mas construção de homens e mulheres sob condições determinadas.
Voltemos aos finais de Se correr o bicho pega... Apesar das contradições atuais, a primeira parte do final jurídico, a distribuição da renda, ainda que de menor magnitude, pode ser efetivada sem cairmos na reedição (o golpe de Estado de 2016 e as eleições fraudadas de 2018) da fatalidade da segunda parte deste final: a reabertura de processo judicial contra o possesso que quiser transformar a “inalterável natureza” das relações de força na sociedade brasileira.
Assim, se os trabalhadores e desempregados conseguirem sair da defensiva e partir para a ofensiva teríamos a primeira parte do final jurídico junto com a primeira parte do final brasileiro. O que, convenhamos, é um final feliz, dadas as circunstâncias histórico-sociais que atravessamos.


3.         Conclusão
           
O carbono 14 estético expõe as obras. Muitas vezes algumas das mais encenadas são as mais datadas e comprometidas com o poder (!), declinando o estado de coisas em que uma sociedade se encontra. Mas como as transformações são dependentes das ações humanas, aqui apresentamos esse instrumento metodológico antiembusteiros, nossa modesta contribuição para mudar algumas instâncias.
Sabemos que nós findamos e outros virão. É árdua a tarefa no sentido de os brasileiros tomarem para si o Brasil. Não é trabalho para poucos anos e gerações consumirão suas energias para que uma época vindoura digna de seus filhos se concretize.
Mas é obrigação indeclinável de cada um fazer o que lhe estiver ao alcance para que tenhamos a certeza de que não será possível mais a humilhação secular de um povo pela prepotência interna/externa de elites retrógradas e de seus representantes dramatúrgicos.  


Bibliografia

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Notas

[1] Agenor Bevilacqua Sobrinho é doutor em Artes Cênicas pelo CAC/ECA-USP e Mestre em Artes pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista (IA-UNESP). É pesquisador do Grupo de Pesquisa Estudos histórico-críticos e dialéticos de teatro estadunidense e brasileiro (CNPq). Editor, dramaturgo e escritor, é autor de Atualidade/utilidade do trabalho de Brecht. Uma abordagem a partir do estudo de quatro personagens femininasA LenteA Guerra de YuanO Rato Pensador (todos pela Editora Cia. Fagulhawww.ciafagulha.com.br) e de vários artigos publicados em revistas especializadas. 
[2] Estas notas com o texto em itálico são nossos comentários. O objetivo duplo planejado é: 1) dar sequência/fluxo ao texto dramatúrgico e 2) distingui-las das citações, que por tradição são alinhadas à direita. No texto de Vianinha repetiremos o procedimento.
[3] E não índio, como afirmara D. Flávia. Será que aqui não há duplo preconceito?
[4] Não podemos esquecer que a “feiura” e a “beleza” têm forte caráter cultural.
[5] Sábato saúda o rompimento de certas convenções e o uso sugestivo da elipse, entre outros elogios.
[6] Iná Camargo Costa menciona o aspecto misógino nas obras dos dramaturgos Nelson Rodrigues e Armand Salacrou, autor de L'Inconnué d'Arras, da qual teria sido abstraído o argumento para a construção da “original” Vestido de Noiva (COSTA, 1998, nota 14, p. 76). A respeito da visão negativa de Nelson sobre a mulher, conferir o verbete “Suzana Flag”, in: COELHO, 2002, p. 603.
[7] Para a análise deste crítico sobre Eles não usam Black-tie, consultar, no mesmo volume, as páginas 245-247.
[8] Para uma pequena história do jeitinho, consultar: BARBOSA, 1988, p. 50-56 e, da mesma autora, BARBOSA, 1992. Sobre o jeitinho como modo de relação, ver: DA MATTA, 1994, p. 93-105. A respeito das raízes e dos mecanismos da discriminação e do preconceito e de seus efeitos na cidadania, ler: PINSKY; ELUF, 2000.
[9] A partir de agora sinalizado pela sigla (RE).
[10] Sobre o processo de liquidação das oligarquias, consultar: OLIVEIRA, dez 2002/jan/fev 2003, p. 22-28.
[11] Esse texto recebeu Menção honrosa do Prêmio Serviço Nacional de Teatro de 1966.
Para uma análise do período Vargas, ver, do mesmo autor, Rasga Coração (1980, 320p.) Esta edição contém farta documentação político-cultural daquele momento histórico. O texto recebeu o 1º lugar no VI Concurso de Dramaturgia Nacional do Prêmio Serviço Nacional de Teatro (1974).




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