Carbono 14 estético. Em busca de dramaturgos essenciais.
Por Agenor Bevilacqua Sobrinho
Orcid:
orcid.org/0000-0003-4528-8776
Publicado anteriormente
em: Revista
UniABC - Humanas, v. 1, n. 1, 2009, p. 44-78, 2011.
NOTA
PRELIMINAR, de Maria Sílvia Betti:
Este texto
foi reelaborado a partir de um artigo acadêmico anterior, publicado em 2009
na Revista UniABC - Humanas, publicação da UniABC. Essa
Universidade depois ficou sob o controle administrativo do grupo Anhanguera,
que em 2013 fundiu-se à rede Kroton, criando assim a maior companhia de
educação do mundo.
Demissões em
massa dos professores da UniABC vinham sendo realizadas desde 2010, e a fusão
com a Kroton deu prosseguimento acelerado a essas megademissões, numa
demonstração cabal da prevalência da lógica empresarial predatória e
precarizante em relação ao ensino e ao trabalho docente.
A publicação
dele no blog da Editora Cia. Fagulha tem a finalidade de
alertar os leitores sobre a necessidade da articulação de uma luta continuada e
intensa pela defesa da educação e do trabalho formativo exercido pelos
professores em todos os seus níveis.
Carbono 14 estético. Em busca de dramaturgos essenciais.
Por Agenor Bevilacqua Sobrinho [1]
Resumo
Com a técnica do Carbono
14 estético, este trabalho procura examinar critérios de datação de obras
de dois dramaturgos brasileiros: Nelson Rodrigues e Oduvaldo Vianna Filho (Vianinha).
A partir de textos aqui considerados como paradigmáticos desses autores,
verificamos sua atualidade ou defasagem referente ao presente contexto
histórico da sociedade brasileira.
Palavras-chave: Datação, atualidade, essencial,
velho/novo.
Abstract
Using the aesthetic Carbon 14 technique, this work seeks to
examine dating criteria in the works of two Brazilian playwrights: Nelson Rodrigues
and Oduvaldo Vianna Filho - Vianinha. Based on texts by these two authors
considered as paradigmatic, we verify how current or outdated they are
concerning the present historical context of Brazilian society.
Keywords:
Dating, current, essential, old/new.
Resumen
Con la técnica del
Carbono 14 estético, este trabajo busca examinar los criterios de fechar las
obras de dos dramaturgos brasileños: Nelson Rodrigues y Oduvaldo Vianna Filho
(Vianinha). A partir de textos considerados como paradigmáticos de estos
autores, verificamos su actualidad o su desactualidad en relación al presente
contexto histórico de la sociedad brasileña.
Palabras-llave:
Fechar, actualidad,
esencial, viejo/nuevo.
Introdução
O isótopo 14 do carbono serve para a
datação em arqueologia e em geocronologia. Como as obras teatrais procuram
penetrar na sociedade para comentá-la de maneira mais ou menos crítica, mais ou
menos reacionária, mais ou menos contestatária, poderíamos pensar num sistema
que permitisse datar amostras de origem dramatúrgica. Por empréstimo da física,
o chamaremos de Carbono 14 estético.
Selecionamos dois textos por nós
considerados paradigmáticos de dois dramaturgos brasileiros: Nelson Rodrigues (Dorotéia)
e Oduvaldo Vianna Filho - Vianinha (Se correr o bicho pega, se ficar o bicho
come), em parceria com o poeta Ferreira Gullar. Nosso fito é averiguar a
atualidade ou defasagem referente ao presente contexto histórico da sociedade
brasileira.
Primeiro observamos os instrumentos
considerados mais precisos para evidenciar a contemporaneidade ou não das
obras. Por exemplo, o quadro de referência intratextos e a época em que são
lidos. Ao utilizarmos critérios de atualidade, o fazemos para verificar se a
recepção permanece forte ou esmaecida.
Em seguida, questionamos a maneira pela
qual se classificam os dramaturgos tidos como essenciais. Esta
característica permanece quando não sobram vasos comunicantes da obra com o
leitor?
Depois, analisamos a questão do velho/novo.
A reconfiguração político-social de um país não envelheceria de forma demasiada
algumas peças tidas como atuais num período bem próximo?
Finalizamos este trabalho
contemplando as novas perspectivas que se abrem ao Brasil a partir de 2020.
Parte 1 - Dorotéia ou o retrato da
mulher rodrigueana.
1.1 Ideias
mofadas
Caso
Ziembinski se equivocara ao dar uma impostação trágica (MAGALDI, 1981, p. 30),
na montagem de Dorotéia, cuja estreia de sete de março de 1950 redundou
em malogro, qual seria a participação do dramaturgo neste feito? Será que ele
não pôde conversar com o diretor polonês antes da estreia?
Sábato,
organizador das obras completas de Nelson, comunica-nos porque incluiu Dorotéia
entre as peças míticas.
Aí estão, sem nenhum intuito
catalogador, diversos mitos: o do sexo envolto na ideia de pecado, o de beleza
ligado à maldição, a doença como purificadora da alma, a feiura como espantalho
do demônio, a condenação do filho rebelde a retornar ao útero materno, a recusa
do próprio corpo conduzindo à rigidez da morte, o artifício como antônimo da vida (Ibid., 1981, p. 31).
Vamos ler o texto de Nelson (RODRIGUES, 1981,
p. 193-253). Daí teremos condições de nos posicionarmos com nitidez.
Primeiro ato. Três primas viúvas, D. Flávia,
Carmelita e Maura, vestem-se de maneira a ocultar qualquer resquício de suas
curvas femininas. Estão em eterna vigília. Não dormem para jamais sonhar. No
sonho rompem volúpias secretas e abomináveis. As senhoras vivem com a
adolescente Maria das Dores, tratada apenas por Das Dores (Ibid., p. 197).
Abomináveis por quem? A rubrica assevera
algo que o autor recomenda? As dores que se carregam no nome são fatalidade? [2]
Dorotéia bate à porta. Diz ser parente.
É confundida com outra de mesmo nome que se suicidara. A senha de entrada para
um parente é saber da náusea (repúdio ao ato pecaminoso) de homem na
noite de núpcias (Loc. cit.), sina familiar inaugurada pela bisavó, que se
casara com homem distinto do que amava. Pecara contra o amor e a “tragédia”
é extensível aos membros da família por todos os tempos (Ibid., p. 198 e 200-201).
A fórmula da ligação sexo-pecado, nos
dias de hoje, soa empoeirada. As redes evangélicas na televisão falam
abertamente de preservativos e da vida sexual de casais. Mesmo na Igreja
Católica, os padres procuram ter mais bom senso do que intolerância. Além
disso, o próprio fato de Nelson Rodrigues ter sido assimilado pela Vênus
Platinada, a TV Globo, como “queridinho”, demonstra de maneira cabal as
afinidades eletivas recíprocas.
Também, a ideia de
destino inelutável é boa para enganar incautos, que aguardam com fervor para
conhecer as determinações contidas na página 9.967 do destino e, assim, saber o
que sucederá no dia de hoje às 15 horas. Mas utilizar tal artifício com quem
pensa...
Dorotéia
mostra seu belo rosto. Ao contrário das outras que portam máscaras. “Veste-se
de vermelho, como as profissionais do amor.” (Ibid., p. 198)
A fixação do dramaturgo
carioca em assimilar a mulher bonita, a que tem prazeres sexuais, enfim, a que
é saudável, à prostituição, e amaldiçoá-la, em decorrência dessas “quedas”, é
permanente na sua produção.
D. Flávia lembra
da existência de duas mulheres na família com o mesmo nome. A que morreu e a
que se desviou na vida e acabara de chegar. Dorotéia nega. D. Flávia, bem
informada, diz saber da vida pregressa da “perdida”, pois as notícias circulam
rapidamente na família (Ibid., p. 199).
D. Flávia afirma ser da época dessa
notícia que se demarcou a diferença entre elas e Dorotéia, a prostituta. Esta
se defende. Só podem estar se referindo à Dorotéia morta. Ela, a viva, sabe bem
dos preceitos familiares (Ibid., p. 200).
A
inflexível viúva acrescenta que, distintamente de Dorotéia, “as mulheres da
família têm um defeito visual que as impede de ver homem”. Quem não tiver
essa deficiência (para as viúvas, virtude!) serão condenadas. Elas casaram-se
com maridos invisíveis, o que sucederá com Das Dores, que casará no dia
seguinte (Ibid., p. 201).
Resguardadas das
imagens que os olhos poderiam lhes proporcionar, elas não se expõem à tentação.
Desculpem. É pedir
muita paciência, mesmo ao leitor/espectador do tempo do texto/encenação, para
aturar essa discussão que mais parece algo relativo ao Comitê das Ligas das
Senhoras Católicas de 1930.
O invisível,
para o recato das senhoras, vai se decompor diante da náusea (!) Dorotéia
morava num quarto (lugar do pecado / da intimidade). E na “devassidão” estava
sempre acompanhada de “jarros” (símbolos do contato sexual).
Dorotéia teve um
filho (não uma filha, que seria um atenuante) (Ibid., p. 202). Portanto, sem a
náusea fatal. Não teve o defeito de visão das outras mulheres da família. Desde
garotinha, via os meninos. Mulher, via os homens (Ibid., p. 203).
Enquanto as
viúvas-puras moravam na casa onde só existiam salas (lugar público no interior
da residência), a libertina Dorotéia vivia em inumeráveis quartos (espaço do
perigo para as “puras”, que, mortas-vivas, se libertavam da existência).
Sobretudo,
Dorotéia não se negava a ver. E vendo podia excitar-se. Ao inverso das “castas”
que, não vendo, reprimiam a emergência do desejo.
Vozes chamavam Dorotéia para a “perdição”.
Fugiu com um paraguaio [3], que morreu. Foi para o prostíbulo, dando
preferência aos senhores de mais idade (supostamente de melhor condição
econômica). Sua atividade financiava a educação do filho. Este adoeceu. O
médico avançou sobre a mãe, recriminando-a sobre sua condição de prostituta e
cobrando-lhe favores sexuais (Ibid., p. 204-205).
Assim,
a morte do filho parece ter sido negligência dupla: do médico, que não se ateve
a seus deveres e obrigações; e da mãe, que se largou às insistências do médico
e descuidou em atender o filho.
Imputar
à mãe tal culpa não é inusitado na obra de Nelson.
Ato
desesperado, Dorotéia negou-se a enterrar o filho: “Enterrar, só porque
morreu?” O cheiro vindo do quarto chamou a atenção da vizinhança, que a
obrigou a separar-se do corpo putrefato do filho, desligando-a de seu único elo
afetivo. D. Flávia não se comove e a exprobra: “...não tiveste a náusea da
família!” (Ibid., p. 205).
Autoritária,
a viúva não dá espaço para o contraditório. Aflita, imagina apenas que deve
acontecer o que está escrito nas estrelas (cadentes!). “Mutatis mutandis”, logo
veremos a similaridade entre essa guarda de Dorotéia do corpo apodrecido do
filho e a guarda de Das Dores, nascida morta aos cinco meses de gestação, e não
enterrada (inclusive mentalmente, pois se trata de uma projeção) para poder
cumprir as psicóticas necessidades da mãe, D. Flávia.
Com a perda
irremediável do filho, Dorotéia resolve retornar à família e “ser uma senhora
de bom conceito”. Mas não se encaixa nos requisitos de D. Flávia: A intrusa
só fala em quartos (onde a carne e a alma se desviam). Em sala nunca! A casa só
tem salas e nenhum quarto, nenhum leito. Só nos deitamos no chão frio do
assoalho... Sem nunca dormir! Sempre velando. Para que a alma e a carne não
sonhem (Ibid., p. 206).
Enquadrar-se
no figurino das viúvas para se converter em “senhora de bom conceito” significa
um ritual de mortificação desprovido de sentido. A não ser que essa história
não seja mais do que um ato alucinatório de Dorotéia, que se autoexecra num
autoflagelo ilimitado. Onde o espaço psíquico se reduziria de forma drástica
para incorporar e viver somente com a instância de um superego social (dos
séculos XVIII / XIX) e abdicar por completo do equilíbrio entre os princípios
do prazer e o da realidade e se refugiar (que lugar péssimo!) na câmara
hermética de complexos persecutórios.
Escarificar
as personagens e deleitar-se com o feito são outras marcas do velho carioca.
Neste
mundo rodrigueano, é sinal de prestígio ser feia, não ter quadris ou mãos que
acariciem. É injúria suprema ser linda, doce, amorosa e ter hálito bom. Decididamente,
da boca deve emanar qualquer coisa que lembre podridão (Ibid., p. 207).
Bom hálito atrai os homens e põe a
mulher em tentação.
Conceder que o dramaturgo estava
criticando as instituições (MAGALDI,
1981, p. 36) é não verificar que ele as elimina (Maura e Carmelita)
exatamente por não se manterem rígidas e peremptórias em suas posições. Ou
seja, morrem (real ou virtualmente) não por serem ultrapassadas, mas por
perderem a “coerência” objetivada por D. Flávia.
D. Flávia
revela porque a outra Dorotéia se afogou. De ódio. Tinha um corpo nu sob as
vestes. E para que não haja dúvida, D. Flávia se vangloria em conjunto com as
primas: O nosso corpo é um corpo seco (RODRIGUES, 1981, p. 207).
A
mentalidade cristã do velho carioca recupera a tradição do corpo como empecilho
para a “espiritualidade”, como óbice para a “pureza”. Sem libertar-se desses
códigos, precisa anatematizar os corpos e seus possuidores, que têm de resgatar
a dívida do suposto “pecado original”.
Dorotéia
está disposta a pagar o pedágio da “virtude” e ser uma igual: sem quadris, ser
cega... e ter a náusea.
Mas
não é só Dorotéia quem deve purgar suas quedas. No quinto mês de gestação, D.
Flávia teve um susto e Das Dores nasceu morta. “Roxinha...” ! Mas não
foi comunicada, porque “seria pecado enterrá-la sem ter conhecido o nosso enjoo
nupcial. Ela cresceu na ignorância da própria morte” (Ibid., p. 208).
Presume que vive. E ajuda nos serviços da casa (Ibid., p. 209).
Um
espectro ronda D. Flávia. Das Dores é autonomização de sua fantasia.
Presume
que “vive”. Na imaginação de quem? Por que essa autonomia a Das Dores que lhe
possibilita ser uma virtualidade completamente exteriorizada? Sua existência “objetiva”
é o bálsamo de D. Flávia para não se fugir à regra das núpcias? Mas esta não
foi quebrada pela mãe que a pariu morta e, por conseguinte, tornou-a incapaz de
realizar no plano real o dever familiar?
Após a morte
do filho, o “jarro” persegue Dorotéia, tirando-lhe o sossego. Procura
desvencilhar-se da fatalidade: um homem se aproximará e agirei de forma
leviana.
Suplica
ajuda das primas, que caçoam da intenção dela. Aceita até ser morta, desde que
aceita na família (Ibid., p. 209-211).
A
mulher que exerce sua sexualidade é “leviana”. Ter prazer é “insano” e nessa
marcha logo aparecerão os Cavaleiros do Apocalipse...
O
ingresso de Dorotéia não está hipervalorizado? Afinal, por que entrar de sócia
num clube cujas integrantes estão velando-se mutuamente?
As
viúvas de mãos abertas avançam em direção a Dorotéia. Ela adverte que vai
gritar. É demovida por D. Flávia: Não adianta. Está incomunicável. Como
Nepomuceno, com quem D. Flávia nutre um desejo inconfessado de um “affair”. Nunca...,
diz sonhadora, sobre o “fato” de que ele nunca teve namorada (Ibid., p.
211-212).
Dorotéia parece preocupar-se com sua
memória pós-morte. Roga para que as primas falem dela apenas coisas “decentes”.
E como “ser bonita é pecado”, pois faz com que os homens se engracem tanto e
impede a boa conduta, ela está disposta a adquirir a mesma identidade das
primas para ser uma igual. Quer dizer, reduzir-se à feiura [4] das primas,
renunciando à beleza do rosto e do restante do corpo. É a fórmula por meio da
qual não aparecerá mais nenhum “jarro”.
Por isso, a
morte do filho já foi um favor e aviso da Providência, chamando-a para o
caminho da virtude (Ibid., p. 212-213). E a compaixão divina prescreve cobri-la
de chagas que devorem sua beleza, verdadeiro insulto a Deus (Ibid., p. 214).
A
mentalidade que preside essa concepção é a do sofrimento purificando a alma. As
santas fogueiras da Inquisição já faziam o mesmo. Mas elas eram contemporâneas
de seu tempo, porque este já era anacrônico ao aceitá-las.
Como é
impossível ser bonita e ter bom proceder (?!), Nepomuceno, o solitário,
fornecerá as chagas em quantidade (Ibid., p. 215). Há pressa e Dorotéia é
despachada: “Vá logo!, antes que chegue a sogra de D. Flávia, trazendo seu
genro.” Recalcitrante, Dorotéia pede auxílio aos céus. E lamenta ser
mulher sem muita instrução (grifo nosso). No fundo da cena aparece o “jarro”.
Dorotéia é pressionada. Amaldiçoa-se por sua beleza e roga ser como as primas.
Fim do primeiro ato (p. 216).
O
estereótipo da mulher bonita e “burra” (sem muita instrução), passível de ser
engabelada por esse conto da carochinha de má-consciência, é mais um indício de
que as peças que se pretendiam “desagradáveis”, provocando “pestilências” (RODRIGUES, 1949, apud MAGALDI, 1981,
p. 13.), não poderiam ultrapassar o mais fastidioso tédio.
Segundo
ato. Das Dores clama
pelo noivo. Ansiosa, quer saber se terá a náusea nupcial (RODRIGUES, 1981, p.
217). Entra D. Assunta da Abadia. Viúva e de luto. Porta uma máscara hedionda.
As mulheres trocam gentilezas entre si elogiando a feiura uma das outras. D.
Assunta justifica a razão da entrega do filho, pois se trata de lugar de tantos
predicados e exemplo de reputação (Ibid., p. 218-219). A mãe busca o filho, que
aguardava na varanda (Ibid., p. 220).
Traz
o filho num embrulho, com cordão de presente. Desfaz com dificuldade o nó
(lidar com homens) e retira o “filho”: duas botinas desabotoadas (símbolo da
presença masculina) (Ibid., p. 221).
Em
que pesem o achado formal do “jarro” e das “botinas”, estamos removendo as
crostas de reacionarismo concentradas no texto. Ademais, o “escândalo” que se
quer insinuar pelo moralismo desenfreado das viúvas e do autor, hoje não
produziria mais do que aborrecimento.
Como
contraponto, A casa de
Bernarda Alba (1936), de García Lorca, que localiza a opressão da matriarca
em século anterior, mantém sua atualidade. Porque é um esforço criativo pela
liberdade que se espraia e é necessário em qualquer tempo. Denuncia aquelas
estruturas em seus escaninhos mais recônditos. Mas sabemos que este autor
sempre manifestou aversão aos fascistas, e, coerente com sua escrita, lutou,
foi detido e fuzilado em 1936 pelos franquistas na Guerra Civil Espanhola.
D.
Assunta despede-se do filho se recriminando por não ter pingado o remédio no
ouvido do filho (Ibid., p. 221).
A
mãe, ultrapassando suas obrigações, quer tratar do homem em idade de casar-se
como se ainda fosse criança, dando ao autor oportunidade de sarcasmo. Porém, D.
Assunta obedece ao autor e leva o homem/botina (adulto) para quem ela escolheu
(criança sem autonomia). São incongruências do velho carioca que o deixam em
posição desfavorável.
Das Dores, que
pensa poder falar, apesar da sina familiar, pergunta se terá o defeito de visão
da família. D. Flávia, a mãe, a conforta: Claro. É uma graça de Deus.
Mas Das Dores, ao voltar-se para as “botinas”, enxerga o que “não deveria”. As
tias também veem, sem admitir. D. Flávia: Por que Deus nos deu olhos?
Das Dores, maternal, procura atrair o “noivo” (Ibid., p. 222-225).
Sem
mediação, se protesta pela posse de algo que não se tinha. O surto de visão
coletiva e repentina, numa família cega a “essas coisas”, parece ter sido uma
saída tardia, e, por consequência, inconvincente.
Maura,
uma das viúvas, duvida que Das Dores terá a náusea. É fortemente repreendida.
Vai além a “pecadora”, e olha por cima do leque o idílio nupcial e descontrola-se.
Das Dores vê o “noivo” (Ibid., p. 226).
Maura
delira e só pensa em “botinas desabotoadas”. E quer ser morta por esse “sacrilégio”.
Pede a D. Flávia essa clemência, no que é atendida de pronto. Simbolicamente,
Flávia, à distância, a esgana para que Maura não veja mais “botinas”.
Insatisfeita, Flávia quer matar a prima Carmelita, que diz haver mais mortos na
família: A náusea está agonizando. Flávia, espantada com tamanha “petulância”,
esbraveja: É mentira! (Ibid., p. 227-230).
Carmelita
deve ser morta por blasfemar contra a náusea. Mas ela, em seu “desvario”, se
excede: quer um “par de botas” na eternidade. Flávia oferta-lhe a morte
simbólica, sem “botinas” (Ibid., p. 230-231).
Flávia
decide se alguém vive ou morre; determina se pode ficar ou não com “botinas”.
Tão poderosa é esta senhora que, ao matar, não é cruel, mas tem “comiseração”.
Volta
Dorotéia. Não há explicação sobre as mortas que jazem no palco. Sôfrega, Flávia
quer saber como foi o encontro com Nepomuceno. Ela regozija-se em saber que a
prima ficará empestada, mas acha pouco o número acordado de duas chagas para o
rosto (Ibid., p. 231-232).
Sem
explicações. De novo. Os caprichos do autor nos exigem demasiadas concessões.
Também, o clichê da mulher realizada por
destruir a outra, tida como competidora, reduzi-la à mais completa fealdade
para rejubilar-se, desconhece os laços solidários entretecidos entre as
mulheres e revela ignorância da psicologia feminina.
Perversa,
Flávia humilha Dorotéia e ainda exige que ela reconheça ser um favor
arrumar-lhe as chagas que infestarão seu corpo. O rosto belo, culpado, é
obrigado a expiar com as irrupções. Flávia se entrega a “mais casta das
atividades: o tricô”. Fim do segundo ato (Ibid., p. 233-234).
A “overdose”
de catecismo fez mal ao velho carioca. “Lugar de mulher é fazendo tricô”, assevera
a inocente didascália.
Terceiro ato. Dorotéia e Flávia, apavoradas pela
visão do “jarro”, correm de um lugar para outro do palco. Flávia sugere ser o
cabelo bonito de Dorotéia, incompatível com o de uma senhora honesta, o que
atrai o “jarro”. Receosa, Dorotéia sugere poupar a cabeleira. Flávia insiste: “Tudo
em ti precisa ser castigado!” E indigna-se: por que suas chagas demoram
tanto, se eu as espero (Ibid., p. 235-236).
“Senhora
honesta” não é expressão sem vícios. E aqui sua ambiguidade, pela situação do passado
de Dorotéia, é muito forte. Resta saber o que é um “homem honesto” para o velho
dramaturgo.
Flávia,
inquieta, quer saber se Das Dores já teve o “incômodo” (Ibid., p. 237). A
resposta negativa faz com que Dorotéia e Flávia armem um plano para liquidar o
filho de D. Abadia (as botinas) (Ibid., p. 238).
A viúva
hipócrita confessa que se sonhasse cairia em tentação. Pede misericórdia: a
náusea, Senhor (Ibid., p. 239). Ameaça eliminar o amado de Das Dores (Ibid.,
p. 240). E declara à filha que ela nascera de cinco meses e morta. Tu não existe!
Atônita, Das Dores balbucia: Não existo? (Ibid., p. 241)
Não existindo, Das Dores não pode
macular a honra da família. Graças! Solução: Das Dores “retorna” para o ventre
da mãe (simbolicamente, pondo a máscara no peito de Flávia). Ela renega a nova “gravidez”.
Mas Dorotéia observa-lhe que não poderá esconder a maternidade (Ibid., p.
242-243).
“Serial
killer” fratricida, Flávia é uma morta-viva que se nutre de morte. Nem mesmo
sua fortaleza “moral” é inexpugnável diante da “tentação”.
Impedir a
identidade da filha obedece ao princípio de que não há vontades outras que não as da mãe, quer dizer, as de Deus.
Flávia,
desesperada, quer ser salva. Pede a Dorotéia que esgane a filha. Dorotéia dá um
“álibi” para a prima: “Ninguém melhor que uma mãe, com mais autoridade, para
sufocar aquilo que ela mesma gerou... A mãe pode pegar uma filha e lhe abrir o
rosto ao meio, sendo que um perfil para cada lado...” (Ibid., p. 244).
O
estatuto da propriedade privada rege a relação doentia entre mãe e filha?
Então, tá!
As
botinas parecem excitar Flávia. Dorotéia se diz capaz de enfrentá-las e se
livrar delas. Flávia está em pânico e, ao mesmo tempo, deseja aproximar-se das
botinas. Dorotéia lhe ajuda, mas as botinas refugam a viúva (Ibid., p.
245-247).
Flávia
recobra o controle. As botinas escolhem Dorotéia. A viúva avisa as botinas que
Dorotéia terá chagas. Não surte efeito. Dorotéia, involuntariamente, arruma os
cabelos, bota pó nos ombros, no pescoço. Se arrumar atrai as botas (Ibid., p.
248-249).
A
medicina padeceu de proibições da Igreja na Idade Média seguindo “argumentos”
religiosos de que não seria permitida a exumação de cadáveres por não haver
permissão divina. Caso Deus quisesse que os homens conhecessem as entranhas,
teria criado o ser humano transparente. Clandestinamente, médicos continuaram a
estudar e obtiveram avanços nesse e em outros ramos.
A “mulher
casta” é aquela que entrega para Deus os cuidados do corpo? Atrair o homem é
pecaminoso? Isso é antinaturalismo ou psicose? E de que época?
A prima
viúva faz menção de esganar as botas, mas as acaricia. Sendo censurada por
Dorotéia, a “ex-perdida” (Ibid., p. 250).
Dorotéia
se examina para saber se as chagas vieram. Nada. Aparece o “jarro”: as duas
ficam maravilhadas. Dorotéia parece entregar os pontos e aceitar sua “sina”.
Flávia tenta impedi-la. Sem êxito. Dorotéia, em fala narcísica, diz: “Sou
tão linda que, sozinha num quarto, seria amante de mim mesma...”
Ela
volta-se para a plateia com uma máscara hedionda, que assombra até quem
almejava sua destruição (Ibid., p. 251).
A
noção de pecado faz com que as personagens oscilem entre o desejo e a culpa
exacerbadas.
De
novo, a ideia de predestinada para a “prostituição” fragiliza o enredo.
Masturbação,
ato narcísico por excelência, também não pode.
Feiura
e pureza, beleza e impureza: o mesmo ramerrão.
A personagem,
que é papel título, continua a falar sem se dar conta. Sai o jarro de cena e as
botinas se afastam diante das chagas que dominam o corpo da manipulada Dorotéia
(Ibid., p. 252).
D. Assunta
embrulha seu “filho” e se adianta nas notícias: já sei, sua noiva teve a
náusea. Sempre foi assim nesta família (Ibid., p. 253).
Dorotéia tem
reminiscências de quando atraía os homens. Flávia lhe adverte que antes ela não
tinha as chagas.
“Qual será o
nosso destino?”, quer
saber Dorotéia. Flávia: “Vamos apodrecer juntas.” Fim do terceiro ato.
Despeito,
destino, tradição...
Basta!
Basta!
1.2. Características da escritura
Um exame psicanalítico do
autor revelaria as suas contradições íntimas, que impedem a fatura de uma arte
adulta. Até hoje, o mundo se coloca para ele como o lugar do pecado, e as suas
criaturas pendem entre as mais severas proibições e o prazer de infringi-las.
Quebram elas, com frequência, os convencionalismos sociais, mas se recolhem
depois ao autoflagelo puritano. Os manuais de 'psicanálise ao alcance de todos'
parecem reger muitas das sondagens interiores, dando-lhes uma evidente
ingenuidade, nesse território primário dos complexos. Nelson Rodrigues ainda se
pauta por códigos infantis.
(MAGALDI, 1997, p. 226)
A citação acima revela a decepção do
crítico Sábato Magaldi com o desfecho “do mais barato folhetim” em que se
encerra O beijo no asfalto; e também finaliza a avaliação, no Panorama
do teatro brasileiro, sobre o perfil de Nelson (MAGALDI, 1997, p. 226-227)
[5]. O que significa que não estamos diante de uma falha isolada. A mesma
idiossincrasia se apresenta ao longo da produção rodrigueana.
Seria
imprudente diante da “vaca sagrada” Nelson Rodrigues a postura iconoclasta?
Ora, a vaca no pasto está exposta. Sujeita à consagração, à crítica, à
indiferença, ao tédio... Ademais, infeliz a terra que precisa de heróis
(BRECHT, 1991, p. 154) e de ídolos.
A galeria
dos que se ajoelharam em reverência ao velho senhor é extensa. Mas o exame
atento e sem preconceitos propicia abordagem mais complexa, mormente se ela tem
visão historicizada e crítica dos textos.
Com
precisão, COSTA (1997, p. 69-85) já explicitou as fontes de Vestido de Noiva
e como a personagem Alaíde Moreira transita no Purgatório católico, expiando
seus pecados.
Por
isso o dramaturgo primeiro a faz reconhecê-los — ladra dos namorados da irmã,
seus ímpetos assassinos em relação ao marido, bem como sua identificação e
fantasias com prostitutas e a vida em bordel — para, depois da penitência de
acompanhar sua própria agonia e funerais, assistir ao casamento da irmã com seu
viúvo, tendo ainda que (simbolicamente) entregar a ela o buquê da noiva.
Leia-se: foi feita a justiça divina, restabelecendo-se a ordem que Alaíde
atropelou, e esta se curva humilde aos desígnios do Senhor — Nelson Rodrigues.
(...) expiados os pecados, Alaíde pode descansar em paz (e eventualmente
alcançar o reino dos céus após o juízo final, como aprenderam os cristãos). (COSTA, 1997, p. 81-82)
Já em 1958, Eles não usam black-tie,
de Gianfrancesco Guarnieri, discutia de forma madura o papel da mulher na
sociedade e na literatura. Tião, o fura-greve, é eclipsado pelas personagens
Maria e Romana (COSTA, 1998, p. 177-181).
Entretanto, o desprezo e a aversão às
mulheres [6] estão difundidos nos textos de Nelson. Por essa razão, nos
debruçamos sobre Dorotéia, porque seu conteúdo está disseminado no
restante da produção deste autor.
Assim, utilizando o critério de
atualidade adotado por Sábato Magaldi para uma peça do repertório brasileiro,
como sendo a que penetra a realidade do tempo com maior agudeza (MAGALDI, 1997,
p. 245) [7], seremos obrigados a identificar nas peças de Nelson o alheamento
em relação à sua época, pois seu estacionamento no século XIX e, muitas vezes,
no XVIII, é patente. Para corroborar nossa afirmativa, fizemos o percurso de Dorotéia.
O uso desbragado de acusações às
personagens ou a sanha de tirar-lhe uma lasca, “modus faciendi” que
caracteriza o dramaturgo carioca, é tão tendencioso que custa a crer que seus
adeptos não se apercebam. Todavia esperamos que o levantamento temático tenha
oferecido aos incrédulos entusiastas do velho senhor elementos para que eles
próprios analisem.
1.3. Simbolismos e ideologia ou 2020 e Dorotéia.
Um delírio põe a heroína
num prostíbulo. Logo se percebe que estava ferida pela nostalgia da prostituição.
Alaíde procura Madame Clessi, a meretriz antiga e fenecida. E assim o mito da
prostituta se irradiava para a plateia e cada espectadora ficava tensa de
sonho. (RODRIGUES,
1993, p. 203, apud COSTA, 1998, p. 82)
Os desdobramentos político-pedagógicos
de textos com essas peculiaridades remetem à reprodução de cunho reacionário da
maneira pela qual se representa a figura feminina.
Não é por acaso que a mentalidade que
preside os comerciais de cerveja é de reduzir a mulher à estrita dimensão patriarcal
de objeto de cama e mesa. Não se levantem desesperados os fãs do velho carioca,
acusando o escriba de responsabilizar um defunto sobre questões que não lhe
diriam respeito.
A esses incautos, peço que tomem ciência
da extensão do desastre operado por aqueles que compartilham do amesquinhamento
do universo feminino sem se darem conta dos estragos provocados ou sem
assumirem, simplesmente, o ódio à mulher.
Talvez seja conveniente aos mais
renitentes a leitura do “mestre”. Recomenda-se apenas que renovem suas lentes
para que não haja deficiência de crítica.
Nelson impôs sua obra por uma engrenagem
de marketing pessoal muito engenhosa, lastreada na estrutura da empresa
familiar e se servindo de colegas para produzir “críticas fecundas” a seu
trabalho.
Sabemos que a questão de gênero não
é lateral no dramaturgo. Sua visão machista estreita sobre a mulher privilegia:
a subserviência infame aos tipos mais descarados; a fabricação de
desejos e aspirações de prostituta; os desatinos mórbidos que recheiam suas
personagens. É material interessante para psicanalistas analisarem escritores.
Por outro lado, a naturalização
de processos histórico-sociais, que passa ao largo das engrenagens do poder,
elidindo as circunstâncias estruturais que produzem os quadros apresentados
acriticamente, reforça as desigualdades, tidas como desígnio da vontade de
Deus. Leia-se, dos senhores da Casa Grande travestidos de deuses, aos quais
cabem selar o destino irreversível dos portadores do pecado original. Opa!,
nosso esforço não foi em vão, acabamos por encontrar, pelo método do carbono
14 estético, a datação das escrituras do velho senhor. Ele é contemporâneo
dos produtores da Bíblia e de seu elenco imaginoso: Adão, Eva, o Deus
(masculino!), a cobra (fêmea) perversa do Paraíso...
Parte 2 - O bicho que pega e come.
2.1. A
crítica contundente e atual
Se correr o bicho pega, se ficar o bicho
come, de Oduvaldo
Vianna Filho e Ferreira Gullar (VIANNA FILHO; GULLAR, 1966), remete-nos a outro
universo de discussão. Com o carbono 14 estético afiado, na verdade
microscópico, vamos identificar se seu trabalho é “datado”, expressão
pejorativa empregada para significar algo ultrapassado, ou, pelo contrário,
guarda alta capacidade de penetrar a realidade do tempo com maior agudeza.
* * *
Roque (José, João ou Mário, não importa)
é um tipo social que representa uma coletividade. Brás das Flores questiona a
abundância da safra e a carência de comida para os camponeses. Desvia algodão
por motivos econômicos. É despedido por Roque (repetindo o motivo do ato presente
em Os Azeredos mais os Benevides — VIANNA FILHO, 1968, p. 69-72 —, em
que Siá Rosa e Alvimar desviam cacau de Espiridião, o patrão. Alvimar delata
Siá, que é demitida).
A desigual distribuição de renda no país
está há muito tempo entre as mais perversas do mundo. Tendo se aprofundado
durante o reinado dos doutos iluminados tucanos (1994-2002) que, não
satisfeitos, não aceitaram o resultado das urnas em 2014 (quatro derrotas presidenciais
consecutivas), planejaram e executaram com as oligarquias judiciais, militares,
midiáticas, parlamentares, internamente, e com a concepção dos Estados Unidos, externamente,
o golpe de Estado de 2016, tendo levado o Brasil ao neofascismo de Bolsonaro.
Os elevadores sociais, emperrados,
aumentam a criminalidade.
Brás cometera uma imprudência. Roque o
advertira: resvalar pode; não pode é não ser bem-sucedido. Fez com a pessoa
errada (Joca Ramiro) (VIANNA FILHO; GULLAR, 1966, p. 9). Roque assume
postura de patrão. Como quem expulsa escolhe as armas (Ibid., p. 12),
Brás, desarmado, é espancado por Roque.
Antropologicamente, a sociedade
brasileira altamente estratificada e hierarquizada, para alguns teóricos de
maneira muito rígida, proporciona o aparecimento do chamado jeitinho brasileiro, que teria por
função distender, como válvula de escape, as relações sociais. Ou seja, burlar
determinadas regras e normas para manter a convivência e a violência não
explodir. Para outros analistas, tal expediente não passaria de mau caráter do
indivíduo e demonstraria a impossibilidade do sujeito de conviver com regras e
normas [8].
Sociologicamente, não se pode deixar de
compreender que a extrema desigualdade, a assimetria social gigantesca, deu a
determinados estratos o privilégio sistemático do desrespeito às leis (estão
sobre as mesmas); quer dizer, usufruem a impunidade. Extensos contingentes das
classes médias e das altas, ao contrário do que crê o senso comum, ampliam suas
vantagens com a desenvoltura com que sabem transitar em salões palacianos ou da
burocracia pública. Verticalmente, alguns dos que se situam na base da pirâmide
social adaptam tal equivalência a partir de seus parâmetros, reproduzindo,
relaxando ou ignorando códigos e determinações.
Entra o Coronel Honorato, sujeito
trapaceiro. Roque é sua vítima no jogo de damas. O Coronel repreende Roque por
este não aceitar a fraude. Seu modelo era Souza Trança: perde submisso e de
bigode (Ibid., p. 20).
Seguindo a tradição autoritária e a
herança escravagista, o trabalhador é objeto e extensão da vontade do
sinhozinho. Ao se insurgir contra a “normalidade”, Roque desorienta o Coronel.
Entre os senhores da Casa Grande, Nei
Requião, desafeto do Coronel, está bem assentado, aboletado há 10 anos no
governo. O que “misteriosamente” lhe facilita os negócios na Usina (Ibid., p.
21).
O Coronel adquire variedade de produtos,
mas muita coisa inservível. Por exemplo, aparelho elétrico onde não há luz (Ibid.,
p. 23-26).
As lutas pelo poder entre as elites no
Brasil não se dão pelas divergências sobre o que fazer nele. Mas apenas que
personagens desempenharão na prática as determinações do projeto de dominação.
Ademais, a compra de materiais que não
poderão ser utilizados tem duplo sentido: por um lado, revela forma de humilhar
pela ostentação; por outro lado, demonstra a incapacidade desses segmentos em
modernizar-se, ficando pendurados nas benesses dos cofres públicos.
Roque tenta se aproximar de Mocinha,
filha do Coronel. Faz-lhe carícias. Escada social e desaforo para o fazendeiro
decadente, que reserva sua herdeira para um janota, Mendes Furtado, filho de
senador. Este manifesta ao público (expediente épico) ter uma hipoteca no
pescoço, desapreço pelo campo e intenção de se arranjar com a suposta riqueza
do Coronel (Ibid., p. 28-32). Abraço de afogados.
Esse tipo de união, o casamento como
acordo mercantil entre famílias endinheiradas, escarnece das pretensões do
romantismo burguês.
Roque sonha em desposar Mocinha. É
montado um quiproquó. Roque agarra Mocinha. Ela grita pelo pai, que quer saber
o que houve. Ela diz querer fazer pipi. Vai ao banheiro (na fazenda, espaço
exterior à casa) junto com Roque. Na escuridão, o pai nada percebe (Ibid., p.
35-42).
Recurso épico [9] (RE): Roque pede ao
eletricista para apagar a luz. Deita com Mocinha (Ibid., p. 43). Está exultante
e reparte sua alegria com o Burro Cirino (Ibid., p. 44-45). Ator vestido de
burro ouve e gesticula. Os burros conversam do feito e do acontecido (RE).
Roque passa a construir sua trajetória
como aquele que rompe os mecanismos estabelecidos (união interclasses) e ridiculariza
o representante da oligarquia [10]
rural.
O Coronel avança sobre Rosinha, a
camponesa (Ibid., p. 46-47). O marido, Joca Ramiro, se dá conta (Ibid., p. 48).
Diz ao público que vai se vingar (Ibid., p. 49) (RE).
Rancoroso, delata o namoro de Mocinha e
Roque (Ibid., p. 50). Coronel encomenda um matador para vingar-se Ibid., (p.
50-51). Furtado, o pretendente, já está ciente dos boatos. Admite para o
Coronel ser calúnia do povo (Ibid., p. 52-54). Ao público (RE), confessa que a
falta de dinheiro o obriga a engolir a insolência. Mocinha entra em cena e nega
(Ibid., p. 54-55). Furtado ao público (RE): viram minha inocência.
Coronel bate em Mocinha (Ibid., p. 56).
Os “serviçais”, objetos à disposição do
Coronel, “devem” satisfazer suas aspirações econômicas, sexuais etc. Tanto a
regra está estabelecida, que a única reação por parte de Joca Ramiro é devolver
ao patrão o dissabor de saber da mistura interclasses, o namoro de Roque e
Mocinha.
Acrescente-se, que o golpe de Furtado
apenas ressalta a impostura da união que interromperia a insolvência familiar.
Cena dos retirantes. Estes e as mulheres
são numerados (RE) (Ibid., p. 56-57). Os “cegos” maldizem os que não dão
esmolas.
Prefeito e José Porfírio, gerente da
propriedade de Nei Requião, oferecem trabalho na Usina Requião aos desgraçados
(Ibid., p. 58).
Os “cegos” (Roque e Brás, agora
desempregados), disputam a carteira que José Porfírio deixou cair na praça (Ibid.,
p. 59-60). O povo percebe que não são cegos e os dois correm. Depois entra o “Aleijado”
que corre (Ibid., p. 61). Roque propõe a retirada. É espancado por José
Porfírio e pelo povo (Ibid., p. 61-62). Brás se vai. Entra o Matador. Salva
Roque (sem desconfiar ser sua vítima) e afasta José Porfírio (Ibid., p. 63).
Segundo dados da ONU – Organização das
Nações Unidas, o Brasil, que saiu do Mapa da Fome em 2014, está de volta em
2020, com 15 milhões de pessoas na extrema-pobreza.
Ser momentaneamente “cego” talvez
funcione como atalho para deixar de ser um sem vida. Tais estratagemas
defensivos não solucionam, quiçá amenizem determinadas situações.
Mas se vemos estas circunstâncias se
manterem, podemos imaginar que interessa ao poder que tais “espertezas” se
produzam: faz-se vista grossa e não se resolvem os problemas.
Matador se condói de Roque, quer
cuidá-lo, mas precisa matá-lo (Ibid., p. 64). Brás retorna. Agradece ao
Matador, batizado São Salvador (Ibid., p. 65). Mas Brás se atrapalha e quase
entrega Roque (Ibid., p. 66). Matador se dá conta e, irritado, manda Roque
levantar-se (Ibid., p. 66-67). Roque se queixa: Mas... o senhor tem revólver
e eu estou desarmado... (Ibid., p. 67) Matador: O senhor está desarmado
porque vai ser matado (Ibid., p. 68) — repetindo a hierarquia inicial do texto,
quando Roque havia falado a Brás o motivo de sua demissão e expulsão: quem
expulsa escolhe as armas (Ibid., p. 12). Agora, Roque, dirigindo-se ao
público (RE), reconhece que já utilizara desse expediente contra Brás (Ibid., p.
68).
Coro (RE) relata o tiroteio (Loc. cit.).
Os dois cantam sobre a atenção do mundo para a luta (Ibid.,
68-69). Retomam a peleja. Apesar de baleado, Roque sobrevive. O padre
interrompe o conflito; alega ser Natal e impede a morte de Roque (Ibid., p. 69).
Matador conta suas façanhas. Diz-se
cansado (Ibid., p. 70). Não foi vaqueiro, porque matador dá mais dinheiro. Fim
do Natal. Reinicia a batalha (Ibid., p. 71). Duelam de faca, acabaram as balas
(Ibid., p. 72). Roque leva vantagem e mata o Matador, Quinca Bonfim, seu pai. Fim
do primeiro ato (Ibid., p. 73-74).
No mercado de trabalho, matador é melhor
assalariado que vaqueiro e tantas outras profissões. A indústria bélica campeã
bate recordes: quantas vezes pode o planeta ser destruído com tanto míssil? E
se consegue mandar a nave espacial a Plutão e faltar pão para bilhões.
“Inservíveis”, “inempregáveis”, “neobobos”
e “desplumados” se
vingaram antes de o Reich tucano completar 20 anos? “Que ingratidão!”
A desforra bicuda veio com a
irresignação pela derrota de 2014 e com o golpe de Estado de 2016, com os quais
destruíram direitos históricos dos trabalhadores com as “reformas”
trabalhistas, previdenciárias etc.
Compensação teatral: intervalo natalino
suspende a execução. Em nossas paragens, dá fôlego ao comércio e incrementa as
vendas.
Começa o 2º Ato. Nei Requião,
Desembargador e Zulmirinha. Conversam sobre o povo, que desanda a fazer filhos,
e as dificuldades nos negócios. O Desembargador dá seu assentimento a tudo o
que é dito. Entra Vespertina, antigo caso de Requião. Ela derruba água no colo
do Desembargador. Saem (Ibid., p. 77-82). Fica o Desembargador, que se dirige
ao público (RE): É, parece, mas não vou fazer monólogo, não (Ibid., p.
82).
O povo, sem freios, multiplica sua
prole. Aumenta sua miséria. Hoje, os senhores, podendo prescindir de numeroso
grupo de trabalhadores para explorar em seus negócios, espicaçam: “as
dificuldades crescentes têm origem nessa gente!”.
Entram Coronel e Furtado (Loc. cit.).
Coronel e Desembargador, conhecidos de longa data, conversam (Ibid., p. 83). O
segundo diz apoiar o Coronel (Ibid., p. 84). Volta Vespertina. Coronel a
agarra. Ao público (RE), ela pergunta: Esse quem será? (Ibid., p. 85)
Entra Requião, que se alterca com o Coronel (Loc. cit.). Volta Zulmirinha, que
traz como carregadores Brás e Roque (Ibid., p. 86-87). Requião, ao público (RE):
Ela vai querer dar ocupação a eles (Ibid., p. 87). Quando Zulmirinha
confirma o pedido, Requião se volta para o público de novo (RE): Não disse! (Ibid.,
p. 88).
Quem sabe conhece a rima: se Coronel
combina com Desembargador, prometem ao pobre repleta dor.
Roque vê Mocinha. Coronel o persegue.
Requião o acode. Cantiga fora de contexto de Roque (RE): Olha o trem! Olha o
trem! (Ibid., p. 89). Zulmirinha, espantada: Mas que trem? Roque diz
a Brás de seu desejo de encontrar Mocinha. Diz a ele que deseja se deitar de
novo com ela (Ibid., p. 90-91).
Todas as vezes que Roque está em apuros,
ao contrário do que disse Marx, é “possível” raio em céu azul.
Cena de “boulevard”: todos
procurando no hotel seus pares com seguidas reversões de luz e desencontros (Ibid.,
p. 91-95). Mocinha e Roque estão num quarto (Ibid., p. 96). Roque vai para
outro quarto onde está Zulmirinha. Conversam sobre o pai de Roque morto. Ela
meio chora. Abraça, beija e deita com Roque, que se dirige para o eletricista
novamente (RE): Êta nós, meu povo. Apaga de novo! (Ibid., p. 98).
A desfaçatez de Roque (Vianinha/Gullar) é
tanta, que os avarentos lhe fornecem as esposas, filhas etc.
Coronel e Nei Requião disputam
Vespertina no par ou ímpar. Ganha o Coronel, mas Brás das Flores é quem sai do
quarto de Vespertina. Coronel o reconhece. Novo imbróglio: todas as personagens
correm, mudando a cena. Retorna Brás das Flores e explica ao público (RE)
desatento a sequência que se foi e a que virá (Ibid., p. 99).
Uma pessoa ser prêmio em uma disputa de “par
ou ímpar” esclarece muito sobre a ética desses barões.
Agora trabalham, os dois amigos, na
Usina Requião. Brás acha-se fortalecido porque Roque fornica com a mulher do
patrão, Zulmirinha. Esta fornece as roupas do marido para vestir o amante. Brás
ri. Roque fica sério. Brás receia a volta de José Porfírio, administrador da
Usina (Ibid., p. 100).
José Porfírio quer vingar-se. No entanto
Roque descobre as tramoias dele, o desvio de parte de cada feixe de cana (Ibid.,
p. 101-102). José Porfírio cala-se e é convencido pelas circunstâncias a
hospedar Roque. Nei Requião se dá conta de que Roque traja seu pijama, mas não
se apercebe do significado. O Desembargador olha para o público (RE) (Ibid., p.
103).
Os favores sexuais a Zulmirinha,
prestados por Roque, são permanentemente ignorados por Requião, que, antes de
se importar com o “chifre”, parece mais preocupado com suas lutas políticas
renhidas.
Delatorzinho não quer a concorrência de
mais retirantes e delata a José Porfírio a vinda deles. Rodrigo lidera os que
querem se livrar das bocas a mais que precisam se alimentar. O administrador vê
aí a oportunidade para se livrar de Roque, criando para ele uma emboscada (Ibid.,
p. 104-105).
Enquanto Roque acompanhava o
Desembargador, Nei Requião e Zulmirinha a uma festa, José Porfírio inventa ao
patrão que Roque quer iniciar o trabalho sem demora. Zulmirinha, orgulhosa, indica
ao marido satisfação com a iniciativa que acredita ser de Roque. Requião, cheio
dos agrados da mulher com o estranho, concorda que Roque comece a lida. (RE)
Roque para o público: me pegou. Porfírio manda Roque para o Pontão “recepcionar”
trabalhadores, quando se trata de uma armadilha (Ibid., p. 106-107).
Brás das Flores, que acompanhara o
enredo, pensa em contar ao amigo a proximidade do perigo. Mas, medroso, se cala
dormindo. Luta de classe (no singular): Rodrigo e os camponeses ficam à
espreita para malhar os mais famintos. Roque, desavisado, no escuro se embrenha
sem ter noção da tocaia armada. Mal pergunta onde poderia estar e os porretes
preenchem de golpes seu corpo. (RE) Mas como herói da peça, diz Roque, não
me fica bem apanhar à beça (Ibid., p. 108-109).
Brás das Flores, dependente da sorte do
amigo, para pôr fim à pancadaria, repete o expediente do olha o trem! Está
na hora do trem. (RE) Rodrigo, que alega ter visto o início do ato, conhece
o truque, e manda a surra continuar. Brás dá as credenciais de Roque: ganhou a
filha do Coronel Honorato e matou o Matador, Quinca Bonfim. Reverência feita a
Roque das proezas, a informação dos interessados na vinda de mais esfaimados
para baixar os salários e expulsar os já colocados (Ibid., p. 110-111).
Descobre-se que José Porfírio, a mando
de Requião, requisitava a mão-de-obra aviltada, na realidade escravizada, pois
o prato de comida lhe bastava. Requião, mui “caridoso”, quer dar oportunidade
aos novos miseráveis, para substituir os que já puderam comer alguma lasca. A
Usina de Requião usa os retirantes para se antecipar às outras e produzir, a
mais baixo custo, o açúcar que amarga a vida dos trabalhadores. Roque,
inocente, quase demente, vai explicar a Rodrigo, que fora despedido, a razão da
acolhida “cristã” do emérito patrão. A polícia ficará no encalço caso Rodrigo
reaja (Ibid., p. 112-115).
Roque, confuso, e Rodrigo unem-se para
espancar os infelizes. Entre os quais está Joca Ramiro, delator de Brás e
ex-soldado, agora desempregado, que é acolhido por Roque (Ibid., p. 116-117).
Joca relata a falta de dinheiro para
pagamento dos soldados; a polícia, à míngua, ajuda a desempregar mais pessoas.
Roque, solerte, chama Joca e os outros para acompanhá-lo ao barracão, onde
comida há de montão. (RE) Brás, pressentindo confusão, alerta: Saquear o
barracão... (Ibid., p. 118-119).
Os processos migratórios de origem
econômica se intensificaram no final do século XX e início do XXI. A “globalização”,
o “novo renascimento” do ex-presidente míope-sociólogo, prolifera a multidão de
indigentes e corrige, para cima, as carreiras de zeros nos cifrões dos
biliardários. Com a “desglobalização” do terraplanista Bolsonaro, idem.
O movimento do capital procura quebrar a
espinha dorsal das organizações de trabalhadores. Muitas vezes, com a
aquiescência destas. No texto, enquanto os camponeses se engalfinham entre si,
os oligarcas reduzem seus custos e ampliam a exploração.
Os que levaram as coisas se foram.
Restou Roque, bêbado, que, sem juízo, não se toca do perigo: Porfírio, o
administrador, a polícia foi chamar. Na comitiva, Nei Requião comemora a prisão
de Roque, que se enrola com o mote “se correr o bicho pega, se ficar o bicho
come”. Fim do segundo ato (Ibid., p. 120-121).
O saque que deixa marca (ou presença) é
imprudente. Roque, sem siso e indeciso, está bêbado. A subtração do que antes
foi tirado é ato “irresponsável”, pois o bicho pega ou come!
Brás, disfarçado, visita Roque na
prisão. Progrediu na vida. Dinheiro ganhou cantando a vida das peripécias de
Roque. Famoso, Roque desfila nas manchetes dos jornais, e o povo clama por sua
liberdade. Virou fiel da balança na campanha eleitoral. Nela disputam o Senador
Furtado, o pai do namorado de Mocinha. Em segundo, Jesus Glicério, candidato
popular, que clama pela libertação de Roque. Bem longe Requião, responsável
pela prisão do agora célebre Roque, personagem de cordel do novo rico Brás das
Flores. Este teme o candidato popular que quer fazer a reforma agrária e,
apesar do nome, Jesus, é pintado de diabo. Mas, ao mesmo tempo, Brás está
aliviado, pois Jesus é candidato pobre que não pode tirar Roque da cela. Até a
carcereira se derrama sobre Roque, trazendo-lhe o almoço repetidas vezes. Ela
lamenta a iminente soltura de seu amado (Ibid., p. 125-129).
A “amizade” de Brás das Flores dá a ele
bom rendimento. Melhor o amigo permanecer encarcerado, mesmo que não seja
culpado. A rentabilidade da personagem do cordel está ligada à imagem do
injustiçado. Solto perde a confiança, e o amigo Brás a bonança.
Brás tem planos para o “amigo” robustecer
sua pança. Formar aliança com os magnatas do sertão e rifar Roque: quem paga
mais?
Marqueteiro do sertão, Brás das Flores,
e dos espinhos, tem a estratégia à mão: lotear os cargos públicos e ser gigolô
do povo.
Eis que chega o Coronel Honorato mais o
Senador Furtado. Aproveitam a presença de jornalistas e posam para os
fotógrafos ao lado de Roque. Querem que a imprensa documente o “grande apreço”
que têm por Roque. Este comenta a cena do abraço, dado pelo Coronel, com o
público (RE): Mais um pouco e ele me pede em casamento (Ibid., p.
130-131).
Entra Requião, que disputa o “troféu”
com seu adversário. Numa cena burlesca, desafia em dança e cantoria o Coronel.
Procuram mostrar-se os mais protetores de Roque. O “afilhado”, com tanta
dedicação, é mandado da prisão direto para a suíte do hotel, onde Brás das
Flores, acompanhante, se regala em pedir cardápio inteiro e assume a fala de
patrões. Às custas de Requião e Honorato, que cada um paga um quarto. O que
motiva a inusual “caridade” é o bom desempenho nas pesquisas do candidato
popular, Jesus Glicério.
A oligarquia em rebuliço corre para se
aproveitar da recém-conquistada influência de Roque. Agora o miserável é “bom-camarada”.
Sua ingerência no processo eleitoral pode manter os donos do poder no mesmo
lugar. Missão dos coronéis: afastar Roque do indecente Jesus Glicério (da
Silva?).
Roque, ao tocar a campainha, para o público
(RE): Será? Deve ser Mocinha. E para contentamento completo de Roque,
eis que vem Mocinha visitar-lhe (Ibid., p. 132-134). Oferecida, ela, como
primeira-dama, seria esposa do filho do governador, o que lhe daria poder para
arrastar qualquer um para sua cama. Toca a campainha e Mocinha desmaia, receosa
da presença do namorado. Mas é seu pai; esconde-se. Roque tapeia o Coronel com
um tal “pôr-do-sol” da manhã e sinaliza para Mocinha sumir dali (Ibid., p.
135-137).
O que demonstra que as “leis sexuais”
também têm corte de classe e, portanto, de privilégios.
Zulmirinha visita Roque Penaforte (o
mito do cordel de Brás) no quarto ao lado, enquanto o Coronel o aguarda na
suíte adjacente. Ela comemora a grife que Roque ostenta no nome, sendo
alguém e não um qualquer. Afinal, não fica bem para elegante senhora,
promotora do Chá da Mãe Esquecida, ser amante de um Roque qualquer.
Brás a avisa da presença do marido. Ela, aborrecida, reclama da presença desse estraga-prazer;
mas, para preservar a unidade familiar, furta-se a lhe dizer umas verdades.
Requião entra e ela, só de espartilho, sai, enquanto Roque despista-o com a
história da pesca na cidade do interior de um peixe próprio do mar (Ibid., p.
138-139).
Os favores amorosos do “talzinho”
tiveram um “upgrade”: agora é um sujeito ilustre; e, por isso, requisitado em toda
grade social, da carcereira à mulher do usineiro.
Se antes o fenômeno da celebridade já
causava furor, hoje, sabemos, é descomunal. Basta repararmos, na banca de
jornal / redes sociais, a infinidade de títulos “preocupados com beldades”, e,
nos programas televisivos de “reality show”, o constante esmiuçar das pulsações
e da epiderme dos que são focados pelas lentes midiáticas / de Midas e
transmitidos para milhões de ciosos alcoviteiros que se comprazem no “voyerismo”
doméstico. Prisioneiros nas grades do vídeo, consomem o que era reservado ao
espaço da privacidade. O que supõe o abalo dos fundamentos do contrato que
ordenava a vida social entre os séculos XIX e XX (KEHL, 2004, p. 141).
É a celebridade desconteudizada, ou
seja, aquela que existe não porque o sujeito tenha realizado alguma coisa (ter
escrito um livro; fazer uma proeza etc.), mas aquela motivada pelo aparecimento
diante das câmaras, cujo efeito narcotizante demandaria, ainda, estudos mais
aprofundados.
Decididamente, a política como
espetáculo não é fenômeno novo (!).
Enquanto Brás solicita ora para Requião,
ora para o Coronel o retorno de Roque à cadeia, o que poderia lhe dar um novo
alento nos negócios literários, e por isso leva safanões de Roque, este alterna
a visita aos quartos para atender os dois promotores da hospedagem ao mesmo
tempo. Verificando que não poderia continuar no mesmo frenesi, Roque instala
uma cadeira entre as portas que comunicam os quartos e de lá responde aos dois
que tagarelam suas plataformas políticas recém-convertidas a um perfil “popular”
(VIANNA FILHO; GULLAR, 1966, p. 140-145).
A política do cabresto, o “favor” a ser
pago ao gentil Coronel, cavalheiro e cristão!, é didaticamente mostrado no
entrecho. Reparem a comovente demonstração de apreço dessas figuras
aristocráticas em relação a Roque, que há pouco era zé-ninguém.
Quem tiver olhos...
Roque cobra seu preço, um milhão para o
começo. E cargos públicos e mordomias a mancheias. Os patronos, meio
arrependidos com os novos custos, entregam cada qual seu cheque. Marcam
encontro na Assembleia na mesma hora. Saem e não se cruzam. Campainha. Volta
Zulmirinha, no chá beneficente lhe avisaram que estava despida. Roque, com novo
toque, não esconde a contrariedade. Quem será dessa vez? Agora pode ser o
próprio Napoleão. E o escracho aí está: Napoleão pergunta por Waterloo e só
lhe indicam “water-close”. Zulmirinha ainda debocha da figura extemporânea: Céus,
mas por que tanta pose? (Ibid., p. 146-148).
Zulmirinha é transparente, pode zanzar
por toda parte assumindo sua sinceridade. O efeito cômico mostra, também, que
tudo parece ser possível. Ou quase tudo.
Coronel e Nei Requião discutem na sala
da Assembleia. Conferem os relógios para certificar-se do atraso de Roque.
Cobram para si a “paternidade” de Roque. Ruído de passeata. É a manifestação do grupo de Jesus
Glicério. Carregam faixas reivindicando a reforma agrária. Os barões desdenham:
Quer dar terra pra minhoca? Mas são surpreendidos pela adesão de Roque.
Então, passam a amaldiçoá-lo. Brás,
solícito, diz aos senhores que Roque se equivocou, mas que ele não sofre desse
problema, tem juízo; está à disposição do senhor que lhe encher a mão (Ibid., p.
149-153).
Coronel arrebenta uma cadeira na cabeça
de Brás. Roque volta à prisão, para a alegria da Carcereira. Pressentindo a
derrota, Requião quer retirar sua candidatura e a do Senador para criar uma
outra de conciliação, um sujeito manipulável. O Desembargador, cumpridor do
dever “público”, seria a solução. É o acordo pelo alto das elites. Nei Requião
cita a peça e o grupo Opinião para mostrar a influência deletéria da
vitória de Jesus (RE). O Senador está propenso a aceitar a costura do acordo,
mas é desviado da ideia pelo Coronel. Por isso, Requião trama financiar a
campanha de Jesus e soltar Roque para nela pedir votos. Desse modo, atiçando
medo ao Coronel, acredita poder forçar a candidatura única dos poderosos (Ibid.,
p. 154-159).
Será que a campanha do medo, o
terrorismo eleitoral de 2002 e reeditado em 2006, 2010, 2014, 2016, 2018 etc.,
não tem nada a ver com essas figuras “probas”, de quem o humorista Zé Simão
emprestou o mote: “Onestidade, Ônradez e Óproceis!” ?
Roque, outra vez solto, pensa em
escapulir. Os policiais em seu encalço estão por vir. Enumeração de sujeitos
(RE), querem saber do herói do cordel para aplicar-lhe uma sova. Roque se
apresenta e logo toma socos e é arrebentado. A mando de Requião penou Roque. E
o dono da Usina ordena: vá apoiar Jesus Glicério e não pense em fugir. Os
mesmos capangas, dessa vez a serviço do Coronel, voltam a espancá-lo. Citam boa
parte dos motivos anteriores e acrescentam (RE): conforme já foi falado.
E o Coronel adverte: nada de apoiar Jesus, suma já. E os espancadores,
como bons profissionais, deixam seu cartão com Roque e oferecem seus préstimos
para as ocasiões em que ele necessitar (Ibid., p. 159-164).
Brás das Flores, oportunista, festeja a
soltura de Roque. Este, de tanto apanhar, já está bravo com Brás. Não sabe se
deve sumir ou se mostrar. Brás o censura por pensar que ele quer explorá-lo: mas
que palpite infeliz (RE). Lembra, ainda, que Tiradentes se deixou matar
pela liberdade. Roque quer evadir-se da obrigação de personagem de Brás e
lacaio de Honorato e Requião. Brás estende uma faixa de apoio a Jesus Glicério
enquanto Roque caminha gritando contra o domínio dos coronéis. A multidão é
atraída. Forma-se um comício. Roque entende e reclama da situação forjada por
Brás (Ibid., p. 164-167).
Como personagem autônomo, Roque não
interessa aos senhores, que desejam um sujeito sem espinha dorsal. Ao procurar
escrever sua própria história, Roque, ou seja, o que ele representa, começa a
entender a dimensão da luta de interesses em jogo. Não quer ser instrumento nem
dos mandachuvas tradicionais, nem de Brás das Flores.
Quem não quer ser joguete precisa...
Falido, o Coronel resolve aceitar a
imposição de Requião. Brás faz o loteamento das Secretarias de governo. As
terras do Senador, para pagar hipoteca, agora são de Requião, que dá as cartas.
Furtado, o filho do Senador, agora não quer mais Mocinha, ela não tem valor (Ibid.,
p. 167-172).
Mas o “fim da História” se provou ideologia.
E os arranjos, que dantes deram certo, parecem desarranjados com a emergência
do fenômeno da exaustão ao esgarçamento sem tréguas do tecido social. Os
mecanismos de opressão tão operantes, infalíveis e insaciáveis, talvez tenham
passado pela mais severa dissecação de suas partes constitutivas. Daí a
possibilidade de novos cenários pela transformação da realidade diagnosticada.
Mocinha, Brás e Roque fogem. Uma
multidão grita “Roque”. Mocinha e Brás desistem de acompanhá-lo. Roque toma uma
saraivada de tiros. Brás comemora a dinheirama que pode auferir com a nova
história. Mocinha fica. Coronel, na sua fazenda, está morrendo. Quer entregar
as terras a Roque. Pergunta a Bizuza, sua esposa, se o mataram. Entram Roque e
Mocinha. Roque, ao público (RE): o mocinho morrer no final pega muito mal
(Ibid., p. 173-176).
Roque pode ser fênix por sua
característica: é tipo e não pessoa.
Coronel dá suas terras a Roque, mas o
adverte para não se casar com Mocinha, pois ele é seu filho e, por consequência,
ela é sua irmã. Mocinha chora. Bizuza interrompe: essa história não pode ser.
Uma vez que o Coronel se ausentou, teve um namoro com o Desembargador. Mocinha
é filha dela e do atual governador. Estrebucha o Coronel. Mas sendo Mocinha
filha do Desembargador, a família falida está salva, pois ela é, afinal, filha
do governador. O açude será construído e, exultante, o Coronel moribundo dá
vivas: bendito corno! (Ibid., p. 176-177).
Na moral do Coronel: antes a fronte
adornada, do que o bolso sem recheio.
(RE) Ao público, Roque oferece os três
finais:
1º Final feliz - Roque reproduz a
figura do Coronel e Brás se livra dos que desviam produtos da fazenda;
2º Final jurídico - Roque
socializa a terra com os lavradores e Brás, de Juiz, quer reabrir o processo
contra o possesso;
3º Final brasileiro - Houve
recontagem de votos e Jesus é o governador. Chamou Roque para ajudar na reforma
agrária. Brás, vestido de guerreiro medieval, anuncia: Sua Alteza Dom
Requião restaura a monarquia no Brasil.
A seguir, propomos pensar estes finais
tendo em vista nosso contexto histórico imediato.
2.2. Nossos
dias e os três finais de Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
Os Azeredo mais os Benevides (VIANNA FILHO, 1968) [11] traz a
crítica às alianças de classes, mostrando que a devoção de Alvimar a seu patrão
Espiridião não podia ter resultado diverso. Nossa experiência presente revela a
necessidade de prestarmos atenção para não sermos reprodutores de situações
históricas que já se revelaram infrutíferas.
Os expedientes épicos do texto: o
distanciamento das famílias, verdadeiro fosso de classes; o corte do eixo
temporal; a ação passando por decupagem episódica; a forma historicizada de se
mostrar a degradação dos trabalhadores (lutando por esterco); a ascensão de
Espiridião Filho (apesar do nome, por ironia, filho de Alvimar) como líder
camponês, --- enfim, são recursos que nos auxiliam a compreender a extensão dos
problemas a que o autor é obrigado a dar conta.
Lembremos que as amizades equivocadas da
peça como as alianças esdrúxulas da política atual, nos alertam para ficarmos
ressabiados com os cantos de sereias.
É verdade que os tempos são outros e a
classe dominante se encontra enrascada em sua própria lógica — decorrente do
golpe de Estado de 2016 e a destruição da política —, aflita por uma boia de
salvação atirada, sardonicamente, pelo símbolo das classes populares alçado ao
poder presidencial (2003-2010), preso posteriormente (2018) pelo “juiz ladrão” para
impedir a quinta vitória seguida do PT e, em 2020, prestes a ter reconhecida
pelo STF – Supremo Tribunal Federal a parcialidade na condução de processos do então
“juiz” Sérgio Moro.
A oferta de três finais em Se correr
o bicho pega, se ficar o bicho come tinha como opção lógica o final
brasileiro, em especial sua segunda parte. Quer dizer, o restabelecimento
da monarquia se o “status quo” fosse ameaçado (o que se concretizou de
alguma forma com o golpe de Estado de 2016 e o neofascismo de Bolsonaro).
O final feliz, na realidade
infeliz, levava Roque a substituir os antigos mandantes, Requião, Coronel etc.,
reeditando o continuísmo.
Graças ao reinado de Fernando Henrique
Cardoso (1994-2002), gentil servidor da desnacionalização sem precedentes das infraestruturas
econômica e financeira a que foi guinado o Brasil (reeditado com demais atores
com o golpe de Estado de 2016), tivemos parte da burguesia ciosa por alterações
no final de 2002 e agora, de novo, em 2020. Para sua sobrevivência, certos
segmentos desta classe começam a compreender que a violência é resultado do
sistema de alta exclusão que lhe proporciona privilégios recordes. Ou seja, não
é ação originária de marginais maus e anticristãos ou de subversivos “comedores
de criancinhas”.
A hegemonia da condução pende para as
forças conservadoras e reacionárias. Entretanto as ideologias do “fim da
História”, da “globalização”, antes, e agora da “desglobalização” dos
neofascistas, do passam a ser risíveis para largos contingentes da sociedade
brasileira. A história não é destino, como os gregos aristocratas inventaram,
mas construção de homens e mulheres sob condições determinadas.
Voltemos aos finais de Se correr o
bicho pega... Apesar das contradições atuais, a primeira parte do final
jurídico, a distribuição da renda, ainda que de menor magnitude, pode ser
efetivada sem cairmos na reedição (o golpe de Estado de 2016 e as eleições
fraudadas de 2018) da fatalidade da segunda parte deste final: a
reabertura de processo judicial contra o possesso que quiser transformar a “inalterável
natureza” das relações de força na sociedade brasileira.
Assim, se os trabalhadores e
desempregados conseguirem sair da defensiva e partir para a ofensiva teríamos a
primeira parte do final jurídico junto com a primeira parte do final
brasileiro. O que, convenhamos, é um final feliz, dadas as
circunstâncias histórico-sociais que atravessamos.
3. Conclusão
O carbono 14 estético expõe as
obras. Muitas vezes algumas das mais encenadas são as mais datadas e
comprometidas com o poder (!), declinando o estado de coisas em que uma
sociedade se encontra. Mas como as transformações são dependentes das ações
humanas, aqui apresentamos esse instrumento metodológico antiembusteiros, nossa
modesta contribuição para mudar algumas instâncias.
Sabemos que nós findamos e outros virão.
É árdua a tarefa no sentido de os brasileiros tomarem para si o Brasil. Não é
trabalho para poucos anos e gerações consumirão suas energias para que uma
época vindoura digna de seus filhos se concretize.
Mas é obrigação indeclinável de cada um
fazer o que lhe estiver ao alcance para que tenhamos a certeza de que não será
possível mais a humilhação secular de um povo pela prepotência interna/externa
de elites retrógradas e de seus representantes dramatúrgicos.
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Ferreira. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
_______________
Notas
[1] Agenor Bevilacqua Sobrinho é doutor em Artes
Cênicas pelo CAC/ECA-USP e Mestre em Artes pelo Instituto de Artes da
Universidade Estadual Paulista (IA-UNESP). É pesquisador do Grupo de Pesquisa
Estudos histórico-críticos e dialéticos de teatro estadunidense e brasileiro
(CNPq). Editor, dramaturgo e escritor, é autor de Atualidade/utilidade do trabalho de Brecht. Uma abordagem
a partir do estudo de quatro personagens femininas, A Lente, A Guerra de Yuan, O Rato Pensador (todos pela
Editora Cia. Fagulha: www.ciafagulha.com.br) e de vários artigos
publicados em revistas especializadas.
[2] Estas notas com o texto em itálico
são nossos comentários. O objetivo duplo planejado é: 1) dar sequência/fluxo
ao texto dramatúrgico e 2) distingui-las das citações, que por tradição são
alinhadas à direita. No texto de Vianinha repetiremos o procedimento.
[3] E não índio, como afirmara D.
Flávia. Será que aqui não há duplo preconceito?
[4] Não podemos esquecer que a “feiura”
e a “beleza” têm forte caráter cultural.
[5] Sábato saúda o rompimento de certas
convenções e o uso sugestivo da elipse, entre outros elogios.
[6] Iná Camargo Costa menciona o aspecto
misógino nas obras dos dramaturgos Nelson Rodrigues e Armand Salacrou, autor de
L'Inconnué d'Arras, da qual teria sido abstraído o argumento para a
construção da “original” Vestido de Noiva (COSTA, 1998, nota 14, p. 76).
A respeito da visão negativa de Nelson sobre a mulher, conferir o verbete “Suzana
Flag”, in: COELHO, 2002, p. 603.
[7] Para a análise deste crítico sobre Eles
não usam Black-tie, consultar, no mesmo volume, as páginas 245-247.
[8] Para uma pequena história do jeitinho,
consultar: BARBOSA, 1988, p. 50-56 e, da mesma autora, BARBOSA, 1992. Sobre o jeitinho
como modo de relação, ver: DA MATTA, 1994, p. 93-105. A respeito das raízes e
dos mecanismos da discriminação e do preconceito e de seus efeitos na
cidadania, ler: PINSKY; ELUF, 2000.
[9] A partir de agora sinalizado pela
sigla (RE).
[10] Sobre o processo de liquidação das
oligarquias, consultar: OLIVEIRA, dez 2002/jan/fev 2003, p. 22-28.
[11] Esse texto recebeu Menção honrosa do Prêmio
Serviço Nacional de Teatro de 1966.
Para uma análise do período Vargas, ver,
do mesmo autor, Rasga Coração (1980, 320p.) Esta edição contém farta
documentação político-cultural daquele momento histórico. O texto recebeu o 1º
lugar no VI Concurso de Dramaturgia Nacional do Prêmio Serviço Nacional de
Teatro (1974).
*****
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